|BREEZE WILLS|
- AGORA -
Como achei que seria? Não é como se eu tivesse simplesmente voltado ao lugar onde cresci e, deveria ressaltar que estava alcoolizada. Nem procurei Seth a fundo pelas ruas da cidade, mas é como se ele estivesse à minha espera.
Como foi que acatei a decisão de James quando ele me mandou para Willou Glen High School, sem ao menos tentar barganhar um lugar que fosse mais longe daqui?
Eu deveria ter escondido meu histórico escolar ou riscado o nome do colégio onde estudei, assim teria saído da reta dele.
Sabia que uma hora ou outra, ser a melhor Psicóloga Criminal da Divisão de Homicídios do Departamento Federal de Investigação (FBI), seria um grande problema para mim. Só não entendo porque me deram um caso tão pequeno, quando qualquer um poderia assumir sem a minha ajuda.
Sempre estive envolvida em casos grandes. Meu nome sempre esteve nas entrelinhas de casos que até eu duvido ter sido eu a resolver.
— Acho que você precisa de um descanso, Bree. — Foi assim que começou a reunião com James na salinha abafada de casos arquivados.
— Por que eu precisaria de um descanso agora, quando minhas férias estão agendadas para o mês que vem? — Retruquei e vi James colocar as mãos na cintura, espremer os lábios, olhar ao redor, respirar fundo e em seguida dizer encarando o chão:
— Willou Glen é pequena, mas a garota que morreu, vem de uma família muito influente, a polícia deu como suicídio, mas o pai dela, o Prefeito da cidade, não aceitou e nos acionou. Os pais querem respostas, as notícias estão correndo.
— Então eu vou ser a única Federal na cidade? Você não vai mandar uma equipe?
— Não, Bree. Porque não é um caso para nós, é só para o Prefeito ver que realmente a filhinha se matou e não temos nada a fazer. O nosso chefe acredita que se mandarmos nossa melhor Psicóloga Criminal para a Willou Glen High School, seu veredito para ele seja mais convincente. A polícia de Willou Glen ganha, o Prefeito ganha sua resposta, a Willou Glen High School sai dos holofotes, o diretor fica feliz, eu fico feliz e você também, com mais um caso na sua lista de mérito.
— Eu não posso voltar para Willou Glen — disparei.
— Um mês. Trinta dias e não se fala mais nisso — ele encerrou o assunto, como se tivesse batido o martelo.
Um completo filho da p**a.
— Aproveite para visitar a família. Eu soube que você não aparece por lá há treze anos.
Revirei os olhos abrindo a pasta do caso, onde a foto do colégio estava fixa no alto da folha com um clip.
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Não sou hipócrita. Sabia que precisaria encarar os fantasmas do meu passado. Só acreditei que teria tempo para me preparar e não dar de cara com tudo o que deixei para trás em menos de vinte e quatro horas nesta cidade.
Preciso achar Seth, falar para ele que não quero nada, que ele pode ficar em paz quanto à minha presença.
Só queria que tudo o que eu decidisse bêbada realmente acontecesse, porque há uma hora dessas, eu estaria longe daqui. Já que, quando estou sóbria, não passo de alguém insegura, com medo e completamente quebrada.
Existe uma linha tênue entre a Breeze sóbria e a Breeze que faz o que precisa ser feito quando está bêbada, e no momento, não posso deixar a Breeze embriagada assumir o controle. Só que, no momento, só quero me encolher num canto e chorar por todo m*l que causei a quem deveria ter segurado com todas as forças.
É mais fácil trabalhar arduamente em qualquer caso a precisar pensar na minha vida e nos meus problemas, que foram deixados para trás. Clichê e modesta, falam quando me ouvem dizer isso.
Não existe outra verdade. Posso ser alguém competente no trabalho e estar no auge da minha carreira, porém, dentro de mim, nada nunca esteve no lugar. Desenvolvi problemas de dependência com a bebida, não sei colocar um limite quando começo a beber e temo nunca conseguir parar meu vício de comprar livros dos quais nunca terei tempo de ler.
