CAPÍTULO TRÊS - O CONVITE

1642 Words
Foram precisos alguns minutos para que finalmente Marianna se afastasse de Gustavo e limpasse o rosto, outrora banhado por lágrimas tão frias quanto dolorosas. Ela respirou fundo e piscou algumas vezes na intenção de evitar que mais lágrimas fossem derramadas. A futura tecnóloga sentia tanta vergonha! Percebendo o desconforto da melhor amiga, Gustavo a advertiu com o olhar e segurou suas mãos. _ Melhor? _ Gustavo perguntou alguns minutos após Marianna se desvencilhar dele e secar o rosto inundado por lágrimas. _ Melhor. _ Ela balançou a cabeça e completou:_ me desculpe por isso, eu não costumo chorar na frente de outras pessoas. _ Não tem por que se desculpar, Mari. Aliás, eu ainda tinha dúvidas se você era mesmo humana, você parece suportar tanta coisa. _ Não imagina o quanto. _ Marianna, pela primeira vez, se deixou ser vulnerável na frente de alguém. _Ei, sou eu, seu melhor amigo, você pode me contar qualquer coisa. _ Imagina, não tenho nada demais para contar, só bobagens. Gustavo estava certo de que havia mais coisas pela qual sua melhor amiga queria chorar, mas achou melhor não insistir. _ Se algum dia quiser me contar, eu estou aqui, sempre vou estar. Ele sorriu com sinceridade. Ela retribuiu com um daqueles sorrisos raros que o deixava desnorteado por alguns segundos. “Somente amizade, Gustavo, somente amizade” A fala veio de seu subconsciente. _ Bom, agora que está mais tranquila, quer voltar e tentar entender o que aconteceu? _ Gustavo, com sua sensatez em dia, tentou intervir. _ Não, nesse momento eu não quero ouvir nada vindo da Natália. _ ela cruzou os braços, elevando o tom de voz. Marianna ainda ressentia as atitudes da amiga, por isso não estava disposta a ouvi-la naquele momento. _ Então, posso te levar até sua casa? _ O irmão de Angel procurou uma saída, sentindo-se levemente perdido sobre o que fazer. _ Não. Eu não quero ir pra casa! _ O terror passou pelos olhos de Mari e ela travou o maxilar ao responder, mas Gustavo apenas achou ter visto um vislumbre qualquer. _ Ah, tudo bem… tem um lugar que gostaria que você conhecesse. _ Sério? Que lugar? _ A garota sorriu de lado, sentindo o corpo finalmente relaxar da tensão que ela o submeteu. _ Ah, é um lugar que eu costumo visitar quando me sinto triste ou com algum problema. _ Então, vamos!_ Marianna sentiu o seu humor mudar e reprimiu o sorriso. Caminhando para um lugar desconhecido, a garota achou se tratar de uma façanha de seu melhor amigo para que ela fizesse as pazes com as melhores amigas. Com esse pensamento, a ruiva fez um teste com Gustavo: pediu para que os dois não passassem na rua da casa dele. Ele, sem hesitar, assentiu com a cabeça, o que a deixou confusa. Duas ruas depois da casa de Gustavo, ele parou de repente e olhou para Marianna com os olhos arregalados e coçou a cabeça. _ O que foi? Estamos perdidos? _ Foi a primeira coisa que Marianna conseguiu falar. _ Não, não. É que agora que lembrei de uma coisa. _ Diga de uma vez, Gus! _ O tom de voz de Marianna pairou entre divertido e irritado. _É que é um jardim e, bom, ele fica perto do mar. _ Ah… _ a garota deixou a fala no ar. _ Tudo bem, podemos ficar na pracinha aqui na próxima rua. _ Quer saber? Eu estou tão curiosa que quero conhecer esse jardim. _ Verdade? _ O rapaz sorriu de lado. _ Verdade, vamos! Novamente, eles se puseram a caminhar. Não demorou muito para que os dois chegassem ao seu destino, a placa dizia: “Jardim do Recomeço”. Marianna olhou, maravilhada, para os galhos que se entrelaçam na porta, deu combustível à sua imaginação, pôs a mão na maçaneta dourada e empurrou as portas, dando de cara com uma das cenas mais belas que ela já tinha visto. Havia árvores por todos os lados, mas o mais impressionante foi o lindo chafariz no meio do jardim. Marianna ficou parada por alguns minutos, absorvendo as novas imagens. O jardim possuía árvores com muitos tipos de flores: margaridas, rosas, girassóis, jasmins. Havia, inclusive, pessoas registrando o momento, mas Marianna sentiu como se estivesse a sós. _ É tudo tão lindo, Gus! _ Sim, é muito lindo e só estamos no começo, ainda há uma espécie de acompanhamento atrás do bosque. _ O sorriso de Gustavo se alinhava ao seu tom de voz empolgado. A garota ruiva parou de frente para cada árvore e, como numa espécie de ritual, ela passou as mãos pelas flores que estavam nos galhos mais baixos. Gustavo apenas observou tudo com atenção e feliz com a reação da garota amada. Depois disso, ela rodeou o chafariz, olhou para o melhor amigo como que