As malas estavam sobre a cama estreita, e Zoe dobrava com cuidado as poucas peças de roupa que tinham. No convento, os tecidos eram simples: algodão cru, tons neutros, saias longas e blusas de manga. Mesmo assim, ela e Dulce separava cada item como se guardasse lembranças. Entre os lenços e o rosário, havia pequenos objetos que ela desejava levar — um caderno de capa gasta, um colar de madeira feito por uma das irmãs, objetos pessoais e livros.
Do lado de fora, o sino marcava a hora da oração, mas nenhuma delas se apressou. Aquela seria a última noite ali.
Zoe olhou para Dulce e sorriu, estavam assustadas e com medo, mas iam com medo mesmo, era chegado a hora.
— Parece que o tempo parou, não é? — murmurou.
— Parou e passou rápido ao mesmo tempo. — Dulce respondeu, sentando-se. — Eu achei que nunca sairia daqui.
O convento já tinha sido um lugar de sombras, um abrigo para almas feridas e promessas quebradas. Mas, desde que a madre Mirrah assumiu tudo se transformou em calma. O jardim floresceu, os corredores voltaram a ter luz e as vozes das meninas já não soavam como pedidos de perdão, mas como orações sinceras. Ainda assim, Dulce sabia: aquele não era o lugar dela.
Uma das irmãs entrou no quarto, batendo levemente à porta.
— Dulce, seu pai chegou para vê-la.
O coração da jovem parou por um instante. Zoe percebeu o tremor nas mãos dela e segurou-as, firme.
— Vai ficar tudo bem — disse, num sussurro.
Dulce fez um gesto positivo, mas seu sorriso vacilou. Ela sabia que o pai não estava ali para se despedir em paz., foi encontrá-lo se preparou para pedir a benção, mas ele não moveu um músculo.
— Se sair deste convento, não a reconheço mais como filha.
Dulce engoliu em seco.
— Papai… eu só quero ser feliz.
— Felicidade? — ele repetiu, com um balançar de cabeça. — Sua mãe prometeu a Deus que, se você nascesse viva, seria freira. Você é fruto de uma promessa sagrada, e agora está quebrando o que a salvou, sua mãe teve uma gravidez pesada, sofrida, nem os médicos achavam que você iria sobreviver, e agora quebra a promessa?
— Eu sei, pai. Eu sei o que mamãe prometeu. Mas não fui eu quem fez o voto. E não posso viver uma vida que não escolhi.
— Você acha que o mundo lá fora é fácil? Que encontrará amor e segurança entre os homens?
— Mesmo assim… eu quero tentar. Quero servir a Deus de outro modo. Criando filhos, ajudando os pobres, acolhendo quem precisar. Posso ser devota fora daqui, papai.
— Vá, então. Mas vá sabendo que, sem meu nome e sem minha ajuda, será só mais uma alma perdida no mundo.
Dulce sentiu o peito apertar. Quis abraçá-lo, mas ele deu um passo atrás. Mesmo assim, ela se curvou em respeito e respondeu com voz embargada:
— Diga a mamãe que a amo, eu amo o senhor também, mesmo não me querendo mais como filha.
Virou-se antes que as lágrimas caíssem. Zoe esperava no corredor, e a madre Mirrah também, com o olhar compreensivo de quem já conhecia despedidas demais.
Quando Dulce cruzou o pátio, a madre se aproximou e a envolveu num abraço demorado.
— Não sofra assim, minha filha. O convento é um lugar de passagem, não de prisão. Deus caminha com quem tem coragem.
Dulce fechou os olhos, respirou fundo e respondeu:
— Obrigada, madre.
O sino tocou mais uma vez, chamando para a última missa. Dulce e Zoe se olharam em silêncio, as mãos trêmulas segurando o terço. Caminharam juntas pelo corredor longo.
Sentaram-se lado a lado, e, quando a madre Mirrah começou a entoar o cântico,choraram. Não porque tinham dúvidas, ou por arrependimento, mas porque fechavam um novo ciclo.
Ao final da missa, cada freira se aproximou delas, uma a uma, oferecendo abraços e palavras de bênção. Algumas sorriam com ternura, outras ma.l conseguiam esconder as lágrimas.
— Deus as acompanhe. Que a fé as mantenha firmes quando o mundo for pesado.
— Obrigada por não nos julgar
__ Só quem tem direito de julgar é Deus, somente ele.
De volta ao quarto, as duas arrumaram as últimas coisas em silêncio.
— Será que a gente vai conseguir trabalho?
Zoe se sentou na beira da cama e pensou por um instante.
— Não sei… mas lá fora na fazenda precisam de ajuda, e isso é o que sabemos fazer. Podemos cuidar das crianças, ajudar as mulheres, ensinar o que aprendemos aqui, e a mesa lá é sempre farta,.Vai dar certo, Dulce. Vai dar tudo certo.
Dulce sorriu, não seria obrigada a viver uma vida que não queria, poder escolher seu próprio caminho junto com Zoe. Era isso., a sua vida ia finalmente mudar.