SOPHIA NARRANDO
Aquela casa não era uma simples mansão de um ricaço, era a visão do que existia de melhor em alto padrão no país. Era um estilo novo até mesmo para mim, que estava acostumada a caminhar por mansões em festas e eventos. O casarão possuía apenas dois andares, mas a extensão da construção era tão grande, que eu não conseguia encontrar a linha que denotava o fim. Isso sem falar do pé direito que passava de quatro metros, com certeza. Tudo era muito branco, com um estilo clean, porém, a casa possuía um design e decoração mais masculino e introspectivo. Muito diferente do glamour e sofisticação do prédio da empresa, que mostrava poder e soberania; aquela mansão parecia o reflexo de uma personalidade sombria, fechada e silenciosa. Silenciosa demais para um lugar com duas crianças de cinco anos. A casa possuía jardins com roseiras brancas, bancos brancos, bem como os seixos brancos que percorriam toda a área com grama, que era a única coisa com um tom diferente em todo o jardim. Olhando para cima eu notei uma piscina com borda infinita, que parecia ter um formato em L. Queria ter tido tempo de observar melhor os arredores, mas a gigantesca porta de nogueira ladeada por paredões de vidro se abriu e uma senhorinha muito bem-apessoada saiu e acenou para mim. Ela agradeceu minha chegada e me guiou para que eu visse os cômodos da casa, agora sem a interferência dos janelões de vidro.
— Estou muito satisfeita com a sua chegada. Você fará uma grande diferença nesta casa, mocinha. — Marta segurou minha mão e apertou como se eu fosse sua salvação.
— Obrigada, eu espero corresponder suas expectativas... — Me senti constrangida por toda aquela felicidade em me ver.
— Vamos, chega de papo. Essa é uma casa grande e você terá que aprender a governá-la.
—Governar a casa? Como assim? — Perguntei enquanto seguia por salas enormes e corredores.
— Você será tutora dos herdeiros de uma das maiores empresas do país, achou que seria apenas uma babá? — A velhinha riu e balançou a cabeça. — Para garantir que tudo seja perfeito, você terá que lidar com esta casa também. Precisa garantir que tudo esteja perfeito para os meninos. Desde a alimentação até a disposição dos móveis na decoração. Para o jovem Mattielo, até a corrente de ar que circula na casa pode interferir na educação das crianças.
— Meu Deus... eles são o quê? Crianças ou uma experiência científica? — Fiquei indignada e triste por saber que aqueles pequeninos não tinham sequer a oportunidade de serem infantis e inocentes.
— Quer um conselho da boa e velha sabedoria? — Marta parou atrás da imensa ilha no meio da cozinha e tirou um caderno de capa dura de uma gaveta.
— Sim, por favor. — Estranhei a atitude, mas não diria nada até que ela revelasse o que era aquele caderno.
—Não tente ir contra as ordens dele. Aceite e siga com sua função, minha querida. Dessa forma você garante seu emprego e as crianças garantem uma boa pessoa por perto.
— Você o conhece há quanto tempo?
— Eu conheço o jovem presidente desde que ele tinha apenas sete anos. Eu fui contratada pelos pais dele no auge dos meus vinte anos.
— Nossa... se você está dizendo para eu andar na linha é porque você, com certeza, teme excelentes motivos. — Ri de nervoso.
— Se seguir o que está nesse caderno, você não terá problemas e passará por tudo com tranquilidade. Seja invisível nesta casa e isso te manterá no emprego. Eles não são seus filhos, portanto, não queira ser uma mãe para eles. Nico e Lucca são crianças excelentes e não darão trabalho, mas não se afeiçoe aos dois, ou você sofrerá caso não continue no trabalho.
As palavras de Marta eram duras. Como eu não me afeiçoaria a eles se passaria todos os dias em sua companhia? Quem consegue não se afeiçoar a uma criança? Eu tentaria manter as palavras dela em mente, mas sabia que eu precisaria achar um meio termo, pois não seria um ser humano desprovido de emoções e sentimentos. Aquela não era minha natureza. Quanto a ficar invisível aos olhos do patrão... Eu seguiria aquela regra à risca. Se tinha uma coisa que eu daria meu melhor para fazer era nunca estar na presença dele.
Marta seguiu me explicando sobre todas as regras e exigências que eu precisaria seguir para que o trabalho fosse executado com excelência. O que me chamou atenção foram os sete mandamentos. Aquilo seria pitoresco se não fosse tão i****a.
1 - As crianças não podem assistir desenhos infantis na tv — apenas documentários instrutivos;
2 - As crianças deveriam seguir à risca uma dieta low carb;
3 - Jamais poderiam ultrapassar o toque de recolher e não poderiam dormir além do horário estipulado de nove horas por noite;
4 - Momentos de lazer só deveriam ser aproveitados com atividades que aprimorassem o intelecto;
5 - Estritamente obrigatória a prática de exercícios todos os dias
6 - Usar o inglês nos dias ímpares, português nos dias pares e espanhol aos fins de semana;
7 - Nenhum tipo de travessura ou atitudes vergonhosas, principalmente perto de outros.
Aquelas regras eram tão absurdas, que eu quase rasguei a página e joguei no vaso sanitário. Até as regras da música da Dua Lipa era mais bem elaborada e fazia mais sentido do que aquilo ali. Franco Mattioli exigia que os filhos de cinco anos fossem robôs programados para se comportarem como dois enfeites, os quais seriam usados nos momentos mais propícios. Todo aquele material era repugnante e demonstrava falta de afeto e de um coração, pois nenhum pai que amasse os filhos condenaria os pobrezinhos a uma vida tão vazia e triste. Eu daria o meu melhor para fazer com que Lucca e Nico conhecessem a alegria e o afeto. Eu os ensinaria a serem felizes.