O AMANHECER
Anthony
O relógio marcava uma hora da manhã quando estacionei o carro diante da mansão.
As luzes da fachada estavam apagadas, exceto pelas lanternas do jardim, que lançavam sombras alongadas sobre a pedra clara da entrada.
O ar da madrugada era frio, e por um momento fiquei dentro do carro, com o motor desligado, observando a casa silenciosa.
Era estranho como um lugar tão grande podia parecer tão vazio.
Subi as escadas sem fazer ruído. O velho já devia estar dormindo havia horas, e eu não queria que ouvisse o som do portão.
Atravessar aquele corredor sempre me causava uma sensação de deslocamento — como se eu invadisse o passado.
Ali, as lembranças ainda tinham cheiro: o perfume da minha avó, a madeira encerada, o toque de música clássica que ela colocava nas manhãs de domingo.
No quarto, tirei o paletó, deixei o celular sobre a mesa e caminhei até o banheiro.
O espelho me devolveu um rosto cansado, mas ainda firme.
Joguei água fria no rosto, tentando apagar qualquer traço da noite anterior. Isabella tinha ido embora deixando para trás o mesmo vazio de sempre.
E pela primeira vez, aquele vazio pareceu mais incômodo do que libertador.
O banho foi rápido.
A água quente caiu sobre mim como se quisesse arrancar a culpa que eu fingia não ter.
Quando voltei para o quarto, vesti o roupão, deitei e fechei os olhos.
O silêncio da casa era quase absoluto, e adormeci com a sensação amarga de que algo em mim começava a se partir.
A manhã chegou sem pedir licença, o sol atravessava as cortinas com insistência, e o canto dos pássaros no jardim me fez abrir os olhos.
O relógio marcava oito e meia. Levantei-me devagar, ainda com o corpo pesado, e fui direto ao banheiro.
O espelho agora mostrava um homem que tentava parecer inteiro.
Desci as escadas e o aroma do café fresco me guiou até o salão principal.
A mesa estava posta, e o som leve de vozes veio do jardim interno. Ao me aproximar, reconheci o riso suave do meu avô — um riso que não ouvia havia muito tempo — e a voz calma de Hope.
Ela estava ali, ao lado dele, servindo o café da manhã com a delicadeza de quem faz do cuidado uma oração.
O velho Rorô sorria enquanto ela cortava as frutas e ajeitava o guardanapo em seu colo, como se aquele gesto simples devolvesse à casa a vida que há anos se perdera.
Fiquei parado à porta, observando.
O contraste entre o que eu era e o que via diante de mim me atravessou como uma lâmina. Na noite anterior, eu busquei prazer.
Agora, diante daquela mulher e daquele homem, via amor — em sua forma mais simples, mais humana, mais silenciosa.
E pela primeira vez em muito tempo, senti vergonha.
Ela percebeu minha presença e se levantou imediatamente.
— Bom dia, senhor Anthony.
O tom era respeitoso, mas o sorriso era leve.
— Bom dia — respondi, tentando disfarçar a voz rouca. — Como está sua irmã?
— Está reagindo bem, graças a Deus.
Os médicos dizem que o corpo dela está respondendo ao tratamento inicial.
A cirurgia deve acontecer em poucos dias.
Assenti, cruzando os braços.
— Fico feliz por saber.
Meu avô, animado como um garoto, interveio:
— E eu, meu filho, estou me sentindo um rapaz de quinze anos com os cuidados dessa enfermeira particular.
Ele riu alto, e Hope também.
A cena era tão leve que eu mesmo não consegui conter um sorriso discreto.
— Vejo que o senhor está em ótimas mãos — comentei.
— Melhores impossível — respondeu o velho, piscando-me com cumplicidade.
— Você devia aprender com ela, Anthony. Essa moça tem um dom.
— Eu aprendo apenas observando, avô — respondi, com honestidade.
Aproximei-me, inclinei-me e beijei a testa do velho.
— Só vim me despedir. Preciso ir para a empresa.
Hope ajeitou a xícara sobre a bandeja e disse com serenidade:
— Sua irmã vai ficar sob observação o dia todo, senhor Anthony.
Os medicamentos a deixarão sonolenta, então eu volto para o hospital apenas à noite.
— Entendo — murmurei. — Então hoje você descansa um pouco.
Ela assentiu, e por um breve instante nossos olhares se cruzaram.
Havia algo naquele olhar — uma espécie de compaixão silenciosa que me desarmava.
— Tenha um bom dia — ela disse. — Bom trabalho, senhor Anthony.
Sorri de leve, mas não respondi. Caminhei até o corredor e, antes de sair, olhei uma última vez para a cena: meu avô sorrindo como há muito tempo não sorria e Hope ao lado dele, simples, serena, quase luminosa.
E foi impossível não pensar no contraste.
Enquanto ela alimentava a fé e o afeto com gestos pequenos, eu passava as noites alimentando vazios.
No caminho até o carro, senti um incômodo que não consegui explicar.
Talvez fosse apenas culpa. Ou talvez o início de algo que eu ainda não sabia nomear.
O motor do carro ronronou, e a mansão ficou para trás, banhada pela luz do sol.
Mas, pela primeira vez em muitos anos, eu me perguntei se o poder que conquistei valia o preço de um coração em paz.