Capítulo 2

1281 Words
Serena Um gramado extenso, de um verde impecável, margeia um caminho reto de quase trinta metros. A poucos passos dali, uma vista deslumbrante do Rio Hudson se abre majestosamente em direção ao Oceano Atlântico, embora escondida atrás do enorme prédio cinza à minha frente. A coisa mais chocante sobre esse lugar é o quão incrível é sua aparência. Há sons de risos e conversas vindos de uma área externa, onde algumas dezenas de mulheres em macacões laranja se divertem. O contraste é desconcertante. Uma única entrada e uma única saída. Três cercas de arame farpado delimitam o perímetro e convergem para os portões principais do Centro Correcional Feminino Toppan Gottfried. Nos recantos úmidos de Nova York, mais precisamente na ponta sul de Staten Island — de onde, em teoria, se pode nadar até Jersey —, ergue-se essa prisão para mulheres. Guardas me observam atentamente enquanto passo pela entrada da unidade. Não é a primeira vez que visito alguém atrás das grades, mas é a primeira vez que verei minha irmã desde que ela foi condenada. Estou aliviada por não haver repórteres desta vez — diferente do i****a que enfiou um celular na minha cara semanas atrás. As revistas e noticiários não demoram muito, principalmente porque estou vestindo uma blusa simples de cor marfim e uma saia lápis discreta. Meus saltos escorregam facilmente dos pés para inspeção. Quando se certificam de que não escondo nada, um guarda me acompanha até uma sala de visitas. Lá dentro, há apenas duas pessoas: minha irmã, sentada a uma mesa, e um guarda na porta, que se retira assim que me sento. Shayra Mancini Esposito tem os mesmos olhos castanho-escuros do nosso pai e os cachos negros da nossa mãe. Está maquiada, com as unhas recém-feitas e uma aparência mais saudável do que eu esperava. Talvez até tenha feito alguma cirurgia. — Você está linda, Shay — digo, puxando-a para um abraço. — E você precisa de um pouco de sol, Evil — ela sorri, me soltando ao som de um pigarro do guarda, lembrando-nos de que toques não são permitidos. Nossos apelidos de infância me fazem sorrir com ela. Ela sempre dizia que eu era um diabinho manipulador. Não vou mentir — tive meus momentos. Mas, agora adultas, nosso vínculo supera qualquer provocação juvenil. Shayra é seis anos mais velha e, mesmo com um macacão de presidiária laranja-tangerina, faz os 31 parecerem fenomenais. — E a comida? — pergunto, tentando manter a leveza. — Melhor do que a sua não é — ela ri. — E como estão a mamãe e o papai? — Mamãe está ocupada sendo ela mesma, cuidando de tudo. E papai está... sendo papai. Ela assente lentamente. — E os outros? Roman e Courtney? — Inquietos — conto sobre seus filhos de oito anos. — Roman é mais calmo, mas Courtney... ela tem a nossa ousadia. — Estão na escola ou com a mãe? — Agora estão com a mamãe. Eles precisam de você, Shayra . Os dois precisam. Sinto o calor subir ao meu nariz enquanto os olhos se enchem d’água. Shayra estica a mão e toca brevemente a minha antes de retirá-la. Este não é lugar para lágrimas. — Serena, você precisa se manter firme com a Família. Ajude a mamãe e tudo ficará bem. Quando falar com o papai, diga a ele que “o jantar” é a melhor opção para nós. É o que os convidados aqui acham também. Meu coração dispara. Conheço esse tipo de código. “O jantar é a melhor opção” = um tratado com outro m****o da La Familia. “Convidados aqui” = guardas e detentas em quem ela pode confiar. “Convites” = famílias envolvidas. “Sobras” = proteção. — Já tenho a lista de convidados. E estamos comendo bem — ela sorri, firme. Está segura. Mas ainda assim... há algo nela que não reconheço. — Só não entendo como você recebeu o convite antes de mim — murmuro. Mesmo presa, Shayra ainda tem mais acesso à organização do que eu. O que mais preciso fazer para que me levem a sério? — Fácil, Você está prestes a vomitar. Espera só até descobrir quem vem jantar. — Quem? — Dário. O nome dele cai como um peso no peito. Dário Castellano. Um nome que provoca medo nos homens mais cruéis desta cidade. E desejo. Ele é perigoso, letal, e absurdamente sexy. Mas isso não significa que quero ele no nosso “jantar”. — Shay... o que vamos levar ao jantar? O vinhedo? Ela entende a metáfora. Os Mancinis possuem um imóvel cobiçado que chamamos de “vinhedo”. Mas não é uva que se cultiva ali — é poder, influência e guerra. — O jantar vai precisar de mais do que vinho. Papai acha que o vinhedo não basta. Precisamos que todos saibam: isso não é só um jantar em família. — Alguma notícia dele? — Shayra olha para a aliança simples no dedo. As joias caras estão guardadas com nossa mãe. Na prisão, ostentação é um risco. — Tempo encerrado, Esposito! — o guarda avisa da porta. Não devem ter se passado mais do que vinte minutos. Mas parece tão pouco. Tão insuficiente. — Não sei onde está aquele canalha e não me importo. Ele te abandonou, Shay. Você, as crianças... toda a maldita família! Minha mão bate na mesa com força, ecoando na sala e fazendo o guarda se mover. Shayra chora. — Você não entende, Serena. Não entende o que eu faria por ele... e o que ele faria por mim. — Não se engane. Você está aqui. Ele não. Isso diz tudo. — Quando se ama alguém assim, nada te convence do contrário. Eu sei que ele vai mudar de ideia. Estamos juntos desde crianças. Ele não vai nos abandonar. Apenas espere. Soa mais como uma súplica a si mesma do que a mim. — E se ele não mudar? Ela se vira. — Então eu cuido disso quando voltar para casa. Como se isso fosse semana que vem. Como se essa prisão fosse só um intervalo. Quando saio, tudo parece claustrofóbico. O concreto da prisão, o céu opaco, o calor sufocante. Salvatore está me esperando no carro. — Ela não pertence a esse lugar — digo, chorando. — Eu sei, Serena. Estamos trabalhando em algumas coisas. Dou um passo para trás, desconfiada. — Quem é “nós”? Por que todo mundo sabe antes de mim? O que eu tenho que fazer para ser levada a sério? — Nada. Só entre no carro. Seu pai quer vê-la. Entro no carro, mordendo a raiva, retocando a maquiagem. Salvatore me observa pelo retrovisor com aquele olhar grave de sempre. Passamos pela cidade até parar em frente à Catedral de São Cristóvão. — Achei que íamos jantar. — Este é o jantar, Serena — diz Salvatore, como se todo mundo soubesse, menos eu. Dentro da igreja, homens discutem. Um deles se destaca: Dário Castellano. — Isso não era pra acontecer, Tommaso! Você sabe disso. Eu sei disso. Ela vai virar e, honestamente, tem todo o direito! Quem faz isso? Sua voz é grave, feroz. A cicatriz em seu rosto é apenas uma linha pálida sob a barba bem aparada. Seu terno é cinza-escuro. Os olhos, de um azul gelado, param em mim. — Podem me explicar o que está acontecendo? Pai? Meu pai se aproxima, forçando um sorriso. — Os Rinaldi estão avançando. Precisamos de força. De união. Dário dá um passo à frente. Minha reação é recuar, mas sua mão me segura firme pelas costas. — Não tão rápido, dolcezza. Você realmente achou que poderia me deixar no altar?
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