A noite em Paris era um espetáculo silencioso. As luzes refletidas no Sena transformavam o rio em um mosaico ondulante de dourado e prata. No "Bonjour Tour Eiffel", a luz fraca de um abajur na sala lançava sombras suaves sobre a mesa de jantar. Franchesca terminava de organizar os pratos, enquanto Marcel abria uma garrafa de vinho que comprara dias antes, em uma tentativa de reacender algo esquecido entre eles.
Naquele dia, mais cedo, Fabrícia, a irmã de Franchesca, ligara com uma oferta inesperada: queria levar os sobrinhos para passar a noite em seu apartamento. Apesar de sua vida agitada com Lohan, ela argumentou que sentia falta de momentos com as crianças e, talvez, intuindo algo, mencionou que seria uma oportunidade para Franchesca e Marcel terem uma noite para si mesmos.
Franchesca hesitou, mas a insistência de Fabrícia e o entusiasmo das crianças a convenceram. Foi uma decisão repentina, mas que parecia, pelo menos em teoria, oferecer o respiro de que o casal precisava.
Com a casa silenciosa pela primeira vez em semanas, Franchesca e Marcel ficaram cara a cara, sem as distrações que os ajudavam a ignorar o que estava errado. Mas parece que, aquilo não os levaria para lugar algum.
E, continuando o ato anterior. Enquanto Ingrid e Pierre se afundavam em música, conversas e bebidas geladas, nosso casal de protagonistas, tentava verbalizar o que sentiam.
– Achei que um jantar decente poderia ser uma boa ideia – começou ele, sem olhar diretamente para a esposa.
Franchesca não respondeu de imediato, apenas ajeitou o guardanapo no colo. O aroma do vinho começou a preencher o espaço, misturando-se com o perfume floral que ela sempre usava.
– Espero que tenha valido o preço – ela comentou, uma nota de ironia marcando sua voz.
Marcel suspirou. O jantar nem começara e a tensão já estava presente, como um terceiro convidado indesejado. Ele serviu o vinho, observando o líquido rubi encher as taças com uma elegância que parecia ausente em suas próprias vidas.
Franchesca vestia um vestido simples, mas elegante, num tom de vinho que parecia combinar com a garrafa sobre a mesa. O tecido caía suavemente sobre suas curvas, destacando a feminilidade que ela sentia há tempos não ser notada. Seus cabelos castanhos curtos estavam levemente desalinhados, como se ela tivesse passado o dia todo ocupada, mas ainda havia um toque de esforço: um batom discreto e um perfume floral delicado, que ela usava mais por hábito do que por intenção.
Por dentro, Franchesca estava exausta. Não apenas pela rotina, mas pelo peso invisível das dúvidas e frustrações acumuladas. Sua mente era um turbilhão de inseguranças: “Será que ele ainda me deseja?”, “Por que a chama entre nós apagou?” Apesar disso, ela tentava manter uma fachada de controle, como se acreditar em algo pudesse torná-lo real.
Marcel optou por algo casual, uma camisa azul clara com as mangas dobradas até os cotovelos e uma calça escura. Apesar do esforço em parecer arrumado, o cansaço estava estampado no rosto: os olhos fundos, as olheiras discretas, e a barba por fazer davam a ele um ar de descuido. Seus gestos, sempre rápidos e tensos, revelavam mais do que ele gostaria sobre seu estado de espírito.
Por dentro, Marcel estava dividido entre o ressentimento e o desejo de reconquistar o que eles tinham perdido. Sentia que cada gesto seu era interpretado como insuficiente e que, por mais que tentasse, nunca parecia ser o bastante. Ele queria dizer a Franchesca o quanto ainda a amava, mas a voz em sua mente era mais alta: “E se ela já desistiu de mim?”
– Franchesca, você pode pelo menos tentar? – pediu ele, sua voz soando mais cansada do que irritada.
Ela ergueu os olhos para ele, os dedos rodando a borda da taça de vinho.
– Tentar o quê, Marcel? Fingir que está tudo bem quando claramente não está?
Ele se sentou pesadamente na cadeira, passando a mão pelo rosto. A exaustão acumulada do dia parecia transbordar, mas havia algo mais profundo corroendo-o por dentro.
– Eu sei que não está tudo bem – admitiu, os olhos fixos na taça. – Mas, pelo menos, eu estou tentando.
– E eu não? – Franchesca rebateu, a voz firme. – Você acha que é fácil para mim? Manter essa casa, cuidar das crianças, tentar te apoiar enquanto você... – ela hesitou, como se a próxima palavra fosse demais. – Enquanto você nem olha mais para mim do jeito que costumava olhar.
Marcel encarou-a, a dor em seu rosto evidente.
– Eu olho para você, Franchesca. Eu olho e vejo a mulher com quem me casei, mas também vejo alguém que... – ele parou, buscando as palavras. – Que talvez não acredite mais em mim.
Ela sentiu o impacto daquelas palavras como um golpe inesperado.
– Não é isso, Marcel. Eu só... – Franchesca parou e olhou para fora da janela. Do outro lado, Pierre e Ingrid estavam sentados na varanda, iluminados pela luz suave do ambiente. Pierre segurava uma xícara de chá, mas algo estava diferente. Ele parecia pálido, cansado, os ombros levemente caídos. Ingrid passava os dedos pelos cabelos dele, em um gesto que era ao mesmo tempo carinhoso e protetor.
– O que foi? – perguntou Marcel, seguindo o olhar da esposa.
– Pierre... – murmurou Franchesca. – Ele parece tão... exausto.
