2 CAPÍTULO – Fases

2803 Words
Pov Lorena Semanas depois Costumam dizer que o luto possui cinco fases, e que essas são: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Bom, desde o dia que fui abandonada no altar do padre fofoqueiro, era exatamente assim que eu me sentia... Uma viúva em luto. Estava vivendo as fases do luto, eu era viúva de mim mesma, pois sentia que parte de me havia morrido naquele maldito altar (que Deus me perdoe). Eu não era mais a Lorena que sonhava com um casamento digno de contos de fadas, aliás, se eu encontrasse com a Cinderela, seria capaz de pegar aquele maldito sapato de cristal e jogava na cabeça dela, quem sabe assim ela percebesse que príncipe encantado não existe, ratos falantes também não, tão pouco fadas, e que carruagem de abóbora seria algo nojento, afinal, o vestido dela deveria ter ficado laranja, não deveria? Quer saber? A Disney é uma farsa! Minha infância foi vivida baseada em mentiras, o que é irônico na verdade, se fosse levar em consideração que minha fase adulta não estava tão diferente, já que tudo não passou de uma grande farsa. Minha vida inteira era uma completa mentira. Não sei exatamente em que fase do luto eu estava vivendo nos últimos dias. Negação ou raiva? Por via das dúvidas decidi ficar com as duas. Eu me questionava como Humberto pôde ter feito isso comigo. Por que justamente comigo? Ele melhor do que qualquer outra pessoa conhecia todos os meus medos, assim como meus anseios. No mesmo instante em que minha autoconsciência buscava negar que estava vivendo aquele pesadelo, eu queria matar aquele desgraçado com a mesma facilidade em que esmagava a cenoura que estava cortando naquele momento para fazer uma salada. Sim, ultimamente eu buscava sempre estar esmagando algo, isso servia como uma terapia, e devo dizer que funcionava bastante, pelo menos quando eu não estava chorando debaixo do edredom. – Sabia que eu não consigo mais comer uma cenoura sem sentir nojo desde o dia que você contou o que imagina quando está fazendo isso? Meu irmão falou enquanto pegava um copo de água, mas eu apenas dei de ombros. – A Vero acabou de chegar. – Ele empolgou-se. – Se enxerga Mário, a Vero é areia demais para o seu caminhãozinho. Além disso, ela jamais olhará para você assim. Vocês são muito diferentes. Mário me olhou com espanto, talvez pela minha falta de delicadeza em jogar a verdade em sua cara sem a menor sensação de pesar. Acho que a realidade nua e crua a qual eu estava vivendo tem feito com que me torne alguém sem coração, mas realmente não era isso que eu era? Meu coração foi quebrado, ou melhor, esmagado. – Não tem problema, eu faço duas viagens com tranquilidade. – Ele piscou e saiu da cozinha com aquela cara deslavada que ele tinha. – Aliás, você precisava voltar a ter educação sabia? Você apenas ficou livre de um encosto, não foi jogada do penhasco. Mário tinha voltado a aparecer somente com o rosto na porta da cozinha. Joguei o resto da cenoura, mas o peste do garoto tinha reflexo. Ouvi apenas seus passos correndo para longe dali sem ao menor ter sido atingindo. Poxa, será que é tão difícil entenderem meu lado dramático? Não demorou muito para Verônica entrar na cozinha. Ao contrário das outras vezes tinha ido me visitar sua expressão não parecia nem um pouco de alguém satisfeita em estar ali. Eu estava começando a achar que nem as pessoas que eu amava estavam me suportando nos últimos dias, mas isso não me incomodava, para ser bem sincera nem eu me aguentava mais. – Eu não posso acreditar que você está de novo esmagando uma cenoura imaginando ser o p***o daquele seu maldito noivo. – Dá licença que eu estou vivendo as fases do meu luto da forma mais inteligente que consegui achar. – E desde quando esmagar as coisas pensando ser o p***o do ex noivo é uma forma inteligente de encarar os problemas? – Verônica ergueu a sobrancelha. – Droga Lorena, eu estou começando a ficar preocupada com essas suas terapias pós-abandono. – É