Capítulo 1
Os ensaios para a temporada de O Lagos dos Cisnes haviam começado há um mês. Dominique Carpentier havia sido escolhida como Odette e Callie Leroux era sua contraparte como Odile.
Alice havia sido escolhida como suplente para Odette, mas poderia dançar no corpo de balé caso não fosse necessária. E ela tinha certeza de que não seria, afinal era Dominique, todos sabiam que ela era praticamente perfeita e que faria de tudo para continuar no papel que trabalhou arduamente para conseguir.
E Alice era sua sombra, andava com ela para cima e para baixo, estavam sempre ensaiando juntas todos os movimentos. Principal com principal, suplente com suplente. Ela na verdade não se importava tanto quanto talvez devesse, gostava de assistir a loira dançar. Sim, Dominique era loira de cabelos naturalmente claros, olhos azuis como um céu sem nuvens e a pele clara.
Ethan Hall, o principal no papel de príncipe Siegfried. Ele era muito parecido com Donna, cabelos loiros, pele clara e olhos azuis, mas diferente dela, ele não era tão gentil e gracioso. Obviamente era habilidoso ou não estaria ali, mas era desleixado e conquistava tudo por conta da influência do pai, grande investidor da escola.
— Ei Rodrigues. — Alice se virou para a voz.
— Você está aí parada, vai pegar água para as estrelas, sim?
— Talvez eu devesse quebrar sua perna literalmente, Ethan. Assim, outro seria a estrela em seu lugar. Espero que sua arrogância se quebre junto com sua perna. — ela respondeu afiada, mas com um sorriso dócil.
— Se quiser enfiar suas garrinhas afiadas em mim, gatinho, sabe onde me encontrar. — ele respondeu entregando as garrafas de água para ela.
— Não precisa ir pegar água, Ali. Depois do ensaio nós mesmo vamos. — Donna lançava um olhar feroz para Ethan.
Alice foi, mas pegou água unicamente para Dominique, ela era sua amiga e sempre a ajudou desde que havia entrado naquele lugar. Enquanto Ethan apenas provocava. Ele sabia ser divertido, mas também extremamente irritante.
Retornou com a água e observava a forma como eles dançavam. Callie entrou em cena como Odile e ambas disputavam a atenção de Siegfried. Alice tinha sua atenção presa assistindo o que eles realizavam.
Dominique dançava para o penhasco de onde se jogaria em sua forma de cisne. Ethan seguia atrás. Os amantes desafortunados morrendo juntos em nome do amor deles que lhes foi roubado. Ninguém percebeu que algo estava errado até já ser tarde demais.
Dominique gritou e um baque oco foi ouvido para logo em seguida Ethan começar a pedir por ajuda. Ele corria abaixo da colina cenográfica para dar a volta e Alice ao ouvir a urgência correu com o celular já pronto para discar a emergência.
— Ninguém encoste nela, podemos piorar a situação. — decretou Madame Benoit.
O corpo da jovem estava retorcido de uma maneira estranha, provavelmente havia quebrado vários ossos. A respiração parecia irregular. Alice e outros vários alunos chamaram a emergência.
Os paramédicos levaram a protagonista embora, ela provavelmente não voltaria a tempo de ficar em forma para temporada.
— Bem, senhorita Rodrigues, agora será a Odette. — declarou Madame antes de se virar para os demais — Ensaios suspensos por hoje, a polícia irá interrogar cada um de vocês, não sabemos se foi um acidente ou proposital, mas para que nossa escola prospere precisamos descobrir. Os ensaios retornam amanhã às 8h.
Todos saiam sussurrando, a principal teoria? A nova garota vinda do Brasil, Alice, havia feito tudo aquilo por inveja de Dominique.
Ela sabia que não havia feito, mas algo ali não estava certo. O cenógrafo havia colocado o enorme colchão para caso os atores fossem tentar a queda, todos tinham visto. Haviam passado semanas praticando como cair corretamente. E de repente ele havia sumido, mas ninguém pareceu notar. Os bailarinos não veriam, eles caminhavam e se jogavam de costas do penhasco.