Moro em um apartamento de 28 m² que, com o passar dos anos, se tornou uma mistura de pilhas de livros ainda em caixas de entrega da sss, garrafas de vinho em cada canto onde eu puder me sentar, maços de cigarros, cinzeiros cheios e pastas do departamento de investigação, espalhadas pela mesinha de centro da sala, onde costumo trabalhar horas extras assistindo Friends.
Quando não estou vivendo nessa pequena bolha que criei, estou no escritório, ou vou ao grupo de apoio aos sábados. Lá, fico por duas horas ouvindo depoimentos de quem está limpo do consumo do álcool há um, dois, três dias ou até semanas.
Gosto de vê-los conquistar novamente suas vidas, sinto satisfação ao ver alguém dizer que já está há mais de dois dias sem tomar uma gota, para mim é fácil fazer isso. Posso ficar dias sem tomar um único gole, mas meu declínio, é dez vezes pior quando tenho recaídas, em momentos de crise de ansiedade, me odiando, sentindo-me culpada, pressionada no trabalho, oscilando entre viver ou morrer.
Falo que estou limpa, porque não sei onde estava com a cabeça quando me cadastrei neste grupo de apoio. Se eu desistir de ir, eles procuram minha família, e se descobrem que moro longe dos meus pais, podem sugerir que eu seja internada em uma clínica de reabilitação, já que vivo sozinha e sem monitoramento. Se essa ideia chegar até meus pais, obviamente eles concordariam na mesma hora, já que, nenhum dos dois dá a mínima para mim.
E eles podem fazer isso pelo simples fato de eu ter assinado um termo.
Um termo que dá autorização para qualquer um me internar se eu perder o controle da minha vida, quando, na verdade, isso acontece constantemente sem que eles saibam.
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O bip do despertador essa manhã não me incomodou, porque vi o sol nascer e por conta disso, assim que me levanto, minha cabeça lateja por não ter descansado como deveria. Sentindo os efeitos colaterais da noite passada, mais conhecida como ressaca, desejo que tudo tenha sido um sonho, mas ainda consigo sentir as mãos pesadas de Seth sobre minha pele, me prensando sobre a lateral do carro.
Solto um suspiro prendendo meus cabelos castanhos num r**o de cavalo de frente para o espelho.
Minha cabeça está latejando e vou ter um péssimo dia por isso. Um péssimo primeiro dia, onde tenho muito trabalho a fazer.
Estou exausta, não só pela viagem que fiz no dia anterior, mas pelo que aconteceu. As palavras de Seth estão esperando apenas uma brecha para voltarem a ecoar na minha cabeça.
“O que você está fazendo aqui? Era para você estar morta!”
É óbvio que nem passava pela cabeça dele me encontrar novamente.
Visto meu jeans preto ignorando esses pensamentos, calço o par de botas, pego meu casaco bege de botões grandes, encaro o espelho, abro o pequeno estojo com as lentes de contato de grau e coloco óculos escuros, até que essas olheiras melhorem durante o percurso até o colégio.
As malas estão praticamente intactas desde que cheguei. E por mais que eu tenha trazido pouca coisa, não quero guardar nada no guarda-roupa, nem colocar os poucos livros que trouxe nas prateleiras que Joseph instalou para mim.
Nem sei como foi que aceitei a ideia de vir para cá.
Assim que meu pai ficou sabendo que eu iria trabalhar um tempo no colégio de Willou Glen, não tinha o porquê alugar um quarto de hotel. Querendo ou não, todos conheciam a filha que fugiu de casa e que agora estava retornando após treze anos. Eu já tinha muita ponta solta para tentar não tropeçar em cima, e o que menos precisava era entrar em conflito Joseph Wills.
Quando cheguei ao aeroporto e Joseph estava lá, me rendi sem lutar.
Foi difícil manter contato com ele depois que fui embora, porque, na verdade, nunca fomos próximos, além disso, Joseph é médico na única clínica da cidade e se der sorte, talvez eu só precise trocar um “bom dia” ou um “boa noite” com ele.
— Não acha melhor levar o carro na oficina para ver se está tudo em ordem? O rapaz do seguro ligou e pediu para você entrar em contato em até 48 horas — Joseph comenta, parando em frente à porta do meu quarto, vestindo seu jaleco branco.
Viu só, nem “bom dia” precisarei trocar. A arrogância que ele me trata, não é novidade alguma para mim.
— Depois que eu sair do colégio, levo na oficina para ver se está tudo certo, não posso me atrasar — respondo me virando para ele, mas Joseph já deu as costas, então o acompanho escada abaixo.
— Está tudo bem? Vi que você chegou tarde ontem — ele pergunta como se estivesse preocupado, mas não está, porque passei treze anos fora e ele sequer tentou uma ligação.
— Eu só fui dar uma volta — explico me encaminhando até a porta.
— Não vai tomar café? — questiona ele.
Trocar duas ou três frases, tudo bem, agora tomar café à mesa com ele, já é demais para mim.
— Preciso chegar mais cedo, você sabe, conhecer minha sala, assinar alguns papéis — explico e quando estou prestes a fechar a porta atrás de mim, Joseph segura a maçaneta.
— Eu vi você chegando bêbada de madrugada. Espero que isso não aconteça de novo, você prometeu que não ia se meter em problemas.
Foi, eu lembro. Estava bêbada quando falei isso, aliás.
— Vou ficar somente um mês e depois desapareço de novo — respondo ríspida e ele bate a porta na minha cara.
Solto todo o ar que havia inspirado para falar sem que minha voz vacilasse e assim que entro em meu carro, desabo. Mas não por muito tempo, porque não é uma opção desabar quando não há ninguém que me segure antes da queda.
Meu pai me odeia e não é de hoje.
Meu celular toca com um número que eu havia deletado da minha lista de contatos e por mais que eu saiba quem é. Recuso a ligação e guardo o celular bloqueando a tela.
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O colégio de Willou Glen parece ter ficado maior desde a última vez que estive nele. O que antes era verde e branco, agora é composto por dois prédios vermelhos com detalhes em acabamento cinza, ambos ligados pela escadaria de paredes de vidro.
As janelas que antes eram pichadas, agora foram trocadas por novas, remanejadas para o alto, os bancos do refeitório foram substituídos por bancos de concreto em cinza e estofados em vermelho.
Pelo que parece, o ato de vandalismo, desde que fui embora, tomou grandes proporções e por tudo estar sempre sendo quebrado, foi substituído por concreto.
O que deduzo só de olhar a organização do lugar, é que o colégio também trocou de gestão. Não é possível que a senhora Talbot ainda esteja viva e tenha tomado as rédeas do colégio assim, do dia para noite.
A cada momento que caminho pelos corredores, mudo completamente de opinião.
Esse não é mais o lugar onde estudei.
O silêncio que paira nos corredores é ensurdecedor, a não ser pelas minhas botas que fazem barulho a cada passo em que me aproximo mais da direção, onde conhecerei a nova pessoa para quem vou dar parte do histórico mental de cada um desses alunos.
Dou duas batidas na porta com uma plaquinha pendurada, escrito Direção e antes que eu dê a terceira batida, anunciando minha entrada, a porta é aberta como se ele estivesse a postos, esperando por mim.
Como se estivesse simplesmente me esperando chegar, como na noite passada. Só que dessa vez, o choque em seus olhos é muito maior que o ataque de fúria que ele teve na noite anterior. Dessa vez os olhos dele se congelam nos meus e a única coisa que consigo pensar, é que posso conseguir fazer o que for, menos passar despercebida por Seth Donson, o diretor do colégio.