Capítulo 03 Viviane

1666 Words
Viviane Narrando Acordei antes do sol, com aquele peso no peito que parecia um tambor batendo sem parar. Fiquei um minuto olhando pro teto, pensando em quanta merdä eu tava prestes a aceitar por causa do Paulo César. Levantar cedo nunca foi problema — trabalho desde os quinze — mas hoje levantar tem gosto de vergonha e nojo junto. Fui pro banheiro, tomei um banho com direito a esfoliação com direito a lavar o cabelo. Mas sai do chuveiro sentindo meu coração batendo na nuca, escovei os denteslavei a cara com água fria e por um segundo achei que ia vomitar. Tremia, mas levantei firme. Tenho que preparar tudo: as roupas, a comida, o perfume — porque pelo visto até a aparência tem que tá no esquema pra agradar quem tá pagando a conta. Me peguei escolhendo a roupa mais decente que eu tenho, como se roupa pudesse esconder o que eu ia ter que fazer. Ridículo. O problema nem é dar pra alguém… disso eu sempre soube que um dia podia acontecer, o mundo é c***l, ainda mais pra mulher sozinha no morro. O que me mata é a humilhação. A pørra da humilhação de ter que ir até lá, me sujeitar, me rebaixar pra entrar num presídio e olhar na cara de homem que manda e desmanda enquanto eu tento fingir que tô no controle. Respirei fundo, encarei a sacola em cima da cama como se fosse ela o problema. Abri devagar, vi as roupas dobradas, o respirei aliviada assim que vi que era uma roupa simples, o cheiro de novo . Passei a mão por cima e fechei os olhos por um segundo. Queria poder acordar e descobrir que era só mais um pesadelo. Mas não é. Peguei a calça legging mais apertada, vesti devagar, tentando não pensar no porquê daquela roupa ter que ser “bonita”. Vesti a blusa branca e ajeitei o cabelo. A ruiva do morro agora parecia pronta pra guerra, não pra visita. No espelho, minha cara não mente — o olhar tá duro, mas a alma cansada. — Tu vai conseguir, Viviane… — murmurei pra mim mesma, baixinho. Falei, mas nem eu acreditei. Pensei no desgraçado do Paulo César, com certeza levou vários pontos nas pernas. E eu aqui, com o coração acelerado, indo pagar o preço da burrice dele. Cada vez que lembro, sinto o sangue subir, mas a raiva não vence o medo. Desci para finalizar o que eu já havia começado a noite. Mesmo com a mente a mil eu cozinhei de olhos abertos, cada barulho da panela parecia um relógio marcando o fim de alguma coisa. Pensava no meu irmão no chão, suando sangue, pedindo. Eu sou irmã dele. E eu nem estou acreditando que aquele filho da püta me botou nessa. Mas família é família, e eu não ia posso deixar ele morrer por orgulho. Nem mais um minuto pensando se isso me quebra, porque quebra, mas eu prefiro quebrar pra poder continuar respirando do que enterrar quem sobrou. Depois de tudo finalizado. Me olhei no espelho pela terceira vez, tentando me convencer de que eu tava pronta. Mas será que tava mesmo? — Vai dar tudo certo, ruiva. Tu só vai lá, faz o que tem que fazer e volta. Balancei a cabeça, bufando. Quem eu queria enganar? Não era só uma visita. Era ele. Malfeitor. — c*****o, Viviane, onde tu foi se meter? — resmunguei, ajustando a roupa que Cuscuz trouxe. Calça legging branca, blusinha soltinha, sutiã bege sem bojo – roupa ‘adequada’, segundo ele. Pelo menos não era nada muito vulgar. Passei os dedos pelos cabelos soltos, fiz um coque frouxo e dei uma última olhada na minha cara de poucos amigos. — Agora já era. — Sussurrei para mim mesmo saindo do quarto. Peguei as bolsas com as refeições e saí de casa. Simples, pequeno, mas meu. A última coisa que ainda é só minha. Fechei a porta, travei a respiração e dei o primeiro passo. Agora já era. A ruiva vai pra cadeia Entrei no carro e Cuscuz já tava no volante, mascando chiclete e me olhando pelo retrovisor. — Tá prontinha pra dar felicidade pro homem, ruiva? — Ele riu, me olhando de cima a baixo. — Só dirige, arrombado. — Soltei sem medo nenhum, praticamente criada junto com eles. Ele gargalhou e jogou uma carteirinha no meu colo. — Isso aqui é a carteirinha de visitante. Quando chegar lá, tu vai procurar o Barbosa. Ele já tá ciente e vai te levar até onde Malfeitor tá. — Barbosa? — torci o nariz. — O guarda. Gente fina. Fecha com a gente. — Cuscuz fala me encarando pelo retrovisor. Bufei e cruzei os braços. — E como vai ser essa merdä? Eu chego lá, falo com o cara e ele me leva direto pro Malfeitor? — Falo me sentindo um peixe fora d'água. — Basicamente. Mas, primeiro, tu passa pelo procedimento padrão. Raio-x, revista… essas paradas. — Fico mas aliviada porque mudou muita coisa, nas revistas. — Ah, ótimo. Mais humilhação. — Mas