📖 Capítulo 9 – Entre Sombras e Decisões

1122 Words
📖 Capítulo 9 – Entre Sombras e Decisões Narrado por Olivia Dois dias depois da invasão, o peso do que vivi no morro ainda esmagava meu peito. As imagens dos tiros giravam na minha cabeça como um filme c***l, repetitivo e impossível de desligar. Cada barulho me lembrava daquele caos, cada sombra me lembrava do olhar intenso de Kael, da segurança que ele me ofereceu com mãos firmes e presença implacável. O medo queimava em cada fibra do meu corpo, misturado à confusão, à dor, à vontade de fugir. Eu não sabia direito o que sentir. Aquele mundo não era meu, ainda que meu coração começasse a gravitar em torno dele, e mais especificamente, em torno dele — Kael. Sentada na laje, o sol castigava minha pele, mas dentro de mim havia um frio que nem o calor do dia conseguia dissipar. Júlia estava ao meu lado, firme, segurando minhas mãos como se quisesse me ancorar ao presente, me manter ligada à realidade que eu ainda podia controlar. — Livi... — ela sussurrou, apertando minhas mãos. — Você não pode se deixar consumir assim. Não pode deixar esse medo te prender. — Mas como não deixar? — respondi, a voz quase um fio, trêmula. — Parece que a cada vez que eu fecho os olhos, vejo tudo de novo. Aquela confusão, o barulho, o perigo… Júlia olhou para mim, cheia de afeto e determinação, os olhos brilhando na luz quente da tarde. — A gente não pode controlar tudo, mas pode decidir como vamos reagir. Eu tô aqui com você, sempre. — Eu sei... — tentei sorrir, mas as lágrimas começaram a cair sem pedir licença. — Só que às vezes eu me sinto tão perdida, Júlia. Como se já tivesse me perdido de verdade. Ela me puxou para um abraço apertado, e naquele instante senti a verdade das palavras dela me atingindo com força. A verdade de que, mesmo cercada de dor e caos, ainda existia a possibilidade de respirar, de retomar algum controle, de escolher meu caminho. Naquela noite, sozinha no meu quarto, com o silêncio cortante, a memória do bar, dos tiros, do cheiro de pólvora e do calor de Kael ainda fresco na pele, tomei uma decisão dolorida. Era hora de voltar para São Paulo. Eu precisava enfrentar meu passado, meu pai, meus medos mais profundos. Precisava olhar de frente o que havia deixado para trás, antes de me jogar de vez em um mundo que não era meu, mas que começava a me chamar. Antes de partir, encontrei Kael na varanda. Ele estava lá, firme, imponente, quase como se fosse a tempestade que eu não sabia se queria enfrentar ou me abrigar. O olhar dele carregava intensidade, preocupação e algo que eu ainda não conseguia nomear. — Eu vou voltar — falei, tentando segurar o choro, mas falhando miseravelmente — não sei quando vou conseguir voltar aqui. Ele me encarou, fixando cada pedaço do meu rosto, tentando decifrar cada pedaço do que eu escondia, mas também tentando me proteger, mesmo sem palavras. — Você não precisa ir sozinha, Olivia — disse, segurando minha mão com força, misturando cuidado e um carinho que me fez sentir vulnerável. — Preciso. — neguei, com um sorriso triste, mas determinado. — Preciso fazer isso sozinha. Kael permaneceu em silêncio, apertando minha mão como se quisesse gravar cada detalhe daquele momento na memória. — Se precisar, eu tô aqui. Sempre. Eu assenti, tentando me convencer de que conseguiria enfrentar meus medos. Também me despedi de Júlia, prometendo que voltaria. Mas no fundo, uma dúvida ardia no meu peito: se aquele mundo me chamava, se Kael se tornava uma parte de mim que eu não podia ignorar, como eu poderia realmente ir embora? Narrado por Kael Olivia partiu, mas não saiu da minha mente. Cada minuto que passava, cada informação que chegava através do rádio ou dos olhares atentos de NK me mantinha inquieto. Queria saber onde ela estava, com quem falava, se estava segura. A frustração de não poder protegê-la pessoalmente me consumia. — Isso tá ficando perigoso demais — falei para NK, encarando o rádio que chiava na mão, tenso, os punhos cerrados. — Quero tudo sobre esse homem, o pai dela. Onde ele se esconde, com quem anda, quem protege ele. — O bicho é casca grossa, chefe — respondeu NK, sério. — Já fizeram até umas ameaças diretas. O medo cresceu junto com a preocupação. Numa noite fria, a notícia que eu mais temia chegou: alguém estava ameaçando Olivia. Alguém a seguia. O sangue gelou nas minhas veias, a adrenalina explodiu, e cada músculo do meu corpo gritou alerta. Não podia ficar parado. Não depois de ter prometido protegê-la. Arrumei minhas coisas com mãos trêmulas, respiração pesada e o coração acelerado. O morro poderia esperar — minha prioridade agora era ela. Eu ia para São Paulo. Pra Olivia. Cada passo em direção à cidade dela era carregado de tensão. Eu não sabia exatamente o que me aguardava, mas sabia que não podia perder tempo. Precisava chegar antes que qualquer perigo chegasse até ela, antes que qualquer sombra do passado dela se tornasse realidade. Durante a viagem, meus pensamentos voltavam àquela laje, ao bar, à cozinha, aos momentos em que ela, apesar do medo, havia decidido ficar. Cada gesto dela, cada palavra, cada olhar me mostrava que a escolha dela não era aleatória. Ela confiava em mim, mesmo sem entender totalmente o mundo em que eu vivia. E isso me deu ainda mais determinação. Quando finalmente cheguei, o bairro parecia silencioso, mas eu sabia que o perigo espreitava em cada esquina. Cada sombra era um possível inimigo, cada passo errado poderia significar desastre. Mas não podia falhar. Não agora. Vi Olivia de longe, ainda confusa, tentando manter a compostura. Ela estava sozinha, mas não completamente vulnerável — havia aprendido um pouco, os olhos atentos e o corpo em alerta mostravam que algo do morro havia ficado com ela. Mas ainda precisava de mim. — Olivia — chamei baixinho, mas firme, mantendo distância suficiente para que não se assustasse. Ela se virou, surpresa, e então vi nos olhos dela o alívio misturado ao medo. O reconhecimento de que, mesmo distante do morro, meu mundo a alcançava. — Kael… — sussurrou, sem conseguir esconder a tensão. — Não se preocupa — disse, aproximando-me com cuidado, mas sem perder o controle. — Tô aqui. Não vai acontecer nada enquanto eu estiver do seu lado. E ali, naquele instante, entendi algo que não admitiria facilmente: proteger o morro eu já sabia. Proteger alguém como Olivia… isso seria a minha maior batalha. Não era só questão de sobrevivência, era questão de manter intacta a única coisa que eu ainda não sabia se podia perder: ela.
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