Prontas

805 Words
As malas estavam sobre a cama estreita, e Zoe dobrava com cuidado as poucas peças de roupa que tinham. No convento, os tecidos eram simples: algodão cru, tons neutros, saias longas e blusas de manga. Mesmo assim, ela e Dulce separava cada item como se guardasse lembranças. Entre os lenços e o rosário, havia pequenos objetos que ela desejava levar — um caderno de capa gasta, um colar de madeira feito por uma das irmãs, objetos pessoais e livros. Do lado de fora, o sino marcava a hora da oração, mas nenhuma delas se apressou. Aquela seria a última noite ali. Zoe olhou para Dulce e sorriu, estavam assustadas e com medo, mas iam com medo mesmo, era chegado a hora. — Parece que o tempo parou, não é? — murmurou. — Parou e passou rápido ao mesmo tempo. — Dulce respondeu, sentando-se. — Eu achei que nunca sairia daqui. O convento já tinha sido um lugar de sombras, um abrigo para almas feridas e promessas quebradas. Mas, desde que a madre Mirrah assumiu tudo se transformou em calma. O jardim floresceu, os corredores voltaram a ter luz e as vozes das meninas já não soavam como pedidos de perdão, mas como orações sinceras. Ainda assim, Dulce sabia: aquele não era o lugar dela. Uma das irmãs entrou no quarto, batendo levemente à porta. — Dulce, seu pai chegou para vê-la. O coração da jovem parou por um instante. Zoe percebeu o tremor nas mãos dela e segurou-as, firme. — Vai ficar tudo bem — disse, num sussurro. Dulce fez um gesto positivo, mas seu sorriso vacilou. Ela sabia que o pai não estava ali para se despedir em paz., foi encontrá-lo se preparou para pedir a benção, mas ele não moveu um músculo. — Se sair deste convento, não a reconheço mais como filha. Dulce engoliu em seco. — Papai… eu só quero ser feliz. — Felicidade? — ele repetiu, com um balançar de cabeça. — Sua mãe prometeu a Deus que, se você nascesse viva, seria freira. Você é fruto de uma promessa sagrada, e agora está quebrando o que a salvou, sua mãe teve uma gravidez pesada, sofrida, nem os médicos achavam que você iria sobreviver, e agora quebra a promessa? — Eu sei, pai. Eu sei o que mamãe prometeu. Mas não fui eu quem fez o voto. E não posso viver uma vida que não escolhi. — Você acha que o mundo lá fora é fácil? Que encontrará amor e segurança entre os homens? — Mesmo assim… eu quero tentar. Quero servir a Deus de outro modo. Criando filhos, ajudando os pobres, acolhendo quem precisar. Posso ser devota fora daqui, papai. — Vá, então. Mas vá sabendo que, sem meu nome e sem minha ajuda, será só mais uma alma perdida no mundo. Dulce sentiu o peito apertar. Quis abraçá-lo, mas ele deu um passo atrás. Mesmo assim, ela se curvou em respeito e respondeu com voz embargada: — Diga a mamãe que a amo, eu amo o senhor também, mesmo não me querendo mais como filha. Virou-se antes que as lágrimas caíssem. Zoe esperava no corredor, e a madre Mirrah também, com o olhar compreensivo de quem já conhecia despedidas demais. Quando Dulce cruzou o pátio, a madre se aproximou e a envolveu num abraço demorado. — Não sofra assim, minha filha. O convento é um lugar de passagem, não de prisão. Deus caminha com quem tem coragem. Dulce fechou os olhos, respirou fundo e respondeu: — Obrigada, madre. O sino tocou mais uma vez, chamando para a última missa. Dulce e Zoe se olharam em silêncio, as mãos trêmulas segurando o terço. Caminharam juntas pelo corredor longo. Sentaram-se lado a lado, e, quando a madre Mirrah começou a entoar o cântico,choraram. Não porque tinham dúvidas, ou por arrependimento, mas porque fechavam um novo ciclo. Ao final da missa, cada freira se aproximou delas, uma a uma, oferecendo abraços e palavras de bênção. Algumas sorriam com ternura, outras ma.l conseguiam esconder as lágrimas. — Deus as acompanhe. Que a fé as mantenha firmes quando o mundo for pesado. — Obrigada por não nos julgar __ Só quem tem direito de julgar é Deus, somente ele. De volta ao quarto, as duas arrumaram as últimas coisas em silêncio. — Será que a gente vai conseguir trabalho? Zoe se sentou na beira da cama e pensou por um instante. — Não sei… mas lá fora na fazenda precisam de ajuda, e isso é o que sabemos fazer. Podemos cuidar das crianças, ajudar as mulheres, ensinar o que aprendemos aqui, e a mesa lá é sempre farta,.Vai dar certo, Dulce. Vai dar tudo certo. Dulce sorriu, não seria obrigada a viver uma vida que não queria, poder escolher seu próprio caminho junto com Zoe. Era isso., a sua vida ia finalmente mudar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD