Mateus
— Mas que p***a! – estou puto.
Parece que as pessoas desse lugar estão sempre caçando confusão.
Ainda não passou das dez da manhã e o colar está sufocante.
Estava descendo a escadaria íngreme de um beco estreito quando o rádio na minha cintura chia. É sempre assim. O chiado desse pequeno aparelho repercute o dia inteiro. Precisamos nos manter informados e essa é a melhor forma de comunicação que temos aqui.
Um dos moleques passa um aviso sobre a confusão em um dos bares do alto que acabou de se instalar. Nada que não pudesse ser resolvido com a minha presença. As vezes tenho a sensação que as pessoas arrumam problemas só para poderem me ver. Elas sabem que eu vou aparecer e por ordem.
Não tenho o costume de dar sorrisos e dias como o de hoje goste de resolver tudo rápido. Não tenho tempo a perder.
Já chega os problemas que Galvão me arruma. Por isso, não tenho paciência para aqueles que nem problemas meu são.
Estava mudando a minha rota, quando avisto um caminhão de mudanças velho e empoeirado.
Paro onde estou, porque a cena acaba me chamando a atenção. Era um verdadeiro oásis de estranheza no labirinto de casas, tentava manobrar na viela estreita, bloqueando a passagem.
Mudanças não são comuns aqui e por isso vasculho de forma rápida meus pensamentos tentando me recordar se alguém me avisou sobre isso. Galvão sempre sabe quem se muda para sua favela, consequentemente eu também sempre sei.
De repente, me recorde de um dos moleques dizendo algo sobre uma garota que veio morar no fundo do barraco de uma tia. Aparentemente não a nada suspeito e tudo indicava que era só alguém que teve a infeliz sorte de cair dentro desse buraco que eu chamo de casa.
O fato deles estarem fazendo tanto barulho me irritou um pouco. Cruzo os braços quando avisto uma figurar descer de dentro da cabine.
Espero, olhando e acompanhando cada movimento. Estou aqui a tempo demais para saber que abaixar a guardar não é uma opção.
Quero garantir que não teremos problemas.
O homem que acaba de descer parece um pouco perdido, vejo que ele pega alguns papeis do bolso de trás de calça e olha.
Escuto mais um barulho de porta batendo e logo meus olhos recaem sobre uma figura feminina.
Uma garota.
Não iguais às que temos circulando por esse lugar, com roupas justas e maquiagem forte. Essa era diferente.
Ela não combinava em nada com essa favela.
Não tive como não reparar em sua camiseta simples e no jeans surrado, o cabelo castanho amarrado num coque desfeito, e uma postura de quem claramente estava perdida.
De onde eu estava fui capaz de ver seus olhos, ah, os olhos… Eram de um castanho profundo, cansados, mas com uma chama de algo que eu não via há muito tempo: vulnerabilidade.
Ela tentava, com dificuldade, orientar, quem eu imagino ser o motorista. Sua testa franzida entrega a preocupação. Um caixote de madeira escorregou da carroceria, e ela instintivamente tentou segurá-lo, quase caindo.
Não costumo oferecer ajuda. A pessoa que chega aqui precisa aprender a se virar. Só que algo me dizia que aquela criatura iria ser engolida aqui dentro.
Quando me deu conta, já estava perto o suficiente.
— Precisa de ajuda aí?
Vejo a garota se virar, no instante em que ela escuta minha voz. Quase rio quando vejo sua expressão assustada. Os olhos castanhos arregalados param em mim.
Não era uma vítima, ou uma moradora pedindo um favor. Talvez, ela só pudesse ser uma garota perdida, tentando se reerguer, não sei.
Algo nela me atingiu como um soco no estômago.
Quem é essa afinal?