Quando saí do apartamento, eu não fui para casa. Miguel me ligava tanto que imaginei que ele fosse me procurar lá.
Em vez disso, fui para a ponte. Aquela onde tudo começou... Sabe o pontilhão onde o Guilherme parou o carro e tirou a minha virgindade? É a mesma de onde eu tentei pular, querendo acabar com a minha própria vida. Pois bem! Sentei-me na barreira de segurança e fiquei observando o movimento de carros lá embaixo.
O fluxo tinha diminuído bastante — também eram duas da manhã! Sei que você deve estar pensando no perigo que corri, sozinha lá em cima, apenas com um celular na mão.
Eu precisava ficar sozinha! Apesar de ali não ser o lugar adequado, essa ponte e eu temos uma história. Desde a primeira vez em que nos “conhecemos”, nunca mais minha vida foi a mesma.
Sei que não é culpa dela! Eu fui ingênua com Guilherme e, agora, estúpida com o Miguel. Se a ponte pudesse falar, diria: “— Bem feito! Não aprendeu da primeira vez!”.
As cenas eróticas de Miguel e daquela messalina não saíam da minha cabeça. A forma como ele conduzia e tocava aquela mulher me dava arrepios.
Eu me sinto envergonhada por ter ficado observando. Que i****a eu sou! Mas não me arrependo de ter jogado todas as roupas dela pela janela. Pelo contrário, acho que foi até divertido.
Mas fica a pergunta: será que eles terminaram o que começaram? Será que, apesar de tudo, Miguel transou com aquela mulher?
Estou confusa em relação aos meus sentimentos. Não sei o que pensar! Mas sei que eu o quero muito, mesmo não podendo tê-lo. Sinto desejo por ele — e agora ainda mais depois de vê-lo em ação.
Quando fecho os olhos, lembro-me da boca dele, tão perfeitamente desenhada. Seus cabelos, com aquele corte curto em camadas, o deixam tão sexy. A forma como ele franziu o cenho quando aquela meretriz lhe dava prazer não saía da minha cabeça.
Queria tanto esquecê-lo! Não posso desabafar isso com o meu pai. São irmãos! Estou vivendo um dilema, sufocada com esse segredo.
O dia estava quase clareando quando o movimento de carros começou a aumentar. Levantei-me e segui em direção à rodovia, tentando pedir um carro de aplicativo para voltar para casa.
Seis minutos depois, felizmente, eu já estava dentro do Uber. Havia um disponível próximo dali que me levou até em casa.
Ao descer na frente do condomínio, agradeci, procurando a minha chave nos bolsos.
Quando senti alguém se aproximando.
— Caroline! — a voz grave disse firme.
Eu reconheceria essa voz até dormindo. Virei-me para olhá-lo e ele estava diante de mim.
— Onde você estava? — perguntou-me sério. — Passei a madrugada toda aqui e você não voltou para casa!
Olhei para o outro lado da rua e vi seu carro parado. Ele realmente passou a noite ali.
— Não importa onde eu estava! — falei, sentindo-me cansada.
— Como conseguiu entrar no apartamento, Carol? — perguntou-me sério.
Eu morria, mas não ia admitir que tinha feito uma cópia da chave dele.
— Vai ficar aí calada? — arqueou as sobrancelhas.
— Eu não quero falar com você! Me deixe entrar e dormir! — respondi.
— Você sabe que foi errado o que fez! — ele me encarou nos olhos.
Me senti uma garota de seis anos sendo repreendida por roubar doces antes do jantar.
— Para! Só para de me tratar como criança! — falei irritada.
— Eu me sinto responsável por você! — ele disse atônito.
— Pois não sinta! — gritei. — Você não é o meu pai!
Vi Anna se aproximar e perguntar se eu estava bem. Miguel a fuzilou com o olhar, mas ela é uma mulher forte: o enfrentou e me levou para casa.
Anna acha que Miguel é um amor impedido por ser casado. Não quis contradizê-la, pois a verdade é ainda pior.
Se ele não fosse o meu tio, eu diria tudo o que está aqui entalado na minha garganta. Mas eu não posso... O que me resta é apenas dormir.
(...)
Depois que acordei, fui tomar um banho. Estava zonza e desorientada, quando ouvi meu celular tocar.
— Oi, Carol, que bom que você me atendeu! — era ele outra vez. Meu coração bateu mais forte.
— O que você quer, tio? — o chamei assim porque sabia que o irritava.
— Eu quero conversar... sem brigas! — respondeu-me.
— Está bem, eu vou pedir um táxi! — falei, vendo as horas no visor do celular.
— Estou em frente ao seu prédio te esperando... Por favor, saia! — sua voz parecia calma.
Penteei meus cabelos; Gio estava no quarto e Anna ainda dormia. Então apenas fechei a porta e saí.
Realmente, Miguel estava parado me esperando. Em meu celular havia algumas mensagens do meu pai; ele estava preocupado, pois ainda não tínhamos nos falado hoje.
— Oi, pai! Eu estou bem! Mais tarde eu te ligo. Espero que esteja bem também! Saudades... Te amo! — foi a mensagem de voz que lhe enviei antes de entrar no carro.
Miguel me olhou nos olhos e eu não consegui manter o foco. Acho que nunca mais vou conseguir encará-lo; depois de vê-lo nu, comecei a ter pensamentos impróprios com ele.
Então fomos até o fim da cidade. Acho que ele queria algo mais reservado. Desligou o carro e eu permaneci encarando a minha janela, tentando ignorar sua colônia, sua barba recém-aparada e o seu charme.
— Bom... Eu vim para te ouvir! — fiquei em êxtase com sua fala.
Se ele estava esperando uma explicação minha, íamos ficar plantados ali.
