Teimosa

1386 Words
O silêncio dela me irritava. Ou melhor, a maneira como ela me olhava... como se me desafiasse sem dizer uma única palavra. Helena estava sentada no banco do carona, com os braços cruzados e o olhar fixo na estrada, como se estivesse tentando ignorar minha presença. Como se não sentisse nada. Como se eu não a tivesse feito estremecer com apenas um toque mais cedo. Maldita teimosa. "Você não vai perguntar pra onde estamos indo?" perguntei, quebrando o silêncio. Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava. Ela demorou alguns segundos antes de responder. "Não preciso perguntar. Você vai fazer o que quiser mesmo. Sempre faz." Eu dei um sorriso enviesado. “Você aprende rápido.” Ela se virou, finalmente me olhando nos olhos. “E o que você quer de mim, Nicolas? Além de me usar pra alimentar esse seu ego doentio e o seu senso de controle?” Ah, ela sabia provocar. Encostei mais no volante, mas mantive a calma. “O que eu quero de você?” Repeti, saboreando a pergunta. “Eu quero que você entenda que agora é minha. Que esse joguinho de resistência só está deixando tudo mais interessante. Eu quero ver até onde vai sua coragem... antes de ceder.” Ela riu. Um riso amargo. “Você se acha um deus, não é? Acostumado a ver o mundo se curvar quando estala os dedos.” “E você acha que vai ser diferente?” retruquei, estreitando os olhos. “Acha que vai ser a exceção, Helena? Que vai me enfrentar sem consequências?” Ela virou o rosto para a janela de novo, mas eu percebi. Os dedos dela estavam apertando o tecido da saia com força. Era medo. Era raiva. Era desejo. Estacionei em frente à minha casa de campo — isolada, segura, vigiada. Um lugar onde ninguém poderia interferir. Ela hesitou antes de sair do carro. “Vai me trancar aqui também?” ela perguntou, com um sarcasmo venenoso. Eu me aproximei, abri a porta do carro com calma e disse, perto demais do ouvido dela: “Só se você me provocar o suficiente pra isso.” Ela me empurrou com a mão no peito, mas não saiu andando. E aquilo... aquilo me deu certeza: ela estava começando a entrar no meu jogo. Mais tarde, enquanto ela tomava banho no quarto de hóspedes — sob vigilância sutil, claro —, fiquei sozinho no escritório observando a imagem dela em tempo real nas câmeras escondidas. Ela usava uma camisola fina que eu havia mandado separar. Não era vulgar, mas era tentadora o suficiente para me enlouquecer. Senti algo estranho no peito. Algo parecido com... urgência. Ansiedade. Ela mexia comigo de um jeito que nenhuma mulher jamais conseguiu. Não era apenas atração. Era a forma como ela me desafiava, como olhava nos meus olhos sem medo, mesmo sabendo que eu podia esmagá-la com uma única palavra. E talvez fosse isso que me fazia querer não só tê-la... mas possuí-la completamente. Corpo, alma, mente. Helena não seria apenas minha esposa de conveniência. Ela seria minha mulher. De verdade. E eu faria o mundo inteiro aceitá-la como tal. Nem que tivesse que dobrar o pai juiz, manipular o sistema ou ameaçar quem fosse preciso. Porque se ela achava que isso era só um contrato... Ela ainda não entendeu o que significa ser a esposa prisioneira de Nicolas Vilar. Na manhã seguinte, o sol entrava pelas cortinas como se quisesse me provocar. Eu estava sentado à beira da cama, o relógio marcava seis da manhã, e ainda assim meu corpo não conhecia o cansaço. A noite tinha sido longa, e o pensamento em Helena não me deixava em paz. Levantei, coloquei meu relógio de pulso, ajeitei o cabelo diante do espelho e desci para o andar de baixo. Pedi ao meu cozinheiro que preparasse um café digno de uma rainha. Hoje, ela acordaria diferente. Hoje, ela começaria a entender que esse mundo é meu, e ela faz parte dele. Helena desceu cerca de meia hora depois, os cabelos ainda úmidos, o rosto sem maquiagem, vestida com uma camisa minha que ia até o meio das coxas. A visão era um golpe certeiro na minha sanidade. Ela era linda de um jeito real, sem esforço, sem precisar