Capítulo 02

1516 Words
Tentava a todo custo terminar de ler os cinco relatórios que foram colocados na mesa do meu escritório sobre as vendas/compras/depósitos/contas de toda a rede de farmácias que eu administrava, o problema é que todo o meu pensamento estava concentrado na cirurgia que ocorreria dentro de uma semana. Fazia cerca de duas semanas desde que eu havia descoberto que teria que retirar o útero. Thiago nunca mais apareceu, muito menos enviou qualquer mensagem ou fez sequer uma ligação para saber sobre o meu estado. Por mais que tudo estivesse doendo mais do que eu pudesse imaginar, aos poucos estava tentando tirar o fato de que agora o meu namoro de cinco anos havia terminado e que eu não iria mais casar, muito menos gerar um bebê. Após o expediente na farmácia, eu tinha cerca de meia hora de psicóloga por dia para tentar ficar mais calma e segura. A minha primeira seção foi extremamente desconfortável e angustiante. Mesmo que a doutora que me atendeu fosse jovem — talvez alguns anos a mais do que eu —, ainda assim eu estava contando toda a minha vida — principalmente as últimas semanas — para uma estranha que estava recebendo em troca para me escutar. E o que eu achava que não daria certo, fora um exercício que me fez sentir melhor já no primeiro dia. Lorena chegou ao meu apartamento perto das 20h com diversas sacolas penduradas em seus braços. Ela com certeza havia feito compras. — O que é tudo isso? — Perguntei curiosa, ajudando-a se soltar das sacolas. — Trouxe todo o tipo de porcaria que encontrei no mercado. — Respondeu. — E por qual motivo fez isso? — Perguntei achando graça. — Porque daqui uns dias minha melhor amiga fará uma cirurgia e terá que comer apenas comidas saudáveis. — Explicou. Eu tinha ou não a melhor amiga do mundo? Envolvi Lorena em um abraço apertado e ela me apertou ainda mais.  "Amo você" foi o que ela cochichou no meu ouvido, tão baixo que se a televisão da sala estivesse ligada eu certamente não teria escutado. Retribui as palavras com carinho, mesmo ambas sabendo que não era necessário falar, apenas com as nossas trocas de olhares sabíamos o que significava. Enquanto eu encontrava todos os tamanhos de potes — que mamãe havia me dado — para despejar os salgadinhos e doce que Lorena havia comprado. Certamente naquela noite engordaria bons quilos que fariam diferença quando eu precisasse entrar nas roupas mais apertadas que havia em meu guarda-roupa. Já minha melhor amiga, estava escolhendo uma lista de filmes que poderíamos assistir pelo resto da nossa noite, até que as besteiras viessem a terminar. — O que você planeja fazer agora? — Perguntou Lorena, quando as palavras com os nomes dos atores, atrizes, e agradecimentos começaram a aparecer na tela da televisão. — Como assim? — Perguntei confusa. — Pretende encontrar outra pessoa? — Perguntou. Sabia que ela estava esperando que eu respondesse um “sim”, para que talvez seu coração ficasse mais calmo a respeito do que estava acontecendo naquele momento na minha vida. O problema é que eu não havia planejado nada — na verdade considerava cedo —, ainda havia tantos problemas que eu teria que enfrentar por conta da cirurgia, o tempo de repouso, entre outras coisas que deveria me preocupar mais do que com um futuro namorado. — Eu não quero ninguém. — Respondi por fim. — Você não pode desanimar. — Avisou. — É muito importante que você esteja com a autoestima lá em cima agora. Amiga sonhadora. Como poderia Lorena achar que para mim seria tão simples enfrentar essa situação? Eu sei que tudo que ela dizia e fazia era apenas para tentar me fazer sentir melhor diante daquele pesadelo, mas tudo deveria ser feito aos poucos. Alguns dias antes da cirurgia, avisaram-me que seria necessário que eu não me alimentasse, precisaria estar com o estomago vazio para todo o processo. Havia entrado um dia antes de a cirurgia começar em um quarto totalmente branco e único para a minha “pequena estadia” até que eu me recuperasse totalmente. Não havia nada de interessante no quarto — a não ser uma pequena televisão — que provavelmente passaria os canais locais e “necessários” para os pacientes. Mamãe e papai haviam me acompanhado naquele dia, para certificar-se de que tudo estaria na mais perfeita ordem. Sentia-me como uma menininha e agora eles