Gaiola de Ouro

1160 Words
A primeira semana passou como um desfile de máscaras. Sorrisos falsos, jantares ensaiados, toques calculados. Cada movimento nosso era uma coreografia para a imprensa, para os sócios, para os inimigos. Principalmente para ele. Juiz Costa. O homem que arruinou minha vida, mandou matar meus pais, destruiu a empresa da minha família, e transformou meu nome numa piada entre empresários. Mas agora… o jogo era meu. Eu tinha a filha dele sob meu controle. E ele, finalmente, sabia disso. Helena evitava contato. Nos corredores da cobertura, m*l me dirigia o olhar. Trocava de roupa atrás de portas trancadas, comia rápido e em silêncio, como se quisesse evaporar. Mas à noite... eu ouvia. Passos no quarto. O som da água caindo. Choro abafado. Ela ainda estava resistindo. E isso me excitava. Era uma caçada. E eu estava gostando do desafio. Na manhã de sexta-feira, encontrei-a sentada no terraço, com uma xícara de café nas mãos. Cabelos soltos ao vento, pernas cruzadas, usando um dos meus robes – porque, de propósito, eu havia mandado a equipe guardar as malas dela. Tudo que ela usava… agora vinha de mim. — Aproveitando a vista da sua nova prisão? — perguntei, sentando na poltrona ao lado. Ela me lançou um olhar frio. — Eu ainda tenho o céu. Isso você não pode comprar. — Não subestime minha conta bancária. Ela bufou, desviando o olhar. — Você já destruiu tudo. O que mais quer? Inclinei-me para frente, observando cada traço do rosto dela, como se procurasse rachaduras invisíveis. — Quero que entenda, Helena. Isso não é sobre vingança. É sobre justiça. Você está pagando pelos pecados do seu pai. — Eu não sou ele! — Mas tem o sangue dele. E isso basta. O silêncio que veio depois foi denso. E, por um momento, vi algo se apagar nos olhos dela. Um brilho que eu não queria ver desaparecer. A raiva dela me alimentava. A indiferença, não. Ela se levantou e voltou para dentro, deixando o café intacto. Eu fiquei ali, encarando o céu, sentindo uma inquietação crescente no peito. Naquela noite, decidi quebrar a rotina. Jantei mais cedo, dispensei reuniões e fui até o quarto dela. Bati. Duas vezes. Nada. Abri a porta. Ela estava sentada no chão, cercada de papéis e fotografias. Algumas com a mãe, outras com o pai. Um pedaço da infância que ela tentava preservar entre grades invisíveis. Ela me viu. Enxugou rápido os olhos. Levantou-se, fria. — Você não tem o direito. — Tenho tudo, Helena. Inclusive o controle da sua vida. Ela avançou até mim. Rápida. Os dedos tocando meu peito com força, o olhar cravado no meu. — Você acha que me tem, Nicolas. Mas você só tem meu corpo. Meu coração... você nunca vai tocar. Meu rosto se aproximou do dela, até que nossas respirações se fundiram. — Quer apostar? Ela tentou se afastar. Minha mão agarrou sua cintura. Forte. Quente. Dominante. — Não brinque com o fogo, Helena. Eu sou o homem que destrói o que ama. E você... está começando a se tornar perigosa demais para mim. Ela me encarou. Tremia. Mas não era medo. Era outra coisa. Algo que nem ela queria admitir. Desejo. Curiosidade. Ódio envenenado por atração. Nossos lábios quase se tocaram. Quase. Mas ela se afastou no último segundo. — Não sou sua prisioneira de verdade, Nicolas. No fim, você vai ver: não dá pra engaiolar uma tempestade. Sorri. — Eu não quero engaiolar, Helena. Quero ser o furacão maior que ela. E nesse jogo... eu sempre venço. O dia seguinte amanheceu nublado, como se até o céu sentisse a tensão no ar. Levantei cedo, como de costume. Treinei, revisei contratos, mandei e-mails para sócios em três continentes. E, mesmo assim, cada segundo parecia arrastar o nome dela até o meu pensamento. Helena. A maldita filha do meu inimigo. A mulher que, mesmo me odiando, fazia meu sangue ferver. Estava na biblioteca quando ouvi a risada. Não dela. De alguém com ela. Levantei da cadeira de couro e segui o som. No corredor, um funcionário novo – estagiário do setor financeiro – falava algo engraçado enquanto segurava uma bandeja. Ela, usando uma blusa minha, riu. Ela riu. Não pra mim. Pra ele. O sangue subiu. Não pela ameaça – ele era insignificante – mas pelo fato de ela ter dado aquilo a outro homem. Um riso. Um momento. Algo leve… algo que eu nunca recebi dela. — Algum problema aqui? — minha voz cortou o corredor como lâmina. O rapaz empalideceu. Helena endureceu o corpo. — Estávamos apenas conversando — disse ela. — Conversando? — sorri com desdém. — Então ele já está à vontade pra rir na sua frente? Que rápido. — Ele só trouxe o café da manhã. Coisa que o senhor Vilar não costuma fazer. — O senhor Vilar paga vinte pessoas pra fazer isso, boneca. — Me aproximei dela, sem tirar os olhos do estagiário. — Você pode ir. Agora. O garoto desapareceu pelo corredor como se sua vida dependesse disso. Helena cruzou os braços, desafiadora. — Vai fazer o quê? Me trancar no quarto? Proibir que eu fale com alguém? — Se for preciso, sim. — Você é doente. — E você se esqueceu de quem manda nessa casa. Meus dedos prenderam seu pulso. Ela tentou recuar, mas eu a empurrei contra a parede. O corpo dela colou ao meu. O coração dela batia rápido. O meu também. Droga. — Vai continuar testando os meus limites, Helena? Ela me encarou. De perto. Os olhos dela estavam em chamas. E então aconteceu. Ela me beijou. Ela me beijou primeiro. Não sei quem cedeu, quem perdeu o controle antes. Só sei que os lábios dela estavam nos meus, com raiva, com dor, com uma fome que eu nunca esperei. Segurei-a com força pela cintura, invadi sua boca com a língua, dominando cada segundo daquele beijo. Foi c***l. Foi quente. Foi desesperado. E durou mais do que deveria. Quando nos separamos, ela me olhava como se tivesse cometido um crime. E talvez tivesse mesmo. — Odeio você — ela sussurrou. — Mostra isso de novo. — puxei-a pela nuca, beijando-a de novo, mais fundo, mais selvagem. Ela gemeu contra minha boca, mordeu meu lábio. Queria ferir. Eu deixei. Porque, por Deus, aquele gosto dela… era melhor do que qualquer vingança. Quando nos afastamos, ela estava trêmula. Eu também. — Isso nunca mais vai acontecer — ela disse, ofegante. — Claro que não. — limpei o canto da boca com o polegar. — E amanhã o sol vai nascer no norte. Ela se virou, tentando fugir de novo. — Helena. — chamei. Ela parou, mas não olhou pra mim. — Se beijar é pecado… você acabou de condenar os dois ao inferno. Ela não respondeu. Mas eu sabia. A partir daquele momento, nenhum dos dois sairia ileso dessa guerra. E o mais perigoso? Aquela mulher que eu trouxe pra dentro da minha prisão de ouro… Estava começando a me prender também.
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