Eu nem sequer conseguia olhá-lo, quem dirá falar alguma coisa.
— Se você não vai dizer nada, eu posso falar? — ele indagou. Apenas assenti. — Bem, eu... Eu acho que você deve ter ido ontem atrás de mim por algum motivo.
Permaneci calada, ouvindo a forma como ele conduzia a conversa.
— Eu sei que você odiou a vizinha desde o início, mas... Eu sou homem, Carol, e tenho necessidades!
Sua explicação machista me irritou um pouco, fazendo-me falar o que eu não queria.
— Mas isso não te dá o direito de sair trepando com qualquer vagabunda e... — parei para respirar. — Me desculpe!
— Não, continue... Ponha para fora a sua raiva! Foi para isso que eu vim: para te ouvir!
Franzi o cenho, olhando-o.
— O que você quer que eu fale, Miguel? Que eu não gostei de vê-lo contaminando o sofá em que dormi por dias?! Que senti tanta raiva de você ter mentido para mim que tive vontade de lançar vocês dois pela janela? Ou que nunca mais vou confiar em você?!
— Eu não menti para você! — falou.
— Claro que mentiu! Você disse que, quando voltasse da casa de seu filho, falaria comigo... E você preferiu sair com ela! — virei meu rosto, tentando esconder meus olhos.
— Posso te fazer uma pergunta? — Miguel falou, encostando na sua janela.
— Tecnicamente, você já fez! — falei sem tirar os olhos do vidro.
— Tá! — ele suspirou. — Se a situação fosse diferente... Se a mulher em meu sofá não fosse a Cassandra, você aprovaria?
Fiquei muito nervosa com a sua pergunta. Miguel era mais esperto do que aparenta! Ele sutilmente armou a sua arapuca, deixando-me sem reação.
— Por favor, responda! — insistiu.
— Bom... Eu acho que... — comecei, atrapalhada.
— A verdade, Esther Caroline! — ele disse, querendo me desestabilizar.
— Não! — olhei-o de relance. — Eu não aprovaria! Está satisfeito agora? — perguntei, constrangida.
— Você sabe que não pode se sentir assim em relação a mim, não sabe? — Miguel foi direto.
Apenas assenti, sentindo meus olhos marejarem.
— Carol, eu te encontrei no pior momento da sua vida, quando você estava desistindo de tudo, pois não via saída. Eu imagino como você se sente! Ficamos íntimos, viramos amigos... Você me vê como seu salvador. Mas você está confusa; seus sentimentos por mim, ou o que acha que está sentindo, não são reais!
A lágrima que insistia em cair, definitivamente desceu sem eu conseguir controlá-la.
— Você é uma menina inteligente e linda, mas...
— Mas você não sente nada por mim! — completei sua frase i****a.
— Não é questão de eu gostar ou não! Carol, você sabe que há algo muito maior do que isso! — seus olhos ganharam vida. — p***a, eu vi você nascer! Lembro-me da sua mãe grávida dormindo no sofá de casa, quando meus irmãos e eu dividíamos um apartamento!
O esverdeado dos seus olhos predominou e senti que ele estava sendo sincero.
— Você me fez uma pergunta; agora eu também gostaria de te fazer uma! — falei.
Miguel assentiu, concordando.
— Se a situação fosse diferente, se eu não fosse a sua sobrinha... Ficaria comigo? — perguntei.
— Isso é golpe baixo! — ele retrucou.
— A verdade, Miguel Ângelo! — falei, vendo-o beber do próprio veneno.
— É claro que sim! — ele disse sem hesitar.
E meu coração vibrou dentro do peito.
— Mas você nunca deixará de ser a minha sobrinha, e nem eu de ser o seu tio! — frisou.
— Isso quer dizer...
— Que jamais poderá acontecer algo entre a gente! — nesse momento, Miguel não conseguiu me encarar; virou o rosto, como se quisesse esconder os olhos.
— Tudo bem! — respondi. — Você quer que eu me afaste de você? — sugeri.
— É o certo a se fazer! — ele respondeu-me, mas depois baixou a cabeça. — Mas eu não quero! — admitiu.
Fiquei calada por um tempo, assimilando as suas palavras.
— O que você sugere que eu faça? — perguntei.
— Conheça outras pessoas! Garotos da sua idade. Isso vai te fazer bem! — me instruiu.
— Talvez você conheça alguém da sua idade também, e se relacione! — dei de ombros.
— Não, Carol! Eu não quero relacionamentos! Esse também é um dos motivos pelo qual não poderíamos ficar juntos. O que eu faço com as mulheres é coisa de uma noite. E você merece mais do que isso!
Sem perceber, Miguel admitiu que se importa comigo.
— Tá bem, agora me leve para casa! — falei.
— Não vamos comer naquele lugar em que combinamos na quinta? — perguntou-me.
— Melhor eu voltar para casa! — respondi.
— Caroline, eu não quero que se afaste de mim! — Miguel disse em tom de pedido.
— Você alegou que me vê apenas como sua sobrinha, mas eu sou a única que não posso te chamar de tio! Sugeriu que eu me encontrasse com outros rapazes, mas quer que continuemos nos vendo! Eu não estou te entendendo, Miguel!
— Tudo bem, eu vou te levar para casa! — ele se arrumou no banco e ajeitou a chave na ignição.
Mas não deu a partida. Quando virei meu rosto, ele estava me olhando. O sol já havia ido embora, a noite escura predominava no céu, e seus olhos brilhavam com a pouca iluminação da rua.
Fiquei olhando-o também. Se ele quisesse me dizer alguma coisa, poderia se encorajar. Mas ele não disse nada.
— E então? — indaguei.
— Nada. — negou com a cabeça. — Talvez seja melhor eu te levar para casa mesmo!