estavam passando pelo que não fora necessário no nosso passado — já que eu fora uma menina saudável durante a minha infância — e essa era a consequência. Deixei a minha bolsa com as roupas e acessórios particulares ao lado da cama em uma pequena cômoda — que na verdade não tinha espaço para quase nada — mas ainda assim cabia a bolsa. — A Lorena virá mesmo ficar com você? — Mamãe perguntou pela milésima vez. — Ela falou que sim. — Dei de ombros. Meus pais eram dramáticos quando o assunto era hospital. Eles de fato não suportavam a ideia de ficarem trancados em um local cheio de pessoas doentes e com aquele cheiro que misturava remédio/doenças/álcool, ou seja, eles não ficariam comigo naquela noite. Mesmo porque era somente permitida a entrada de um acompanhante. E é aí que a Lorena entra nessa história, ela não se preocupava com o local — até gostava — e já havia deixado claro que assim que saísse do seu trabalho — em um restaurante —, iria vir correndo para ficar comigo. Agora eu passara a receber soro na veia para que não me sentisse fraca — a ponto de desmaiar —, enquanto Lorena que havia chegado faminta do trabalho, desfrutava da sopa “maravilhosa” do hospital. Devo dizer que pelas caras e bocas que ela estava fazendo, a sopa realmente parecia estar boa — quer dizer — para quem está com fome, tudo está bom. Estava emburrada por não poder comer nada. Realmente não parecia uma mulher de vinte e seis anos. Revirei os olhos ao perceber que a minha amiga ria da minha cara e me permitir lembrar-se da época em que nos conhecemos. Estava correndo pela praça que ficava perto da minha casa — onde mamãe costumava me levar sempre que tinha tempo — e acabei caindo por ter tropeçado em uma pedra. Felizmente, havia alguém por perto para me socorrer, Lorena. Eu tinha apenas cinco anos quando nos vimos pela primeira vez. — Não chora. — Ela pediu sorrindo. Estendeu as duas mãos para que eu me levantasse, ainda tentando segurar o choro. Ela era mais alta que eu — e talvez fosse esse o motivo pelo qual eu achava que ela poderia ser mais velha — e então fingi que nada estava doendo naquele momento. Eu não queria parecer uma criança chorona na frente dela. E apesar de termos brincado muito naquele dia, quando cheguei em casa — chorona — por conta do machucado, lembrei-me que talvez não teria doído tanto para tamanho escândalo que eu estava fazendo. E daquele dia em diante, eu comecei uma linda e incrível amizade com a Lorena. Por sorte a sua casa não ficava tão longe de onde morava com meus pais e por isso passamos a nos ver com frequência — além das idas à praça — nós passávamos bastante tempo uma na casa da outra. Para conseguir enxergar a televisão do quarto do hospital melhor, Lô, colocou a pequena poltrona próxima a minha cama. Realmente tivemos que assistir alguns pedaços da novela da Globo — que eu desconhecia — por não conseguir acompanhar com tanta frequência a televisão. — Quem dera a minha vida fosse tão fácil como à vida dessas personagens de novela. — Falei debochada, mostrando o meu total desinteresse pelos personagens como levavam a “vida” dentro da tela. — Não seja ranzinza. — Lorena pediu, fazendo careta. — Mas é tudo invenção, eles querem mostrar um pouco da realidade, mas fazem tantas alterações que chega a ficar enjoativo. — Reclamei. Para a minha sorte, a programação fez um ótimo trabalho trazendo sono para a minha vida — que dessa vez não fora necessário remédios — a não ser o soro que eu estava tomando, mas que agora já havia terminado. Não sabia se a minha melhor amiga também dormiu junto comigo, ou se acompanhou mais alguma programação da televisão. Só sei que quando meus olhos foram abertos eu estava em movimento — provavelmente indo para a sala de cirurgia — com duas enfermeiras, uma de cada lado da maca. Ouvi a voz de Lorena, mas ela não estava ao alcance dos meus olhos, imaginei então que ela estivesse andando atrás da maca, onde fugiria do meu campo de visão. — Vai dar tudo certo. — Era o que ela repetia e a maneira como falava fazia-me mesmo acreditar que eu sairia melhor do que entrei. Eu estava me sentindo um pouco zonza, quem sabe eles tivessem colocado algum remédio enquanto eu estava dormindo — alguma anestesia — e após isso eu acabei dormindo.
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