tudo culpa minha né, Verônica? – Me sentei no chão abraçando meu próprio joelho. – Você sabe que sempre fui uma mulher sem vaidade e nos últimos tempos vinha me cuidando menos ainda, o tempo não permitia sabe? Não sou nem um pouco divertida, na verdade não acho que seja atraente em nada para ter a atenção de um homem como Humberto. – É sempre assim né? Nós mulheres, quando humilhadas e quebradas da forma como eu fui, temos uma tendência insuportável de colocar em nossas costas o fardo que não nos pertence. A culpa que não nos cabe. – Eu já posso ver o meu futuro... Vou ficar velhinha jogando dama na praça ou alimentando os pombos. Depois voltarei para casa todo fim de tarde com minha única companheira, minha querida bengala a quem carinhosamente darei o nome de Penélope, juntas passaremos a noite vendo novelas mexicanas, enquanto como minhas bananas com pasta de amendoim, e no final da noite irei guardar minha “chapa dentaria” e deitar sentindo o frio maltratar minha pele enrugada. Verônica me olhava chocada. Mas gente, qual é? Que noiva abandonada no altar conseguiria pensar em outro final de vida que não fosse parecido com aquele? A dor e a vergonha esmagavam meu coração, naquele momento nada mais parecia ter cor, para todos os cantos que eu olhava tudo estava cinza, sem vida, sem alegria, sem amor, sem perspectiva. Sempre fui muito alegre, mas Humberto tirou de mim muitas coisas, mas entre todas elas a principal foi a capacidade de acreditar em mim mesma. – Lo, olha para mim. – Verônica segurou meu queixo com delicadeza me forçando a olhar em seus olhos. – Você não tem culpa daquele i*****l ter sido tão covarde e fazer o que fez. Não existe motivo nenhum para você se envergonhar disso, amiga. O crápula aqui foi ele. Você é uma pessoa incrível e eu tenho certeza que se não rolou com ele é porque não era a pessoa certa. Ao ouvir aquelas palavras me permiti fazer aquilo que a todo segundo vinha tentando evitar, me joguei nos braços da minha amiga e chorei todas as lágrimas que amargavam minha alma. – Eu tive todos os sinais da desgraça que seria dizer sim, mas preferi ignorar, aliás, sempre ignorei que eu e Humberto não éramos para ser. – Isso mesmo, amiga. Coloca tudo para fora de uma só vez. Chora tudo o que tem para chorar, grita toda essa dor que te machuca. – Ela disse acariciando meus cabelos. – Se permita sentir essa dor agora, mas amanhã quero você pronta para recomeçar. – Eu não sei como recomeçar, Vero. Tudo ao meu redor lembra os anos que perdi me dedicando àquele homem, à nossa relação. Eu virei chacota na cidade inteira. – Recomeçar inclui você passar um tempo longe daqui, amiga. Dias depois – Já chega! Você vai levantar dessa cama agora, nem que para isso eu mesma tenha que te jogar água na cara. Minha mãe não costumava ser grossa com os filhos, na verdade eu e Mário éramos dois filhos da mãe sortudos, pois sempre tivemos muito carinho e amor dos nossos pais, que eram sempre nossos melhores amigos. As broncas que recebíamos sempre vieram por meio de longas conversas, e quando brigávamos minha mãe fazia questão de que eu e Mário nos mantivéssemos abraçados por no mínimo uma hora, enquanto fazíamos lindas declarações de amor um para o outro. Claro que nós achávamos aquilo horroroso, mas quem seria doido de discutir com dona Laura? Pobre mamãe, m*l sabe ela, que quando dava as costas voltávamos a nos matar e jogar todos os podres mais cabeludos um na cara do outro. Desde que meu casamento tornou-se um verdadeiro filme de luta livre, meus pais acharam melhor que eu não ficasse em meu apartamento sozinha. Eles argumentaram que a tristeza daquele momento deveria ser superada através do amor fraternal, mas a verdade é que eu não duvido que eles tivessem medo que eu me jogasse da janela, afinal, meus pais costumavam ser assustadoramente exagerados, e eu assustadoramente dramática. – Credo, que humor é esse mulher? – Coloquei o travesseiro cobrindo meu rosto contra os raios do