O morro respirava um ar denso, pesado, impregnado do cheiro de terra molhada após a chuva e da fumaça acre da lenha queimando. Para Mateus, essa era a fragrância familiar da sobrevivência.
Aos vinte e sete anos, ele já carregava na alma um peso que nem mesmo o corpo, forte e calejado, conseguia disfarçar. Cresceu sob o eco distante de uma bala que roubara seu pai e a indiferença fria de uma mãe que o abandonou à própria sorte.
As vielas emaranhadas e os barracos coloridos não eram apenas seu lar, mas o palco de sua dura escola, onde a fome era a professora mais severa e a esperança, um luxo que ele nunca pôde pagar. Mateus aprendeu cedo que, para não ser engolido pela miséria, era preciso endurecer.
E foi no ventre do crime, sob as asas do temido Galvão, o dono da favela, que ele encontrou uma chance de existir.
Mateus era a personificação da ordem no caos. Seus olhos, acostumados a decifrar ameaças nas sombras, e seus ouvidos, atentos a cada sussurro nas esquinas, o transformaram em um dos "crias" mais respeitados – e temidos – do morro.
Ele era a força bruta e a mente estratégica, o executor e o mediador. Por fora, uma muralha de silêncio e frieza; por dentro, um turbilhão de memórias e cicatrizes que o impulsionavam a seguir adiante, custasse o que custasse.
Ele não sonhava com um futuro, apenas garantia que o presente não o engolisse.
Mal sabia ele que o destino, traiçoeiro e imprevisível, estava prestes a trazer uma tempestade diferente para o seu mundo. Uma tempestade com olhos que pediam socorro e na alma a delicadeza de uma flor, capaz de florescer mesmo no mais árido dos terrenos, e de desatar os nós que ele, Mateus, havia amarrado em seu próprio coração. A calmaria, ou a turbulência, estava prestes a mudar de nome.