####DECISÃO

898 Words
— Quando desci as escadas, já estava vestido e pronto para ir à empresa. —Encontrei Hope na sala de jantar, organizando a mesa com a serenidade de sempre, enquanto meu avô tomava café, sorrindo para algo que ela acabara de dizer. — O contraste entre aquela paz e o torvelinho dentro de mim me atingiu como um choque. —Ao me ver, Hope ergueu os olhos. — Senhor Anthony, preciso avisar algo. — Diga. — Respondi, puxando a cadeira ao lado do meu avô e tentando desviar o olhar dela. — No entanto, havia algo diferente; uma firmeza e determinação que despertaram um incômodo que eu não sabia explicar. — Hope colocou a jarra de suco sobre a mesa e respirou fundo. — Eu preciso comunicar algo ao senhor… e ao senhor Vitale também. — Meu avô pousou a xícara de café. — Pode falar, minha filha. — Com um gesto elegante, mas tenso, Hope uniu as mãos e anunciou: — Hoje, ao final da tarde, eu vou me internar. — A equipe médica avaliou minha irmã e confirmou que ela está estável o suficiente para o transplante, que será iniciado amanhã cedo. — Eu ficarei no hospital por setenta e duas horas. — Engolindo em seco, acrescentou: — Queria avisar que, nesses três dias, não estarei disponível para auxiliar o senhor. — Meu avô assentiu, visivelmente emocionado, mas fui eu quem rompeu o silêncio: — Você vai precisar de alguma coisa, suporte? — A resposta dela foi negativa: — Não, senhor. — Está tudo organizado. — Apenas achei correto comunicar, porque estarei ausente. — Ela respirou lentamente antes de continuar: — Também queria avisar ao senhor Vitale, para que não estranhe minha ausência. — Não quero que ele se preocupe, o sorriso de meu avô foi tocado pela consideração dela. — Sentirei sua falta nesses dias, filha. — Mas vá tranquila, — sua irmã precisa de você, e Deus não abandona corações que fazem o bem. — Hope sorriu, embora seu sorriso não alcançasse os olhos, enquanto eu sentia o desconforto se instalar novamente em meu peito, como se algo estivesse fora de lugar. Ela continuou: — Depois da doação, em quinze dias estarei liberada para realizar a inseminação — disse com a voz suave e objetiva. — Assim, tudo seguirá conforme o contrato. Assenti, tentando manter um ar profissional. — À noite, passarei no hospital para vê-la e visitar sua irmã — afirmei, como se estivesse apenas cumprindo meu papel. No entanto, ela levantou a mão em um gesto educado, mas firme. — Não é necessário, senhor Anthony. A equipe médica manterá tudo sob controle. — Eu não quero que o senhor mude sua rotina por minha causa. — Queria apenas informar sobre a minha ausência. Essa frase caiu entre nós como um corte fino. “Não é necessário.” Era sempre assim: ela nunca pedia nada, não exigia nada, e isso inexplicavelmente me incomodava. Assenti em silêncio; o que mais poderia acrescentar? Nossa relação se resumia a acordos, prazos e obrigações. — Um contrato frio sustentado por necessidades desesperadas. Apesar disso, algo em mim se contraiu, um sentimento de que a conexão entre nós, embora existisse pelo fio tênue de um acordo, era insuficiente e decepcionante. — À noite, eu passarei no hospital para visitá-las — disse, tentando soar prático e responsável. Ela ergueu uma das mãos em recusa, respeitosa, mas firme. — Como se nada dependesse de mim além do contrato. — Como se eu não fosse sequer uma presença relevante. Meu avô me lançou um olhar de soslaio, e em um segundo, senti uma desconfortável avaliação, quase como se ele estivesse ciente do que estava se desenrolando na minha mente confusa. Era um momento em que me via dividido entre os sentimentos de dever e a vontade de me importar. — Hope recolheu as xícaras vazias, inclinou a cabeça em respeito e acrescentou: — Assim que eu retornar, retomo minhas obrigações na casa. — Agradeço por tudo que o senhor fez pela minha irmã. —Após isso, ela se afastou, caminhando para a cozinha com a postura discreta e impecável que sempre teve. — Fiquei ali, sem compreender por que aquelas palavras ecoavam dentro de mim. “Pode continuar a sua vida.” —Contudo, pela primeira vez, continuar a minha vida não parecia tão simples. — Uma parte de mim desejava protestar, expressar como a ausência dela me afetaria de maneira inesperada. — Mas as palavras ficaram engasgadas na garganta, como se a força da minha hesitação fosse sufocante, desafiando a lógica que me dizia para ficar alheio. — Neste turbilhão de emoções, uma pergunta emergiu, como uma sombra nas franjas da minha mente:— será que, no fundo, eu realmente queria que ela precisasse de mim? — Que houvesse uma forma de nos conectarmos além de contratos e obrigações? — Enquanto ela se afastava, uma sensação de perda se instalou em meu peito, como se eu estivesse perdendo mais que uma simples funcionária. —Era como se a possibilidade de um outro tipo de relação estivesse se esvaindo entre meus dedos, e não consegui evitar a dor que isso me causava. —Era uma perda silenciosa, mas profundamente impactante, e a cada passo que ela dava para longe de mim, a realidade daquela conexão limitada se tornava mais dolorosa e a saudade antecipada começava a se encapsular no meu coração.
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