Marcel estreitou os olhos, observando o casal.
– Deve ser o trabalho – comentou, indiferente. – Ou talvez estejam finalmente enfrentando problemas, como qualquer casal normal.
Franchesca permaneceu em silêncio, mas algo na cena a inquietava. Pierre levou a mão à boca, tossindo discretamente, mas o som era abafado pela distância. Ingrid segurou a mão dele, apertando-a como se quisesse transmitir força.
Na varanda banhada pela luz suave da noite parisiense, Pierre sentou-se na poltrona de vime, os ombros relaxados em uma postura que tentava transparecer normalidade. Ingrid estava de pé ao seu lado, apoiada na grade, o olhar distante, mas seus dedos inquietos revelavam a tempestade dentro dela.
– Você precisa me dizer se está se sentindo pior – disse ela, quebrando o silêncio, a voz baixa e cuidadosa.
Pierre sorriu, mas o gesto não alcançou os olhos. Ele olhou para o céu, como se as estrelas pudessem lhe dar uma resposta melhor.
– Não quero que a gente passe nossas noites falando disso, Ingrid. Temos tão pouco tempo juntos para gastar com... preocupações.
Ela virou-se, os braços cruzados, tentando controlar a inquietação que crescia em seu peito.
– Não é só preocupação. Eu preciso saber como você está. Preciso... entender como te ajudar.
Ele finalmente a encarou, seu olhar carregado de algo que ela reconhecia: a tentativa de protegê-la, mesmo às custas de si mesmo.
– Você já faz mais do que eu poderia pedir – respondeu, sua voz tão gentil que parecia uma carícia. Ele segurou sua mão e apertou levemente. – Eu só quero que você continue sendo assim. Forte, linda... minha.
Ingrid sentiu um nó se formar na garganta. Ela queria gritar, exigir que ele fosse honesto sobre como realmente estava, mas sabia que não adiantaria. Em vez disso, ela soltou um suspiro pesado e se abaixou, ficando na altura dele.
– Não finja que eu não vejo. Mesmo quando você tenta esconder, Pierre, eu vejo.
Ele estendeu a mão e acariciou o rosto dela, como se quisesse apagar as preocupações que via nos olhos de Ingrid.
– É só um dia r**m, meu amor. Todos têm.
Ela mordeu o lábio, tentando conter as lágrimas.
– Não se trata de um dia r**m, e você sabe disso – rebateu, a voz quase um sussurro. – Mas, se você precisa que eu finja... eu posso fingir, Pierre. Eu posso fingir que tudo está bem, se isso te ajudar.
Pierre puxou-a para mais perto, seus lábios tocando levemente sua testa.
– Não quero que você finja nada – disse ele, com a voz firme, mas com uma doçura que quase a quebrou. – Só quero que a gente aproveite cada momento. Só isso.
Ingrid assentiu, fechando os olhos enquanto as lágrimas desciam silenciosas. Ela sabia que aquele não era o momento para confrontá-lo, mas também sabia que o tempo estava passando mais rápido do que ela podia suportar.
Abaixo, o tráfego fluía em um ritmo constante, e as luzes de Paris piscavam como testemunhas silenciosas. Ingrid segurou a mão dele com força, como se o simples ato pudesse segurá-lo ali, naquele momento, por mais tempo.
– Então vamos aproveitar – respondeu finalmente, a voz decidida. – Mas você tem que me prometer que não vai me deixar sozinha nisso.
Pierre sorriu, inclinando-se para beijá-la com uma ternura que dizia tudo o que ele não conseguia expressar em palavras.
– Eu nunca te deixaria sozinha, Ingrid. Nunca.
Do outro lado da rua, Marcel voltou a se concentrar no jantar, mas a visão dos vizinhos ficou gravada na mente de Franchesca.
“Por que eles parecem tão perfeitos, mesmo na fragilidade?” — avaliou.
Marcel interrompeu os pensamentos dela:
– Você nunca diz isso, mas eu sei o que você pensa, Franchesca. Você acha que eles têm algo que nós não temos.
Ela o encarou, surpresa pela observação.
– Isso não é verdade, Marcel.
– Não? – ele insistiu, com um sorriso amargo. – Então por que você passa tanto tempo olhando para eles?
Franchesca não tinha uma resposta. Ou talvez tivesse, mas não queria admitir.
– Às vezes, é mais fácil observar a vida dos outros do que encarar a nossa própria – confessou, a voz baixa.
Marcel recostou-se na cadeira, levando a taça de vinho aos lábios.
– E é por isso que estamos assim – comentou ele, quase para si mesmo. – Porque estamos vivendo na sombra de outra coisa.
O silêncio que se seguiu foi pesado, mas cheio de significados. Ambos sabiam que as palavras ditas eram apenas uma fração do que realmente estava em seus corações.
Franchesca se levantou para recolher os pratos, mas antes de sair da mesa, olhou para Marcel uma última vez.
– Eu só queria... – ela começou, mas a frase morreu no ar.
Ele a observou desaparecer na cozinha, sentindo o peso de suas próprias inseguranças esmagá-lo.
Do outro lado da rua, Ingrid ajudava Pierre a se levantar. Ele parecia frágil, mas tentava esconder isso com um sorriso. Franchesca voltou à sala a tempo de ver os dois entrarem no apartamento. O copo vazio que Pierre deixara na mesa tremulava com o vento antes de tombar para o lado.
Franchesca e Marcel se entreolharam, sem dizer nada. Mas nos olhos de ambos havia a mesma pergunta não verbalizada: “O que está acontecendo com eles?”