sol que entravam pela janela recém-aberta. – Mamãe, a senhora poderia me dar um desconto? Hoje é sábado! – Lorena Duarte, levanta essa b***a branca dessa cama e vai tomar um banho, ou juro que não respondo por mim. – Apesar de amorosa existia uma verdade sobre minha mãe que todo ser humano no mínimo inteligente deveria saber: Ela estressada era igual cão raivoso. – Eu não criei filha minha para se entregar a uma tristeza sem fim, tão pouco para viver chorando por um homem escroto. Lorena, olha só para você, está acabada minha filha! Alguém avisa para ela que cachorro morto não se chuta, por favor? – O que vocês esperam que eu faça hein? – Minha irritação era mais por não conseguir continuar dormindo do que por ela me jogar na cara meu estado deplorável. – Eu não sei se você se recorda, mas eu fui abandonada no altar pelo i****a com quem perdi anos da minha vida. Todos da cidade estão falando sobre isso, e eu não estou a fim de sair por ai para ser apontada como a noiva chifruda. A vergonha do que tinha acontecido há dias era um dos sentimentos que mais prevalecia naquilo que restou do meu coração. – Você não tem que dar ouvidos ao que os outros dizem, Lorena. – Minha mãe sentou-se de frente para mim. – Nenhum deles viveu suas dores, nem desfrutaram de tudo que conquistou até aqui. Você tem que dar valor somente para seu coração, buscar superar tudo isso que viveu e tentar aprender com isso. Filha... – Minha mãe segurou minha mão, seu tom de voz já não era bravo. – Tudo o que acontece em nossas vidas precisamos tirar algo de positivo. Aprender com os erros e sofrimento faz parte do viver. Não era para ser ele Lorena, e que bom que isso aconteceu antes de casarem. Você não perdeu nada, apenas se livrou. – Eu queria ser forte, mamãe. – Disse com tristeza. – Mas não sou, e não sei como superar essa dor que me tira o fôlego. – Mas eu sei... – A certeza em suas palavras me assustou. Nada contra minha mãe, mas ela não era exatamente o tipo de ser humano que pensava sem provocar muitos perigos. – Chegou o momento de você criar asas e voar. Ir em busca dos seus sonhos e se reinventar. – O que quer dizer com isso? – Você vai aceitar o convite da Verônica. Fiquei chocada com aquela afirmação. Não bastava eu ter sido abandonada no altar, agora estava sendo educadamente expulsa da casa dos meus pais? Oh my God! Bom, o caso é que minha amiga tinha me feito uma proposta de ir passar um tempo em Belo Horizonte com ela para finalmente realizar meu sonho. Verônica sabia que desde pequena eu queria ser dona de uma clinica veterinária, sempre amei animais e o interior infelizmente nunca me deu muitas chances de crescimento profissional. Será que essa era a melhor saída? Fugir me traria a paz? Dias depois Depois de alguns dias pensando a respeito da proposta recebida por Verônica, com o apoio da minha família cheguei à conclusão que precisava sim de novos desafios. Depois do desastre emocional que minha vida ficou eu sentia que estava chegando à terceira fase do luto, ou seja, buscava negociar com o destino, tentar encontrar meios onde ele trouxesse minha vida calma de volta, meus sonhos, minha alegria, minha vontade de viver. Foi acreditando nisso que agora eu estava ao lado de Verônica dentro de um maldito avião segurando suas mãos com tanta força que eu aposto que ela chegaria em Belo Horizonte precisando de uma plástica reconstrutora de mão, não que eu fosse uma louca qualquer, mas eu tinha pânico de altura, voar então... Alguém deveria dizer para o ser humano que precisa existir limites na hora de desenvolver novas invenções, eu particularmente acho que já ultrapassamos todos os limites até aqui. – Lorena, você já pode soltar minha mão, nós já estamos voando. Nossa senhora das desajuizadas, chega aqui e explica para ela que o problema é justamente esse, nós estávamos voando. – Vero, meu amor, não sei se percebeu mas se existe algo muito errado é justamente o fato de humanos estarem no céu como lindos