Após 20 minutos chorando no banheiro, minha mãe conseguiu se recompor de uma forma incrível e voltar para a sala em que estávamos, ouvimos o doutor Lúcio explicar as medidas paleativas que poderiam ser feitas para tentarmos mais uma vez, adiar o inadiável. Após todos esses anos encarando todo santo dia a morte de frente, eu acabei me acostumando a idéia de que ela iria chegar pra mim a qualquer momento, já era muito previsível, muitos médicos sequer acreditavam que eu pudesse estar viva por todo esse tempo, então eu deveria me sentir grata, não é mesmo? pelo dom da vida prolongada que me foi dado, porém eu não queria mais coquetéis, eles me deixavam fraca, f**a, se fosse pra viver meus últimos dias, meses, sei lá, que fosse no auge do meu bem estar.
-Tudo bem, eu posso lidar com isso, mas não quero saber de paliativos, quero que me diga quanto tempo eu tenho de vida saudável e é esse o tempo que vou viver.
-Disse para doutor Lúcio, com os olhos cheios de lágrimas.
-Stella, você não pode fazer isso, não podemos desistir agora, temos que continuar tentando, não posso perder você.
-Disse minha mãe, aos prantos.
Como eu disse, minha mãe havia perdido meu pai de forma trágica, eu era tudo que ela tinha, isso era o que mais me preocupava em partir, quem poderia amparar minha mãe? quem cuidaria dela tão bem quanto eu? eu precisava resolver isso, antes de ir, e colocaria na minha lista de prioridades, com certeza.
-Mãe, passei 10 anos me entupindo de remédios, exames, agulhas, eu não quero mais isso, quero me lembrar desses últimos tempos com felicidade, quero viver eles intensamente, por favor me permita isso.
Minha mãe me olhou com os olhos mais tristes do mundo, mas ao mesmo tempo eram olhos de confiança, de entendimento, ela entendeu o que eu disse e ela sabe o quanto eu preciso disso.
-Tudo bem Stella, se é a sua vontade.
-Ela disse, dando finalmente o braço a torcer.
-Bom Stella, sem os paliativos, eu acredito que seja questão de 90 dias até que o tumor atinja sua aorta por completo, não consigo te dizer isso sem os olhos cheios de lágrimas, você sabe disso, eu estou devastado.
-Disse doutor Lúcio, enquanto tentava segurar o choro, e em seguida se retirou da sala.
Pela primeira vez eu sabia que havia chegado a minha hora, eu sentia, é como se meu corpo estivesse falando comigo que estava cansado de lutar, que ele precisaria finalmente relaxar e descansar em paz. Mas antes disso, eu tinha uma missão, como eu disse, eu precisava que minha mãe não ficasse sozinha, e pensando nisso, precisava que ela e o doutor Lúcio se acertassem logo, não conseguia ver qualquer outra pessoa que fosse cuidar tão bem dela, e pelo que eu percebo ele também é super afim dela, e ainda por cima divorciado, tem tudo pra dar certo, e eu já tinha um plano.
Antes de irmos embora, fui atrás do doutor Lúcio, e o encontrei no café, com o olhar triste de quem tinha perdido uma batalha, eu imagino o quanto isso deve ser difícil para os médicos.
-Eu ainda não morri doutor, o senhor tem que me aturar por mais 90 dias, e contando...
-Adoro a capacidade que você tem de transformar o momento mais triste em algo cômico Stella, você é uma menina de muita luz, não queria que as coisas fossem desse jeito.
-Também não queria doutor, sei que vai ser uma grande perda pro mundo, ainda pretendia me tornar a Beyoncé, mas o mundo não vai ter essa oportunidade, então vim aqui te pedir um favor...
-Pode falar, mas não dá pra te transformar na Beyoncé Japonesa...
-Relaxa que é mais fácil que isso haha, quero saber se teria uma vaga de voluntária na sua fundação para crianças com câncer, queria passar esse tempo ajudando os outros a lidar com isso da melhor forma, como eu aprendi a lidar.
-Meu Deus Stella, que idéia ótima, com certeza sua ajuda será muito bem vinda, você pode começar amanhã?
-Claro, estarei lá, muito obrigada doutor Lúcio, isso vai me fazer muito bem.
Nos despedimos, e fui encontrar minha mãe que estava com muito custo tentando tirar o carro da vaga, uma grande dificuldade que ela tinha quando tinham outros carros, e ela era uma péssima motorista, diga-se de passagem, entrei no carro e tentamos seguir a viagem fingindo normalidade, apesar de eu saber o quanto aquilo estava sendo difícil pra ela.
-Mãe, preciso de carona amanhã, vou começar a trabalhar na fundação do doutor Lúcio, e preciso estar lá as 08:00, você acha que tem como?
-Eu disse, tentando puxar assunto...
-Stella, você realmente acha isso uma boa idéia?
-Sim mãe, nada melhor do que ajudar crianças a lidarem com esse momento, como eu tive que lidar...
-Bom, se você realmente diz que vai te ajudar, tudo bem, minha filha.
-Hey, mãe?
-Fala, filha
-Eu vou ficar bem.
-Tenho certeza disso, meu amor.