mesmo assim é humilhante. — Tu que quis pagar a dívida, ruiva. — Ele sorriu, cínico. — Ele fala me olhando pelo retrovisor. — Como se eu tivesse escolha. — Ele só riu e seguiu o caminho. O portão já tava cheio de mulher. Um bando de gente conversando, rindo, outras impacientes. Um verdadeiro festival de barraco ambulante. Entrei na fila e logo senti os olhares. — E aí, cunhada? Veio ver quem? — Uma delas se aproximou, mascando chiclete e me medindo com olhar curioso. — Nenhum da sua conta. — Ela riu e cutucou a amiga. — Ih, metida. Deve ser novata. Primeira vez, né, princesa? — Fiquei calada, olhando pro lado. — Deixa de marra, ruiva. Todo mundo aqui tá na mesma. Vai ver teu macho e pronto. Revirei os olhos, segurando a vontade de responder. Não ia perder tempo discutindo com essas mulheres. A fila andou. Passei pelo raio-x, segurando a respiração enquanto me revistavam. Nada muito invasivo, mas ainda assim desconfortável. Depois que terminei, encontrei o tal Barbosa, um cara de cara fechada e olhar atento. — Viviane? — Ele falou me olhando de cima embaixo. — Sim. — Respondi seca. — Me acompanha. — Respirei fundo e fui. Fui atrás dele pelos corredores cinzentos. O cheiro de mofo misturado com cigarro era forte. O barulho de portões de ferro se abrindo e fechando ecoava pelo espaço. Meu coração tava disparado. — Está nervosa? — Barbosa perguntou, abrindo outra porta. — Eu? Imagina. Tô tranquila pra caralhø. — Eu não ia deixar amarra cair né? Ele riu de leve. — Relaxa, Malfeitor já tá te esperando. — Era isso que me preocupava. Respirei fundo quando a porta final se abriu. E lá estava ele. Malfeitor. Sentado numa cadeira, perna aberta, olhar preguiçoso, mas afiado. Assim que me viu, sorriu de lado, daquele jeito perigoso. — Pørra… até que enfim, hein, ruivinha. — Falou com a voz grave. Ele me olhou de cima a baixo, olhar pesado, escuro, daquele jeito que fazia qualquer uma travar. Mas eu não ia dar esse mole. Malfeitor levantou devagar, sem pressa, fazendo um sinal pro Barbosa sair. O guarda nem questionou, só bateu a porta atrás de mim, me deixando sozinha com ele. Coloquei as bolsas em cima de uma mesa de plástico no canto, tentando me concentrar em outra coisa que não fosse a presença dele me sufocando. — Pørra, ruivinha… não imaginei que tu ia topou uma pørra dessa, não. — A voz dele veio arrastada, com um deboche que me fez cruzar os braços. — Por quê? Achou que eu ia amarelar? — Achei que tu era direita. Sempre respeitei isso. Mas vou falar a real, tu sempre foi um dos tesãø que eu segurei na moral. Ele foi falando isso chegando perto, perto demais. Minha pele se arrepiou no ato. A perseguida já tava batendo palminha por conta própria. Mas eu não podia deixar ele perceber isso. — Nossa, é bom saber que eu fui desejada assim pelo grande Malfeitor. — Falei carregada de marra, tentando segurar minha confiança. — Não bota "grande" nisso. — Ele riu de canto, a mão pesando no meu pescoço, sem apertar, só mostrando que podia. — Mas eu nunca fui de catar qualquer uma só porque é gostosa. Minha respiração falhou quando ele baixou a cabeça, enfiando o nariz no meu pescoço, puxando o ar fundo. — Caralhø… cheirinho de morango. Já me deixou de paü duro, gostosa. Meu corpo deu um espasmo, não tinha como evitar. Ele se afastou só o suficiente pra me encarar, e eu vi o brilho malicioso nos olhos dele. — Senta aí. Come alguma coisa. — Deu a ordem marca dele,né? Ajeitei a cadeira, tentando fingir que minha perna não tava bamba. Como o cara tem essa presença, meu Deus? Ele abriu as vasilhas, colocando tudo na mesa, e o canto da boca dele puxou num sorriso. Era a primeira vez que eu via Malfeitor sorrir. — Tu fez meus pratos preferidos, ruivinha? — Coincidência. — Falei ele riu de leve, mas não insistiu. Sentou e começou a comer em silêncio. O clima ficou tenso, não por medo, mas por outra coisa que eu nem sabia explicar. Comi pouco, mas pra enganar. Malfeitor percebia tudo. — Tá nervosa? — Ele perguntou. — Tô de boa. — Respondi com a mão suada. Ele riu, jogando o garfo na mesa. — Fica nervosa, não. Nervosa tu vai ficar quando eu tiver socando fundo dentro de tu. Minha boca secou. Putä que pariu. Ele levantou, pegou a garrafa d’água e virou um gole antes de me encarar de novo. — Bora, ruivinha. Agora eu vou descarregar um pente que não descarrega tem quase trinta dias. Porque eu não queria comer qualquer bøceta. Um frio percorreu minha espinha. Se o cara já era bruto na vida ativa, imagina trinta dias sem nada? Eu engoli seco. Agora já era. Continua....
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD