01
DULCE Saviñon pov's
— Não, eu não vou. — era a quinta vez que eu repetia a mesma frase, mas Maite estava disposta a me convencer do contrário.
— O que acha que vai acontecer? É só uma reunião boba de ensino médio.
— Boba? Mais um motivo para não ir.
— Qual é, Dulce... — choramingou dando a volta na minha mesa e sentando-se em meu colo. — Imagina só você chegando toda linda, alguns te reconhecendo, outros te achando familiar e outros simplesmente sem fazer ideia de quem você é. "Oh, meu Deus, Dulce Saviñon? Como você está bonita!" — fez uma imitação engraçada. — E aí você vai dizer "Dra. Saviñon pra você".
— May, eu preciso que você entenda que eu não gosto da ideia de estar no mesmo ambiente de pessoas que eu nunca gostei e das quais não sinto falta.
— Eu também não gosto e nem sinto falta deles. Bom, da maioria deles.
— É claro, você era a rainha má do colégio. Todo mundo espera que você vá, mas ninguém imagina que você leve a sua priminha fracassada com você.
— Porque você não é uma fracassada. Todos aqueles anos se dedicando tanto aos estudos, faltando a todas as festas... — abraçou-me desconfortavelmente. — Agora é a melhor psiquiatra do mundo.
— Não exagere. — ri, tentando afastar aquele abraço invasivo. — E você está invadindo o meu espaço pessoal.
— Dulce — ela ficou de pé e ficou séria. — É só uma noite. Você nem precisa ficar muito. Se começar a odiar, você me avisa e nós vamos embora.
— E... quem vai estar lá? — desviei o olhar.
— Alfonso, Vanessa, Christian, Derick, Anahi, Charles... — começou a citar.
— Essa lista ainda não acabou. — a olhei com desconfiança.
— Essas são as pessoas importantes, as que sempre foram legais com você.
— May. — cruzei os braços e cerrei os olhos.
— O que? O Christopher? É, ele vai. Bom, ele foi convidado. — deu de ombros. — E daí? Vocês são adultos agora, ele não vai derrubar os seus livros ou jogar o seu trabalho de literatura no lixo. Relaxa.
— Se eu disser que vou você vai embora agora? — olhei meu relógio. — Eu tenho que atender um paciente.
— Sim! — sorriu. — Passo na sua casa às seis pra gente se arrumar juntas. Thauzinho! — ela me jogou um beijinho no ar e saiu pela porta.
Maite e eu sempre fomos extremos opostos desde que nos entendemos por gente. Ela sempre amou fazer amizades e socializar em cada canto que ia. Sua maior especialidade era chamar atenção. Não foi à toa que ela se tornou a rainha do baile de primavera, baile de boas vindas e baile de formatura.
E apesar de ser bem mais amada do que eu, ela nunca me deixou de lado. Fazia o possível para me incluir, mesmo que eu sempre estivesse me negando a sentar no refeitório com ela e seus amigos de nariz empinado. Ficar sozinha no meu canto sem nenhuma distração foi uma escolha minha. Isso me proporcionou bons frutos no futuro e agora eu havia me tornado uma psiquiatra renomada, com conquistas únicas em minha carreira e um sobrenome de peso.
Também acabei mudando muito a minha aparência. Tirei o aparelho, joguei fora os óculos fundo de garrafa após uma cirurgia a laser, aprendi a me maquiar, comecei a usar o meu cabelo solto e sempre muito bem hidratado, assim como a minha pele, que agora era macia como veludo, sem nenhum resquício das tantas espinhas de antes.
May tinha razão. Talvez poucas pessoas me reconhecessem e com sorte Christopher seria uma delas. Eu continuava o odiando mesmo depois de tantos anos. Ele sempre foi o demônio no meu inferno particular e meu primeiro instinto ao vê-lo era procurar um caminho por onde eu pudesse passar bem longe dele.
Coisas como derrubar os meus livros, colocar o pé no meu caminho para que eu caísse, jogar minhas coisas na lixeira, fazer piadas grotescas e me colocar apelidos maldosos eram só uma parte do que eu tinha que aguentar todos os dias durante três longos anos. Fugir de Christopher tomava tanto a minha energia quanto estudar.
Mas confesso que eu estava curiosa para saber o que ele fez com a própria vida. Nunca achei que ele poderia se tornar alguém bem sucedido ou algo do tipo. Uma coisa que me confortava era dizer para mim mesma que num futuro hipotético eu seria sua chefe e ele teria que caminhar conforme as minhas regras.
Eu poderia passar aquela noite bem quietinha observando e respondendo apenas quando alguém me perguntasse alguma coisa. Assim como no colegial.
[•••]
Terminei todas as consultas que tinha naquele dia e fui direto para casa. Maite apareceu com muitas ideias de como nós deveríamos nos vestir e ela parecia bem disposta a me fazer mostrar muita coisa. Era animador para ela saber que eu voltaria a ver aquelas pessoas que tanto duvidaram da minha capacidade de ser bonita. E após algumas discursões, eu aceitei vestir o vestido preto colado com alças finas que ela havia gostado.
Deixei meu cabelo solto, fiz algumas ondas e as baguncei para ter um visual mais despojado. Caprichei na maquiagem dos olhos e na boca usei apenas um gloss. Para completar, uma sandália de salto preta que me deixou com uma postura bem sensual. Eu estava de arrasar.
May também não ficou para trás naquele vestido vermelho com um decote que ia até o seu umbigo. E claro, seus lábios combinavam com a roupa.
— Eu pegaria nós duas. — ela disse enquanto nos olhávamos no espelho.
— Parece que os meus planos de não chamar atenção foram por água abaixo. — falei.
— Dulce, se tem uma noite em que você precisa chamar atenção, essa noite é hoje! Agora vamos.
Fomos no meu carro e chegamos até a casa de Alfonso. Ele havia conseguido se dar bem na vida. Se tornou jogador de um grande time de beisebol e eu poderia dizer que chovia dinheiro sobre ele. O cara era tão rico que tinha o próprio barzinho em casa.
Assim que entramos eu reconheci alguns rostos. As pessoas notaram a nossa presença e nos cumprimentaram. Na época do colégio, mesmo que eu estivesse ao lado de Maite, todos só falavam com ela. É, agora eu não sou mais tão invisível assim.
— Maite! — Alfonso vinha até nós sorrindo largamente e de braços abertos para May. Os dois se abraçaram. — É muito bom te ver. — eles se soltaram do abraço e Alfonso olhou pra mim com o cenho levemente franzido. — E você é a...?
— A Dulce. — May disse com orgulho.
— O que? — ele ficou boquiaberto e me deu uma olhada de cima a baixo. Eu não gostava de quando me olhavam tanto. — Uau... você está incrível.
— Obrigada. — sorri. — Adorei a sua casa.
— Se quiser, eu posso te mostrar um pouco dela. — tinha uma segunda intenção ali.
— Oferece uma bebida antes. — May disse. — Nunca muda, Alfonso?
— Eu só estou sendo um bom anfitrião. — riu.
— Sei. — ela o olhou com desconfiança.
— May! — uma loira que eu logo reconheci gritou vindo até nós. — Meu Deus, você continua tão linda quanto eu me lembrava.
— E você ainda é um amor de mulher, Anahi. — May disse antes das duas se abraçarem.
— Espera — Anahi olhou para mim. — Dulce? — arqueou as sobrancelhas.
— Como conseguiu reconhecê-la? — Alfonso perguntou. — Ela está muito diferente.
— Eu sou bem observadora, Alfonso. — ela respondeu. — Parabéns, Dulce, você venceu na vida, hein? — bateu palminhas.
— Sim, eu venci na vida, mas não por ter ficado bonita. Venci na vida por ter um PHD em psiquiatria. — falei na defensiva.
— Uau. — Anahi ficou boquiaberta.
— Acaba de ficar dez vezes mais atraente. — Alfonso disse.
— Acho melhor a gente ir beber um pouco. — Maite disse segurando a minha mão. — Bom ver vocês. — começamos a nos afastar em direção ao bar. — Caramba, você arrasou!
— Não acha que eu fui grossa? — fiquei insegura.
— Mulheres bonitas e bem sucedidas são grossas.
Pedimos duas cervejas ao barman e aos poucos mais algumas pessoas vieram falar com a gente. May sempre dava um jeito de me fazer participar das conversas e eu ficava tentada a mandar pararem de olhar para mim como se eu fosse alguma coisa de outro mundo. É, a nerd mudou, e daí?
Sentei em uma das mesas e aguardei May voltar do banheiro. Já era o meu sexto drink e eu já estava ficando alta. Dispensei alguns caras que me deram cantadas e elogios ruins e dei graças a Deus quando as pessoas começaram a ficar bêbadas e esqueceram da minha presença.
Dei uma olhada em volta e de repente mirei o bar. Tinha um cara me encarando, mas não um cara qualquer. A jaqueta de couro era diferente, os anéis nos dedos talvez ainda fossem os mesmos e aqueles olhos castanhos... aqueles malditos olhos castanhos com toda certeza não haviam mudado nada. Ele deu um gole em sua cerveja sem desprender os olhos de mim e eu o encarei de volta, com minha expressão mais séria. Ele teria me reconhecido?
Christopher secou toda a sua cerveja, deixou a garrafa sobre o balcão e ficou de pé vindo na minha direção. Meu rosto esquentou no mesmo instante e o meu instinto me dizia para fugir, mas eu me obriguei a ficar parada onde estava. Vocês são adultos agora, a voz de May ecoou em minha mente.
Christopher parou em pé na minha frente e me lançou um sorriso de canto bem galanteador.
— Deve ser a acompanhante de alguém, certo? — ele perguntou. — Se eu tivesse estudado com alguém como você, com certeza eu me lembraria.
— Alguém como eu? — arqueei a sobrancelha e sorri cinicamente, apoiando meu queixo em uma das mãos.
Ele apoiou suas mãos na mesa e deixou seu rosto próximo ao meu.
— Alguém tão absurdamente linda como você. — sussurrou, o hálito de menta roçando na superfície dos meus lábios.
Continuei sorrindo para que ele achasse que havia mesmo um clima entre nós. Era cômico ver Christopher Uckermann desejando a garota que mais importunou na vida. Ele puxou a cadeira ao meu lado e sentou-se, pronto para dar continuidade aos seus flertes.
— Atenção! — Christian subiu no palco e começou a falar no microfone. — Eu estou achando essa festa um pouco pra baixo. Que tal um jogo? — todos levantaram os copos e deram gritinhos. — Conhecem o jogo das chaves? — ele pegou um pote de vidro. — Todos os homens colocarão as chaves de seus carros aqui. Cada mulher irá pegar uma chave e o dono dela será a pessoa com quem ela irá passar uma noite inteira.
— Só tem uma pessoa aqui com quem eu gostaria de passar a noite. — Christopher disse me olhando de relance.
— Não sei... um jogo até que seria interessante. — qualquer coisa seria melhor que passar a noite com ele.
— Se você acha interessante... — ele tirou uma chave do bolso. — Ok. — sorriu e se pôs de pé. — Eu ainda não sei o seu nome.
— Se você tiver sorte, poderá descobrir. — dei uma piscadela.
Depois que Christopher se afastou, eu avistei Maite vindo até mim. Ela parecia confusa e mesmo estando vindo na minha direção, olhava na direção de Christopher.
— O que vocês conversaram? — ela perguntou assim que estava perto o suficiente.
— Nada. Ele só deu em cima de mim.
— Ele não te reconheceu? — sorriu perversa.
— Não.
— Isso abre um mar de possibilidades. — May olhou para o palco, onde os homens deixavam suas chaves.
— O que você vai fazer? — perguntei com desconfiança.
— Eu posso falar com o Christian e...
— Eu não vou passar a noite com o Christopher.
— Ninguém está dizendo isso. Você poderia dar uma lição nele.
— Já foi divertido o suficiente ver ele tendo interesse em mim. Qualquer aproximação a mais me daria arrepios e não do jeito bom.
— Mas você vai jogar? — acenou com a cabeça agora para as mulheres pegando as chaves.
— Faz muito tempo que eu não saio com ninguém, acho que uma coisa mais casual seria bom. — dei de ombros.
— Quem te viu, quem te vê. — sorriu. — Vamos antes que as chaves acabem. — ela pegou minha mão e me levou para o palco.
Fechei meus olhos, coloquei a mão dentro do pote, dei uma bagunçada e peguei uma das chaves. Depois disso todos fomos para o estacionamento e as meninas começaram a brincar indo de carro em carro, tentado achar o carro correspondente a cada chave.
Vi Anahi destravar a porta do carro de Charles e os dois saíram logo em seguida, May acabou com Travis, um dos caras da sua lista de ex namorados que ela ainda pensava em pegar. E eu, na minha quinta tentativa, fui até um Plymouth 'Cuda modelo de 1970 preto, muito bem conservado. O dono provavelmente era um colecionador vintage, pois a lataria brilhava e o carro cheirava a caro. Estava torcendo para que a porta abrisse, pois só de andar naquela belezinha a noite já valeria a pena.
E assim que girei a chave a porta destravou e eu a abri.
— Deve ser meu dia de sorte. — meu sorriso morreu assim que eu ouvi a voz dele atrás de mim. — O destino quer mesmo a gente juntos hoje.
Virei-me para ele e dei o meu sorriso falso mais disfarçado que pude. Christopher Uckermann era dono daquele carro incrível? O que ele fazia da vida? Traficava drogas? Ele nunca foi bom em nada, duvido que tenha ido para a universidade.
— E então, gata... — ele deu a volta e abriu a porta do passageiro enquanto olhava para mim. — Na sua casa ou na minha?
— Na minha. — me sentiria muito mais segura debaixo do meu teto.
Fui até a porta do passageiro e me preparei para entrar, mas ele me impediu ao segurar o meu braço e se aproximar de mim, encarando-me com um desejo que saltava de seus olhos.
— E qual é mesmo o seu nome? — perguntou.
— Esta noite, você pode me chamar de doutora. — dei uma piscadela.
— Oh... — soltou um suspiro. — Eu vou gostar disso.
Não estava nos meus planos que eu pegasse justamente a chave do carro dele, mas já que o destino quis assim, eu poderia seguir a ideia de May e me divertir um pouco com a situação. Christopher comeria na minha mão naquela noite.