tentar. "Roubar minhas roupas agora, Helena?" perguntei, encostado no balcão com uma xícara de café. "Não roubei, você deixou no quarto. Estava limpa e... bom, é melhor do que dormir com a camisola que você escolheu. Aquilo não cobre nada." "Esse era o objetivo." Ela revirou os olhos e se sentou, servindo-se de café como se aquilo fosse normal. Como se estivéssemos num relacionamento qualquer. Mas estávamos longe disso. "Vamos fazer um acordo," falei, puxando a cadeira ao lado. "Você para de me provocar, e eu paro de imaginar você em cima dessa mesa." Ela deu uma risada baixa, abafada pela xícara. "Você é doente, Nicolas." "Ainda vai amar minha doença." Ela me encarou. E naquele segundo, o ar entre nós ficou denso. Elétrico. As palavras foram trocadas por olhares, e o clima mudou drasticamente. Me aproximei devagar, com a mão deslizando pela madeira fria da mesa até alcançar os dedos dela. Quando encostei, Helena não recuou. "Você está jogando um jogo perigoso, princesa," sussurrei. "Talvez eu goste do perigo." Essa foi a deixa. Me levantei e a puxei pela cintura, com uma rapidez que fez seu corpo bater contra o meu. Segurei firme, uma das mãos em sua nuca, a outra na sua cintura. Seus lábios entreabertos, sua respiração acelerada. O mundo se reduziu ao cheiro dela, ao toque da sua pele na minha. "Acha que pode brincar comigo assim e sair ilesa?" murmurei, minha boca roçando a dela. "Talvez eu esteja brincando comigo mesma," ela respondeu, antes de fechar os olhos e se entregar ao beijo. A intensidade nos envolveu num turbilhão. O beijo foi bruto, possessivo, cheio de desejo reprimido. Levei-a até o balcão, a colocando sentada ali com facilidade. Suas pernas se entrelaçaram nas minhas costas e suas mãos seguraram meus cabelos com força. Eu podia sentir o gosto da sua raiva, da sua entrega, da confusão que ela tentava negar. E então, o telefone tocou. Ignorei. Tocou de novo. Helena se afastou, ofegante. "Pode ser importante..." "Mais importante que você agora? Impossível." Mas quando o telefone tocou pela terceira vez, fui até ele, irritado, e atendi. "Senhor Vilar, é o senhor Costa... o pai da Helena. Ele está no portão. Exigindo ver a filha." Engoli seco. Helena ouviu. Levantou num pulo. "Meu pai? Aqui?!" "Calma." Peguei nas mãos dela, mas ela se afastou. "Você não pode fazer isso, Nicolas! Ele vai te matar se souber o que está fazendo comigo!" "A única coisa que ele precisa saber é que você está bem. E que está comigo." "Isso não é normal! Você não é normal!" gritou, indo em direção à escada. "Eu não sou um objeto seu!" Subi atrás dela e a segurei pelo braço. "Você não vai fugir de mim agora, Helena. Não depois do que acabou de acontecer." "Foi um erro!" "Foi a melhor parte do nosso inferno particular." Ela me empurrou, furiosa, mas eu não cedi. Minhas mãos a seguraram com firmeza, e meus olhos cravaram nos dela. "Quer que seu pai saiba de tudo? Que você aceitou esse acordo por causa do seu irmão? Que se entregou pra mim porque quis, mesmo dizendo o contrário?" Ela empalideceu. "Não ouse usar isso contra mim." "Então para de fugir. Eu vou resolver isso." Desci as escadas e pedi que deixassem o juiz entrar. Minutos depois, o homem atravessava minha porta com a fúria estampada no rosto. "Quero minha filha agora, Vilar! Você passou dos limites!" "Ela está segura," respondi, com a calma que irrita os fracos. "Você a sequestrou! Isso é um crime!" "Ela está comigo por vontade própria." "Nunca! Helena jamais aceitaria algo assim! Você... você comprou o silêncio dela? É isso?!" "A verdade é que, juiz Costa... um dia você ainda vai me chamar de genro." Ele empalideceu. Helena, que agora descia as escadas com passos rápidos, ouviu tudo. "Pai, eu... estou bem." "Filha, o que esse homem te fez?" Helena hesitou. Me olhou. Depois olhou o pai. E naquele instante, soube que ela estava dividida entre o medo... e o desejo. E isso era só o começo.
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