passarinhos. – Minha voz saiu em um sussurro deixando claro o pavor que estava sentindo. – Aliás, acho bom que deixe de reclamar por eu estar apertando sua mão como se fosse faltar um osso. De acordo com meus conhecimentos se esse negócio despencar não sobrará osso nenhum para contar história. Ok, eu não costumava ser lá muito animadora, acho que esse foi um dos motivos que me levou a ser rejeitada como líder de torcida por três anos consecutivos, depois disso descobri que meu talento era organizar livros por ordem alfabética na biblioteca. – Pelo amor de Deus, Lorena. Fica quietinha e não abre a boca até chegarmos em casa tá? Ficamos em silêncio por alguns instantes, mas eu já disse que tenho a necessidade de falar quando estou nervosa? Pois é, eu tenho. – Vero... – Chamei! – Hum. – Ela resmungou ainda de olhos fechados. – Eu estava pensando... – Verônica me assustou quando quase pulou da poltrona. – Preciso me preocupar agora? Minha amiga disse me avaliando. Anotei mentalmente que deveria analisar o fato de ninguém me dar moral nessa vida de meu Deus. – Hahaha que engraçada... – Verônica abafou o sorriso. – Eu só queria dizer que estava pensando sobre isso de morar com você e suas amigas. Sabe, quatro mulheres juntas durante tpm não me parece um caminho muito confiável para uma boa convivência, quero dizer, fico nos imaginando como naquelas explosões no filme das panteras. Verônica soltou uma gargalhada que eu particularmente não entendi muito bem o motivo, mas fiquei constrangida quando todos ao nosso redor olharam em nossa direção como se estivessem diante dos próprios Debi e Loide a bordo. – Lorena, você precisa realmente ser reinventada. – Verônica disse entre lágrimas e sorriso, mas percebendo meu bico ela tratou de conter o deboche. – Amiga, não se preocupa, ok? Você e as meninas vão se dar super bem, e no dia que não estiver mais sentindo-se bem morando conosco, podemos procurar um apartamento só para você. Verônica desde que chegou em Belo Horizonte dividia apartamento com duas amigas. Lembro que no início não gostei nadinha de saber da noticia, eu tinha um verdadeiro ciúme da minha morena, mas óbvio que isso era algo que eu jamais assumiria para ela, caso contrário eu seria obrigada a vê-la se achando a última coca cola do deserto sendo disputada por um sheik árabe. Me recuso! – Além disso... – Ela voltou a falar. – Foi a Cat que deu a ideia de você morar conosco quando contei que estava demorando a voltar por precisar cuidar da noiva em apuros. – What? – Pelo olhar de reprovação da aeromoça que ia passando próximo de nós acho que gritei alto demais. – Eu não acredito que já vou chegar fichada. Todos vão me olhar com pena e pensar: Olha lá a noiva do Chuck! Por mais que parte de me tentasse esconder o quanto meu coração estava quebrado, a ideia de ser olhada com pena pelo meu trágico histórico matrimonial, era um dos meus maiores fantasmas. – Ei, não fica triste assim. – Verônica me fez um carinho confortável. Para mim aquela mulher era como uma irmã que nunca tive. – Claro que não contei tudo com detalhes, essa é uma história que não pertence a mim, Lo. Quem tem que contar ou não é você, amiga. – Como elas são? – Tentei mudar de assunto evitando chorar mais uma vez em seus braços. – Bom, a Samantha é tranquila. Dona de uma vibe paz e amor. Você vai gostar dela, tenho certeza. A Sam é farmacêutica e normalmente passa o dia sendo escravizada naquele laboratório. – Entendi! E a outra? – Catarina é... Como posso dizer? – Quando a Vero pensava antes de falar não era um bom sinal. – Acho que é melhor descobrir por conta própria. A única coisa que eu digo é: Não pegue nas coisas dela sem avisar, ela fica uma verdadeira fera. Ok, aquele não era um bom sinal, pela primeira vez Verônica conseguiu me silenciar mesmo estando nas alturas. Fiquei me questionando que tipo de problema eu iria encontrar com a tal mandona do pedaço.
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