E lá vamos nós...

1408 Words
Terça feira, 23 de novembro de 2020, apenas 1 semana restante para eu completar meus tão sonhados 18 anos, sempre sonhei em atingir a maioridade e poder me sentir dona da minha vida pelo menos por um instante, Desde os meus 8 anos descobri que tinha leucemia, na verdade eu não entendia muito o que estava acontecendo naquela época, era apenas uma criança, mas consigo lembrar com clareza do rosto da minha mãe, era como se o mundo dela tivesse desabado naquele momento. Meu pai morreu em um acidente de carro, quando eu tinha apenas 2 anos e desde então, somos só eu e minha mãe. Passamos por essa barra a 10 anos, hospitais, consultas, exames e mais exames, remédios e mais remédios. Apesar de todo o tempo, eu havia tido uma melhora significativa, estava respondendo bem ao tratamento, conseguia levar uma vida quase normal, iria terminar meu último ano no ensino médio e entrar para a faculdade dos meus sonhos, medicina. Sempre sonhei em ser médica, desde antes de tudo isso acontecer, sempre gostava de ouvir o coração imaginário das minhas bonecas e fazer curativos no dodói delas, depois de tudo o que aconteceu minha paixão só aumentou. Eu tinha certeza que tudo daria certo, as coisas estavam começando a caminhar, e a pouco mais de 1 ano, eu sequer tinha dores ou problemas, finalmente minha vida estava entrando nos eixos, pelo menos era o que eu pensava. -Stella, anda logo, vamos nos atrasar pra consulta. Disse minha mãe aos berros. -Já estou indo mamãe, só preciso checar se pareço mais bonita do que da última vez que estive lá, já faz bastante tempo. Respondi, em tom de brincadeira. Na verdade, para minha realmente era bastante tempo, graças a minha melhora, eu tinha consulta apenas de 3 em 3 meses, o que era um grande intervalo comparado as minhas consultas semanais, quando não eram seguidas de internações. Hoje era dia de fazer exames, para saber como está meu lindíssimo sangue, tão ralo quanto água rsrsrs. Brincar um pouco com a minha situação, é a forma que encontrei de descontrair um pouco dessa realidade tão c***l, que me assombra. Entrei no carro com minha mãe e fomos em direção ao hospital, no caminho, reparei em um outdoor com uma propaganda de dia dos namorados que dizia: Nunca é tarde para encontrar o amor. Acompanhada de uma foto de dois idosos vestidos com as roupas da tal marca, foi ai que parei para pensar que eu nunca havia vivido um amor, nem uma paixonite, um crush, nada, e agora finalmente eu poderia me permitir isso, afinal, qual o melhor lugar para encontrar um amor do que o último ano? Ou melhor ainda, a faculdade, seria minha chance de achar minha tampa de panela, como dizem, meu pé de chinelo. Chegamos no hospital, cumprimentei todos os funcionários como de costume, eu era paciente do Hospital Albert Einstein a 10 anos, conhecia todas as figurinhas carimbadas por ali, mas tinha um em especial que foi o meu maior parceiro e as coisas teriam sido bem mais difíceis se ele não existisse, estou falando do meu médico, o doutor Lúcio. Doutor Lúcio tem sido um pai para mim nesses anos, ele cuida de mim como ninguém, sempre faz o impossível pra me deixar o mais tranquila possível e sempre me dava biscoitos depois de uma sessão de quimioterapia, claro que o lance dos biscoitos perdeu um pouco a graça depois que eu cresci, mas mesmo assim, eu amava ter pelo menos uma leve sensação de ter um pai, mesmo que de mentirinha, apesar de sempre achar que ele e minha mãe tinham uma super queda um pelo outro que nunca foi assumida, mas nunca é tarde. -Olha quem está aqui, se não é minha japonesa preferida. Disse doutor Lúcio, vindo em minha direção. Ele me chama assim desde sempre, pois sempre tive os olhinhos puxados, apesar de não me parecer nada com uma japonesa. -Se tudo der certo doutor, a partir de hoje serei apenas sua visitante e grande amiga. Respondi com entusiasmo. Hoje seria o dia, em que se tudo desse certo, eu finalmente teria alta do meu tratamento, e poderia seguir minha vida normal, finalmente, ser uma adolescente normal. -Falando desse jeito, fico até chateado de saber que quer se livrar de mim. Disse doutor Lúcio, em tom de brincadeira. -Claro que não, sempre que for possível venho te lembrar o quanto você tem que ser menos careta. Brinquei. -Bom, então vamos logo fazer esses exames, por que já estou cansado da sua cara. Disse doutor Lúcio, enquanto olhava para a minha mãe com um olhar apaixonado. -Bom dia Patrícia, acabei esquecendo de te cumprimentar, como vai? Ele disse, envergonhado. Meu Deus do céu, esses homens de hoje em dia não sabem nada mesmo sobre paquera, isso lá é jeito de falar com a crush? -Bom dia Lúcio, tudo bem, eu entendo que Stella entusiasmada com algo não deixa sobrar nada pra ninguém mesmo, RS, eu vou bem, nervosa para saber o resultado desses exames logo. Respondeu minha mãe, acanhada. Meu Deus do céu, esses dois não sabem mesmo que estão caidinhos um pelo outro?? Após essa constrangedora conversa, fomos em direção a sala do m*l, chamo assim desde sempre a sala aonde faço todos os exames invasivos e dolorosos que servem para indicar se estou morrendo ou não. Entramos na sala e dei início a minha pilha exames, tudo levou em média 2 horas, assim que terminei, fui com a minha mãe para o café do Hospital, para podermos fazer um lanche enquanto aguardávamos os resultados, o café do Hospital era o melhor do mundo, sempre com bolinhos fresquinhos e um delicioso cappuccino, era sempre a melhor parte pra mim hahaha. -Mãe, tá rolando alguma coisa entre você e o doutor Lúcio? Perguntei enquanto mordia um bolinho. -Claro que não Stella, você tá louca? a única coisa que sinto por ele é gratidão do que ele tem sido pra você durante todos esses anos. Respondeu minha mãe, tentando negar o inegável. -As vezes você pode tá confundido gratidão com amor mamãe, eu vejo como vocês se olham. -Stella, eu só amei um homem na minha vida, e é o único que vou amar, eu não quero saber mais de homem nenhum. Disse minha mãe, com os olhos cheios d'água. Minha mãe nunca se relacionou com ninguém desde que meu pai morreu, ela decidiu que viveria num luto eterno, isso me chateia muito, adoraria ver ela feliz e radiante outra vez, e o doutor Lúcio é um cara tão legal, mas também não posso obrigar ela a dar uma chance ao amor, se nem eu consigo dar. Logo em seguida fomos chamadas na sala do doutor Lúcio, levantei feliz e radiante, pronta para comemorar minha liberdade, fomos andando em direção a sala, quando abri a porta, encontrei doutor Lúcio com meus exames na mão, e muitas lágrimas nos olhos. -O que foi doutor? tá chorando de emoção é? perguntei em tom de ironia. -Stella, você me deixa falar com a sua mãe a sós, um instante? Percebi então que não se tratava de brincadeira, minha mãe fez aquela cara, aquela que eu me lembro muito bem, a mesma de quando eu tinha 8 anos. -Gente, eu não tenho mais 8 anos, eu tenho todo o direito de saber o que acontece dentro do meu corpo, não é mesmo? -Falei, esbravejando. -Ela tem razão Lúcio, já vai se tornar uma mulher, ela tem direito de acompanhar o que acontece. -Disse minha mãe, me abraçando. -Bom, se vocês concordam que seja assim, então ok. Infelizmente Stella, o seu câncer evoluiu para muito perto da artéria aorta, a veia principal do seu corpo, não temos como operar, pois te mataria, mas a tendência é que ele continue crescendo, e os medicamentos não funcionam mais nesse caso, eu sinto muito... -O que???? Não, a 3 meses atrás eu estava perfeitamente bem, eu estou perfeitamente bem agora, isso é impossível. esbravejei. -Infelizmente Stella, essas coisas acontecem muito rápido mesmo, são questões de dias até que você comece a ter sintomas, e os remédios tratam os sintomas, mas não o tumor. Minha mãe rapidamente começou a chorar e saiu da sala correndo, eu nunca havia visto minha mãe ser fraca, a vida inteira ela sempre foi forte, por minha, por nós duas, mas após perder o marido, agora ela iria perder a filha, eu entendo ela...
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