Terror Narrando
Me chamam de Terror. Mas meu nome de batismo é Iran Nazário. Só que ninguém ousa me chamar assim, nem minha mãe, nem minha irmã. Aqui no Chapadão, meu nome é lei. Filho do homem que construiu esse morro no sangue e na bala. Eu sou o legado. Tenho 25 anos, moreno, alto, tatuado, cabelo sempre na régua e os olhos escuros que já viram mais morte que muito polícia veterano.
Entrei pro corre cedo. Treze anos. Moleque ainda, mas com ódio no peito e sede de poder. Vi meu pai tomar tiro na costela e levantar como se fosse nada. Ali eu entendi o que era ser Nazário. Não tem choro, não tem recuo. É peito aberto e dedo no gatilho. Cresci assim, aprendendo que quem vacila morre, quem chora perde e quem sente vira alvo.
Mas nem o mais brabo vive pra sempre.
Eu vi meu pai morrer. Com esses olhos aqui. Cena que nunca saiu da minha mente. Era madrugada, tempo fechado, silêncio estranho. Invasão. Os cara vieram pesado, achando que iam tomar o morro no susto. Foi rajada de fuzil, granada estourando na viela, rádio gritando pedido de reforço. Meu pai, sem pensar duas vezes, pegou o colete e o fuzil, desceu pro front.
Eu fui atrás. Ele olhou pra mim, mandou eu ficar na lage. Atacar de cima. Mas quem conhece minha alma sabe que eu não recuo.
A gente trocou tiro junto. Ombro a ombro. Até que uma bala covarde acertou ele no peito. Bem no meio. A bala fina atravessou o Colete. Não deu tempo nem de gritar. Ele caiu no meu colo, o sangue quente escorrendo na minha mão. Os olhos dele vidraram no céu, como se tivesse se despedindo de tudo. Meu mundo parou ali. Mas o gatilho não.
Ali mesmo, com a camisa do meu pai suja de sangue, eu levantei e jurei que ninguém ia sair vivo dali. E não saiu. Eu juntei o bonde, engoli o choro, e fui pra guerra. Varreram o chão com sangue de traíra. O Chapadão chorou, mas se manteve de pé. Porque eu segurei.
Foi naquela noite que eu deixei de ser filho, e virei o dono.
Assumi o trono com sangue nos olhos. O respeito veio na bala. Quem tentou se opor, tombou. Quem duvidou, pagou pra ver. E viu a própria cova. Desde então, tudo que sobe e desce nesse morro passa por mim. Do carregamento que vem de fora até o menor que leva a mochila na garupa. Eu sei de tudo. E quem tenta esconder, vira exemplo.
Porque aqui, parceiro, eu não perdoo. Sou sangue frio, calculista. Meu olhar fala antes da minha boca. E quando eu falo, já era.
Minha família é pequena, mas é meu alicerce. Minha irmã, Lívia, tem 18 anos. Moleca esperta, tá na escola ainda, e eu faço de tudo pra manter ela longe desse mundo. Ela é o único pedaço de pureza que me resta. Ninguém mexe com ela. Se olhar torto, já era. Tenho olho em tudo. E quem toca nela, tá assinando a própria sentença.
Minha Coroa, essa é meu lado humano e racional, nessa vida que eu levo.
Meu braço direito é meu primo, o Brendo. Mas aqui ele é Bradock. Criado comigo desde pirralho, passou por tudo junto. Ele é minha sombra, meu espelho. Se eu penso, ele já entendeu. Se eu aponto, ele já fez. Não tem erro. Nós dois juntos somos dinamite com o pavio aceso. Onde a gente passa, o silêncio reina. E se escutar grito, é tarde demais.
Meu dia começa cedo. Café da manhã com o rádio na orelha, escutando os setor, conferindo se a boca tá fluindo, se o vigia tá ligado, se tem movimento estranho. Depois dou um giro no morro, passo de moto ou a pé, cumprimento os aliado, olho nos olhos dos menor. Gosto de mostrar presença, mostrar que tô no controle. Porque se vacilar, a estrutura racha. E se rachar, cai. E eu não deixo cair.
Já tive que fazer muita coisa que nem conto. Já enterrei traíra com a mão no peito, já tirei sorriso da cara de muito folgado com uma bala no meio da testa. Não sou de ameaçar, eu cumpro. Meu lema é um só: se vai mexer com o crime, tem que saber pagar o preço. Aqui não tem Disney, parceiro. É selva de verdade.
Já invadiram nosso morro de novo depois da morte do meu pai. Tentaram tomar. Mandaram recado. Eu respondi com caixão. Dei ordem pro bonde descer e varrer. Foi fogo cruzado, sangue na viela, e no fim do dia, era eu que ainda tava em pé, com a camisa suada e o olho vermelho de raiva. Perdi aliado, perdi amigo, mas mantive o trono. Porque no crime, quem vacila morre. E eu não vacilo nunca.
Mas não se engana achando que é só tiro, porrada e grito. Eu penso. Penso muito. Cada passo é calculado. Cada investida é medida. Eu não atiro no escuro. Meu jogo é de xadrez, não é de dama. Eu estudo o inimigo, conheço os pontos fracos, ataco no momento certo. É por isso que ninguém me pega. Polícia já tentou, rival já armou tocaia. Mas eu sempre saio um passo à frente.
Tenho informante dentro da civil, dentro da UPP, até dentro da facção rival. Pago bem, cobro caro. Quem trabalha pra mim, trabalha certo. Quem vacila, vira história.
Minha mente vive a mil. Às vezes acordo no meio da noite com barulho de tiro que nem foi real. Tô sempre alerta. Dormir tranquilo é luxo que eu não tenho. Mas aqui em cima, nesse trono de concreto, eu sou rei. E ninguém tira isso de mim.
Meu sonho? Nem sei se tenho. Talvez ver minha irmã se formar, sair desse inferno, ter uma vida digna. Talvez ver minha mãe sorrir sem medo. Ou talvez eu só queira continuar no topo até o último dia. Porque sair é quase impossível. E eu já aceitei. Minha vida é essa. O crime é minha casa. E se um dia for pra morrer, que seja atirando, de fuzil na mão e nome marcado na história.