Alice sabia que não havia feito nada daquilo, mas precisava provar sua inocência agora que todos a viam como culpada. Ela e Dominique eram amigas antes de tudo acontecer, nunca teria feito m*l a jovem, certo?
***
Flashback, 3 meses para as audições.
Glissade, glissade, pointé, arabesque, prepara para a pirueta em quarta posição, gira e finaliza. Madame naquela aula revisitava o básico, seu lema era que os melhores passos e combinações tinham uma boa fundação vinda do básico.
Alice não esperava entrar para a melhor escola de balé da França, nem mesmo esperava conseguir uma bolsa ali, mas havia acontecido. Há quatro anos ela tentava, diziam que todos tinham um número da sorte, talvez quatro fosse o dela, pois foi com esse número que ela finalmente foi convocada para a peneira presencial.
E para seu deleite, naquele ano iriam reproduzir O Lago dos Cisnes, a peça original escrita por Tchaikovsky. Com certeza ela não esperava ganhar nenhum papel de destaque, era seu primeiro ano ali, era seu sétimo ano dos nove da formação clássica e já estava tendo aulas de reforço para acompanhar o ritmo.
— Alice, você está perdida no tempo de novo, me acompanhe enquanto eu conto. — Dominique pediu.
— Certo, desculpe.
Dominique Carpentier, a melhor aluna do sétimo ano, Alice ousava dizer que de toda a escola. Ela era tão boa que o Ballet Ópera de Paris considerava oferecer um contrato mesmo sem que tivesse terminado os estudos.
— Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito. São duas contagens de oito para essa sequência. — ela explicava com paciência — Cada glissade leva quatro tempos. Plié, um tempo. Deslizar o pé de trás, segundo tempo. Pular e cair no plié, terceiro tempo e então subir do plié quarto tempo.
Ela demonstrava o glissade contando tempo a tempo. Alice repetia o movimento, um pouco desajeitado, mas não estava tão r**m quanto poderia ter sido.
— Refais-le. — ela comandou.
E a jovem de cabelos castanhos refez até que saíssem com graça e naturalidade.
— Treine até seus pés sangrarem, mas certifique-se de que faça direito toda vez. É assim que se tornará a melhor.
Alice assentiu e seguiu para o arabesque.
— Com licenca.
Sentiu sua perna ser ainda mais levantada enquanto a ponta era mais forçada.
— Segure o grito, você tem a******a, use-a.
— Você consegue ser pior do que a madame. — ela reclamou.
— Eu cresci estudando balé aqui, acredite, não sou nem metade tão c***l quanto outros professores. — ela respondeu com uma risadinha e soltou a perna de Alice —Mantenha. Se ela cair você vai me pagar cem abdominais, porque vai ser falta de força nesse músculo o fato de você não manter.
Ao final das quatro horas de aula, Alice pingava de suor e cada pequena parte em seu corpo doía. Apenas queria ir para o quarto descansar.
***
A polícia havia chamado Alice para depor a respeito do acontecido. Como eram depoimentos iniciais, ninguém precisava de um advogado, informou a Madame, mas poderiam pedir se quisessem.
— Eu devo repetir tudo desde que chegamos aos ensaios ou a partir do momento em que Donna caiu? — ela perguntou para saber de que ponto teria que contar a história.
— Tudo o que você considerar importante. Se alguém estava agindo estranho, se algo fora do comum aconteceu e sobre a queda, esse tópico é extremamente importante.
A jovem assentiu e bebeu um gole de água antes de começar a explicar.
— Não notei ninguém com comportamentos estranhos, oficiais. Provavelmente não conta, mas Ethan Hall estava me irritando além do limite hoje. — ela balançou suavemente a cabeça para manter o foco — De qualquer forma. Eu lembro de ter visto o cenógrafo colocar o colchão atrás do penhasco usado em cena. E não cheguei a verificar em outros momentos, mas acho que continuou lá.
— Acha que alguém pode ter movido e não avisaram?
