Um casaco caindo sobre meus ombros me tira da dolorosa lembrança, levanto os olhos para ver meu pai. Seus olhos não brilham mais desde que meu irmão morreu e minha mãe entrou em depressão.
— Ela não está falando sério, filha. Ele quebra o silêncio da noite. — É a dor que fala por ela.
— ElA não está mentindo, papai. Tudo é culpa minha, ela só diz na minha cara o que meu irmão e você pensam.
— Ninguém te culpa, Maggie.
— Mas é. Escapou um suspiro de resignação. — Talvez seja hora de sair daqui, vocês não precisam de mim.
— Filha…
— Mamãe poderia se recuperar se eu for, papai. Você não gostaria disso?
Seu silêncio é minha resposta. Papai ama a mamãe loucamente e, claro, quer ela de volta, mesmo que isso signifique que eu tenha que sair de casa. Com um sorriso triste no rosto e um aperto em seu braço, entro na casa e subo direto para o meu quarto.
Logo deixará de ser. Lembro-me.
Aqui estão todas as minhas lembranças de quando eu era criança, tenho memórias de quando cuidava do meu irmão, de quando ele vinha dormir comigo porque tinha tido um pesadelo. Aqui eu tenho tudo e agora devo deixar isso.
*****
Seu amor era como amoxicilina, prometia eliminar as infecções da alma, mas só ocultava os sintomas.
Basileia, Suíça
Margareth
— Você parece cansada, Maggie. A voz de Joelle me faz levantar os olhos do balcão. — Você está dormindo? Ela indaga com preocupação.
— O que posso, mudei-me e está sendo uma loucura. Explico.
— Devia ter me pedido ajuda. Ela cruza os braços para mostrar seu aborrecimento.
— Eu estou cuidando disso, não se preocupe. Abaixo-me até o final da vitrine e pego uma sacola para ela. — Tenho algo para você.
— Um daqueles seus doces?
Posso jurar que os olhos dela se iluminam com a ideia de comer algo doce. Ela não estava mentindo sobre seu vício.
— Sim, uma versão mais saudável de um bolo de chocolate. Você vai amar.
— Claro que vou, você preparou.
Sorrio diante de seu elogio e lhe entrego a embalagem com a sobremesa. Joelle não demora em abri-lo e começar a degustá-lo. Ela fica em choque com a primeira colherada, espero pacientemente ouvir sua opinião, mas ela continua calada.
— Então? Perguntei, vendo que ela não falava.
— Não posso falar, morri e fui para o céu. Ela geme. — Mulher, acho que sabe melhor do que a receita original. Como você faz isso?
— Uh, não tenho certeza do que devo responder. Murmuro.
— Não importa, vou deixar passar. Come outra mordida. — Continue fazendo essas coisas por mim, pode ser?
— Com prazer.
— Vou te sequestrar e te levar para minha casa para que você seja minha cozinheira. Como pude viver tanto tempo sem você? Agora que te conheci, não vou deixar você escapar, Maggie. Ai, é que eu vou morrer... Joelle, tão louca quanto estou aprendendo a conhecê-la, vai embora enquanto fala.
A única coisa que me resta é suspirar, encolher os ombros e continuar com o trabalho. A hora do café da manhã já passou, no entanto, ainda há coisas que preciso fazer: deixar o café pronto, preparar doces e salgados caso alguém queira, e continuar elaborando receitas para não cansar meus comensais com a mesma coisa.
Meu celular toca, anunciando uma mensagem de texto, pego e desbloqueio para ver que é um do meu irmão, o terceiro do dia, mas um dos milhares que ele enviou desde que eu sai de casa. Suspiro e abro-o, apenas para sentir meu coração encolher dentro do meu peito.
Nathan: Volte para casa, Maggie, por favor. Papai e eu te amamos, precisamos de você.
Fecho o chat e coloco o celular virado para baixo sobre o balcão. Uma lágrima solitária desce pelo meu olho esquerdo, uma pequena amostra da dor interna que sinto.
— Em quem devo bater? A voz de um homem me faz abrir os olhos, é ele. — Um ex-namorado?
— O quê? Pergunto como uma tonta.
— Devo bater no seu ex-namorado por te fazer chorar? Não consigo imaginar que tipo de homem faria sofrer uma mulher tão doce e linda como você.
Coro, minhas bochechas competem com o vermelho do meu cabelo. Desde que nos vimos no primeiro dia, ele desceu algumas vezes para tomar café, mas sempre acompanhado de outras pessoas. Olho ao redor, ele está sozinho, estamos sozinhos.
—Então? Ele pergunta de novo diante do meu silêncio.
— Não é um ex-namorado, é meu irmão. Coisas familiares. Respondo, encolhendo os ombros para minimizar a importância do assunto.
— Também bato em irmãos, você só dá a ordem e serei seus punhos. Ele levanta os braços e dê alguns socos no ar.
E, pela primeira vez em dias, eu rio. É uma gargalhada limpa, daquelas que vêm do fundo da alma e te iluminam completamente. Conrad sorri como se tivesse ganho na loteria.
— Não pode bater no meu irmão. Eu digo para ele quando consigo me acalmar.
— Posso tentar. Aproxima-se mais até pegar na minha mão que estava sobre o balcão. — Você está com uma expressão apagada há dias, tem algo de errado? Sei que não nos conhecemos, no entanto, sou bom em ouvir, ou pelo menos é o que meus amigos dizem.
Sua mão na minha se sente bem, melhor do que eu imaginei. Este homem, que é o diretor executivo desta empresa e tem milhares de coisas para fazer, desceu para falar comigo e saber o que me deixa triste. Por quê? Por acaso eu tenho algo de especial? Não importa, faz bem.
— É complexo, e o senhor é um homem ocupado. Respondo.
— Não, nada disso, me trate por você. Ele pede. — Com relação ao outro, tenho uma reunião à qual devo comparecer, mas termino às quatro. Você acha bom se formos tomar algo e você me contar?
— Eu... Sim, está bem. Aceito.
— Até a hora da saída, Margareth.
— Nos vemos.
Conrad me dá um último aperto de mão antes de se afastar em direção aos elevadores. O sorriso bobalhão no meu rosto se apaga quando o meu celular toca, desta vez é uma mensagem do papai. Não vou abri-la, apesar de o impulso ser forte, pois se o fizer, o mais provável é que eu comece a chorar aqui e isso seria inapropriado.
Retomo minhas tarefas e, aproveitando um instante de inspiração, idealizo uma nova receita de bolo de cenoura para Conrad. Comprarei os ingredientes antes de ir para casa para poder experimentá-la, se me convencer, talvez a prepare aqui para que ele. Embora fosse um segredo, algo que só ele e eu compartilharíamos.