prevendo alguma reação vinda dele, e, quando ele sorriu e balançou a cabeça em sinal positivo, pôs as mãos na água que escorria pela cascata. Analisando bem o chafariz, ela percebeu que ele tinha um formato de cruz. Marianna já havia ouvido suas amigas, e até mesmo Gustavo, falarem de uma cruz, mas ela não conseguia se recordar de onde. Tinha a ver com Deus, isso ela sabia. _ Falando sozinha? _ Marianna olhou assustada para Gustavo. _ Falando? Como assim? _ Você esboçou algo como “não consigo me lembrar” e bufou, você faz isso quando quer perguntar algo. _ Ah…eu só percebi a cruz e fiquei tentando lembrar em que momento ouvi vocês falando dela. _ Quer saber o que ela representa? _ Isso. _ Marianna balançou a cabeça. _ Pra eu te explicar sobre a cruz teremos que fazer uma viagem no tempo, topa? _ Sim! _ Muito bem. No início, logo depois da criação do mundo, Deus criou o homem e a mulher, Adão e Eva. Eles viviam num jardim, provavelmente muito mais bonito que esse, podiam comer de todos os frutos, exceto um, que era o fruto da árvore do conhecimento do bem e do m*l. Gustavo respirou fundo e continuou: _ Pra resumir: se eles comessem, morreriam. Muitos estudiosos, eu também tenho esse entendimento, de que a morte era mais do que um simples falecimento, mas sim o ato de separar, acabar com algo, nesse caso, foi a separação com o Pai, o Criador. _ Deixe- me adivinhar: eles comeram o bendito do fruto e morreram? Tanto fruto pra comer… _ Você acertou, eles comeram do fruto e perderam tudo, tanto o jardim quanto os momentos com Deus. _ Mas, o que isso tem a ver com a cruz? _ Tem a ver que, com a decisão deles, a maldade entrou no mundo. Deus enviou profetas, mas, mesmo assim, foi preciso que o filho dele, Jesus, morresse numa cruz para que pudéssemos ser salvos. _ Não sei se é errado pensar assim, mas do que eu preciso ser salva? não faz sentido. _ Da maldade. Ou vai dizer que, quando descobriu o que Natália fez, você não quis se vingar? _ É claro que sim, ela revelou um segredo importante, eu confiei nela! _ Marianna alterou a voz, ofendida. _ Desculpe, eu não devia ter tocado nesse assunto, só queria que entendesse que a gente é m*l por nascimento. Você sabia que Jesus teve um amigo que o seguia, mas negou conhecê-lo na hora que Jesus foi preso? _ Não sabia disso. Que tipo de amigo finge não conhecer o outro? _ O tipo de amigo que comete erros. O nome dele era Pedro. Depois que Jesus morreu, Pedro voltou à sua vida de antes, ele era pescador. Enquanto pescava, ele reencontrou Jesus, depois que este ressuscitou, e Jesus lhe perdoou. Pedro havia negado Jesus três vezes, Jesus perguntou, depois, se ele o amava três vezes. _ Uau, Jesus parece um cara legal, queria tê-lo conhecido. _ Acredite, Mari, você pode! Ele está vivo. Não o vemos como eu te vejo, mas podemos falar com ele. _ E ele nos ouve? _ Esse momento, justo nesse jardim, é a resposta das minhas orações. Marianna sentiu um friozinho percorrer sua barriga. Ela mordeu o lábio de um jeito nervoso e riu, sentindo o rosto ficar vermelho. Havia verdade na fala de Gustavo e ela sabia disso. Queria perguntar se Gustavo orava por ela, mas a vergonha não a permitiu. _ Como faço isso? _ Resolveu perguntar a segunda coisa que veio à sua mente. _ Orar? _ Ela balançou a cabeça em um decidido “sim” _ É simples, estamos conversando agora, não é? É só falar com ele, conta os seus segredos. _ Mas nós somos amigos, Gus. Nós já nos conhecemos e me sinto à vontade com você. _ Mari, me responda uma coisa: nós já nascemos amigos? _ Que pergunta, Gus, claro que não. _ E nós nos tornamos amigos mantendo diálogo, certo? _ Acho que entendi aonde você quer chegar, criar vínculo, né? _ Exatamente, criar vínculos. Vou aproveitar para te fazer um convite. Lembra que você foi no clube justamente para me chamar por conta do grupo jovem que vai ter na minha igreja? _ Sim, a Angel comentou comigo. _ Vamos comigo? Posso te deixar em casa depois, se ficar tarde. _ Não! não precisa me deixar em casa. _ O terror passou pelos olhos de Marianna. _ Desculpe, eu só queria ajudar. _ Dada a forma abrupta que Marianna respondeu, Gustavo pensou que se tratava de um fora. _ Tudo bem, Gus, eu só não quero ninguém comentando da minha vida, nem possíveis retaliações. _ Ela disse a última parte mais baixa para que Gustavo não ouvisse. _ Eu vou com você, só preciso avisar a minha mãe. Depois que a ligação não foi atendida, a garota mandou uma mensagem de voz: _ Então é melhor nos apressarmos ou chegaremos atrasados.
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