— Tudo é possível. Às vezes podem ter achado que não iriam usar, tiraram durante o intervalo e não colocaram de volta. É apenas uma ideia, não estou afirmando ou acusando, apenas pensando. — ela se apressou em acrescentar, como não tinha ideia do ocorrido, apenas pensava nos fatos.
— E ninguém notou isso até ela cair?
— Ethan pareceu tentar pegá-la, parece que ele percebeu e quis ajudar.
— Então já era tarde demais.
Ela assentiu.
— Em certo momento me pediram para buscar água, quando voltei tudo aconteceu. E quando pediram pra chamar ajuda, eu imediatamente liguei para a emergência.
— Sim, isso foi sábio.
— Já sabem alguma coisa dela? — perguntou com muita preocupação.
— Ainda não, quando checamos por último ela ainda estava em cirurgia. Esperamos que ela fique bem. — a policial respondeu — Tudo bem, Alice. Agradecemos toda a ajuda, peça para Ethan entrar, ele é o próximo.
A garota assentiu e caminhou para fora da sala. Callie imediatamente se aproximou enlaçando seu braço com o da amiga de forma protetora.
— Ethan, os policiais pediram pra você entrar.
Ele tinha um olhar disperso, Alice chutava que ele ainda estava em choque por conta de todo o ocorrido. Ela suspirou e se aproximou, ajoelhou-se apoiando os braços nos joelhos dele e fazendo com que ele a olhasse.
— Vai lá e conta o que você sabe, o que viu. Você tentou ajudar Donna, não é o culpado.
— Pode ser, mas todos dizem que você é.
E com isso, ele se levantou e caminhou para a diretoria. Atônita, Alice ficou ali ajoelhada próxima aos bancos até Callie a erguer e levar para o quarto.
— Não ligue para o que eles falam. Não foi você. Eu sei o quanto você adora aquela garota. Você é justa e leal, nunca faria nada de r**m para chegar ao topo. Diferente de mim. — ela falava com uma tranquilidade que até assustava Alice — Não que eu tenha feito qualquer coisa, eu consegui o papel que eu queria afinal. Odile é muito melhor do que Odette.
A loira deu de ombros e foi para a penteadeira observar se algo de sua aparência estava fora do lugar. Alice a observava, Callie era dura, fria, imponente, mas quando gostava de alguém, movia o mundo para proteger essa pessoa.
— O que foi? Está apaixonada? Você está com uma cara de boba olhando para mim. — ela questionou observando Alice pelo espelho.
— Eu só estava pensando que fico feliz em ser uma das poucas pessoas que você realmente considera amiga. — ela respondeu com sinceridade.
— Bem, tolinha emocional, você conquistou seu lugar. Agora pare com todas essas bobagens, você precisa descansar para assumir o papel de Odette amanhã.
— Eu posso derrubar Ethan do palco e conseguir que o suplente dele entre no lugar? — ela perguntou esperançosa.
— Com o que acabou de acontecer com Dominique, não acho que seja muito recomendável. Mas se quiser ajuda pode me chamar.
A castanha bufou e deitou na cama. Não tinha muita coisa contra Ethan, mas ele a irritava de uma maneira que mais ninguém o fazia, parecia que o londrino sabia exatamente o que fazer e falar para tirá-la do sério e ela mordia a isca.
— Já pensou que ele faz isso porque é divertido e porque talvez ele possa gostar de você e é a única forma de fazer você olhar para ele?
Alice sentou-se imediatamente na cama e encarou a amiga diante de si.
— Você está pirando, Calissa.
— Não me chame assim. — ela repreendeu — Tudo bem, se não quer ter nada com ele, talvez devesse tentar minha colega de quarto, tenho absoluta certeza de que ela também tem uma quedinha por você.
— Mas ela não está saindo com a garota do último ano? — perguntou confusa.
— Está. Só que isso não muda o fato de que ela nunca desgruda os olhos de você.
— Deve ser observando minha técnica de dança. — ela respondeu de prontidão.
— Céus, garota, eu te adoro, mas você consegue ser mais tapada que uma porta.
E com essa fala, Callie jogou o cabelo por cima do ombro e saiu do quarto.