}}}}}VIDA E A PROMESSA

1455 Words
Hope O cheiro de café recém-passado invadia o ar quando desci as escadas. O sol entrava pelas janelas altas, atravessando as cortinas brancas e dourando os móveis com aquele brilho morno da manhã. A mansão, ainda silenciosa, parecia despertar aos poucos, e o som distante de talheres sobre a porcelana me guiou até o salão de café. Anthony já estava lá. Sentado à cabeceira, o jornal aberto diante dele e a xícara fumegando ao lado. A expressão era a mesma de sempre — calma, precisa, controlada —, mas os olhos atentos denunciaram que ele percebeu minha presença antes mesmo que eu dissesse bom dia. — Bom dia, senhor Anthony — murmurei, tentando manter o tom natural. Ele apenas ergueu o olhar e respondeu com a voz firme e objetiva: — Bom dia, senhorita Hope. — Fechou o jornal com um movimento seco e gesticulou para que eu me sentasse. — Agora de manhã, você vai levar sua irmã ao hospital, não é? Assenti, ajeitando a bolsa sobre o colo. — Sim, senhor. Ela já tomou o café e está pronta. Quero acompanhar todos os exames e falar com o médico responsável. — Certo. — Ele pousou a xícara e me fitou com atenção. — Até que horas pretende ficar no hospital? — Eu não sei, senhor — respondi, sincera. — Provavelmente até o médico fazer todos os exames necessários e me dizer quando será a cirurgia. Ele inclinou-se ligeiramente para a frente, o olhar calculado. — Então que você esteja desocupada às dezesseis horas, porque às dezesseis horas temos consulta na clínica. O motorista vai buscá-la no hospital e levá-la até lá. Eu me encontrarei com você na clínica. — Sim, senhor. — Espero pontualidade, senhorita Hope. — A voz dele era quase uma ordem. — Estarei pronta, senhor Anthony. — E, por um instante, algo no olhar dele suavizou, como se estivesse prestes a dizer algo mais, mas apenas voltou à xícara, encerrando o assunto. Tomei um café rápido, agradeci a Mirtes e me despedi. Do lado de fora, o motorista já aguardava, e o carro nos levou até o hospital principal da Filadélfia — o Jefferson Memorial Hospital, conhecido por sua excelência em cirurgias oncológicas e transplantes. O prédio imponente se erguia diante de nós, todo em vidro e concreto, com o brasão azul e dourado reluzindo sob o sol. Quando entrei com Faith, senti um arrepio. O ambiente cheirava a éter, limpeza e esperança. Enfermeiras passavam de um lado para o outro com passos rápidos, pacientes aguardavam em silêncio, e um piano tocava suavemente em algum lugar do saguão. A recepcionista nos atendeu com gentileza. — Em nome de quem está o agendamento? — Faith Salazar. — Mostrei os documentos. — Ela fará os exames para cirurgia, e eu sou a doadora. A moça sorriu, compreensiva. — Já temos a ficha dela, senhorita Hope. O doutor Samuel Klein está esperando vocês no segundo andar. Subimos, e o coração parecia bater alto demais dentro do peito. Quando entramos na sala, o médico — um homem de meia-idade, olhar sereno e voz firme — nos recebeu de pé. — Senhorita Salazar, seja bem-vinda. — Cumprimentou-me com um aperto de mão. — E esta é sua irmã? — Sim, doutor. — Respondi. — Ela está um pouco fraca, mas animada. Ele sorriu para Faith e a conduziu até a maca. — Vamos examiná-la com calma. Trouxeram os exames anteriores? — Sim. Estão aqui. — Entreguei a pasta com todos os laudos e relatórios dos últimos meses. O médico folheou tudo com atenção, balançando a cabeça de tempos em tempos. — Os resultados mostram comprometimento avançado, mas nada que inviabilize a cirurgia. — Ele ergueu o olhar. — No entanto, precisaremos refazer todos os exames aqui. Temos protocolos específicos e precisamos garantir segurança absoluta. Assenti, sentindo o alívio apertar o peito. — O senhor fará os exames hoje mesmo? — Sim. — Ele olhou para mim. — E a senhora será a doadora, certo? — Sim, doutor. — Confirmei, respirando fundo. — Estou pronta para o que for necessário. — Então precisaremos colher o seu sangue também e realizar os testes de compatibilidade imediata. Concordei. — Eu também tenho que fazer um tratamento de fertilização — expliquei, um pouco envergonhada. — Preciso saber quanto tempo posso levar para me recuperar após a coleta da medula. O doutor Klein me olhou com empatia. — Entendo. Após a coleta, o corpo leva de sete a dez dias para se restabelecer completamente, mas em cinco dias já estará apta para procedimentos leves. Recomendo que avise a clínica para que o calendário deles seja ajustado. Anotei mentalmente tudo o que ele dizia, enquanto observava Faith sendo levada para fazer os exames. O som dos aparelhos, o vai e vem dos enfermeiros, tudo parecia ecoar dentro de mim como um lembrete de que não havia tempo a perder. Horas se passaram. Quando o médico retornou com os primeiros resultados, trazia o semblante sério, mas não alarmante. — Ela está muito debilitada — explicou. — O corpo precisa ser fortalecido antes da cirurgia. Vamos interná-la hoje mesmo. Ela ficará sob medicação intravenosa e começará um protocolo de fortalecimento. Se tudo correr bem, em uma semana, talvez quinze dias, poderemos operar. — Então ela fica internada hoje? — perguntei, tentando conter a emoção. — Sim, é o melhor a fazer. Aqui ela estará segura e monitorada o tempo todo. Olhei para Faith, que já estava deitada, ligada ao soro, os olhos pesados, mas o sorriso presente. — Vai dar tudo certo — disse, segurando a mão dela. — Eu volto amanhã cedo. — Você vai dormir aqui comigo? — perguntou com voz fraca. — Se o hospital permitir, eu volto mais tarde — prometi, ajeitando-lhe os lençóis. — E se não voltar, venho ao amanhecer. Ela assentiu, e seus olhos se fecharam devagar. Beijei-lhe a testa, engolindo o nó na garganta, e me despedi do doutor Klein. — Obrigada por tudo, doutor. — Agradeça a Deus, minha filha — disse ele com um sorriso brando. — A medicina só faz a parte dela. O resto é fé. Olhei o relógio — eram quinze e trinta. Peguei minhas coisas e saí em direção à entrada. O motorista já me aguardava. No caminho, olhei pela janela o céu que começava a mudar de cor — tons de dourado se misturando ao azul pálido do entardecer — e senti que aquele dia estava apenas começando, ainda que já parecesse uma vida inteira. Chegando à clínica, Anthony já estava na sala de espera. Terno impecável, expressão séria, ele se levantou assim que me viu. — Pensei que se atrasaria — disse, sem ironia, mas com aquele tom habitual de constatação. — O médico reteve um pouco mais, senhor Anthony. Faith ficará internada. Está muito debilitada e precisa de reforço antes da cirurgia. — Tirei os documentos da bolsa e entreguei. — Estes são os relatórios e o tempo de recuperação que o doutor me informou. Ele disse que, após a coleta da medula, eu levarei de cinco a dez dias para me restabelecer. Anthony analisou os papéis em silêncio, depois ergueu o olhar para mim. — Cinco a dez dias — repetiu, pensativo. — Isso é um tempo razoável. A clínica já está preparada para iniciar os protocolos de fertilização. Vamos ajustar o calendário para que sua recuperação ocorra antes do procedimento principal. Assenti, ainda um pouco tensa. — Sim, senhor. — E quanto à sua irmã, ela ficará bem cuidada? — perguntou, com o tom mais brando do que eu esperava. — Ficará. O doutor Klein é o melhor da cidade. E o hospital parece um lar — respondi, tentando sorrir. Ele assentiu devagar, como quem avalia mais do que ouve. — Muito bem. Vamos prosseguir, então. Seguimos pelos corredores da clínica até a sala de exames. O ambiente era frio e branco, com o som suave de aparelhos e o aroma leve de antisséptico. A enfermeira me recebeu com um sorriso profissional, e enquanto ela me preparava, percebi Anthony à distância, observando tudo com atenção. Havia algo diferente em seu olhar — não era apenas o olhar de um homem cumprindo um contrato, mas o de alguém que começava a enxergar o peso real das decisões que toma. Quando o exame terminou, ele se aproximou e perguntou em tom baixo: — Está bem? — Sim — respondi, ainda deitada. — Só um pouco tonta. — Isso é normal — disse ele, desviando o olhar por um instante. — Vamos terminar rápido. E foi só naquele momento, enquanto o som dos passos dele ecoava pela sala, que percebi que, talvez, o que ele mais temia não era o fracasso nem o escândalo — era sentir.
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