Um nome em ascensão

1225 Words
A adolescência chegou rápida, assim como as responsabilidades. No morro, quem não estudava ou não tinha trabalho acabava sendo puxado pelo peso das ruas. Com Matheus e Elias não foi diferente. Os dois, agora com 16 anos, haviam deixado a infância para trás e entrado no jogo como vapores — os encarregados de entregar a mercadoria nas vielas. Era o primeiro degrau na hierarquia do crime, mas Matheus parecia destinado a subir muito mais. Matheuzinho, como era chamado por todos, já era reconhecido por seu jeito esperto e destemido. Ele sabia onde pisar, com quem falar e quando agir. Elias estava sempre ao lado dele, mas era Matheuzinho quem carregava os olhares de respeito, as palavras de incentivo e as promessas de futuro. — Moleque bom é você, Matheuzinho. Vê se aprende, Elias — Zé Preto brincou certa vez, entregando um pacote a Matheus enquanto Elias se ajeitava, desconfortável. A verdade é que Matheus levava jeito. Os clientes confiavam nele, os donos do morro já o notavam e até mesmo os mais velhos paravam para elogiar seu trabalho. Ele fazia as entregas com agilidade e conseguia evitar a polícia melhor do que qualquer outro vapor da área. Além disso, tinha o talento de resolver pequenos conflitos entre os próprios moradores, o que o fazia ser visto como mais do que um simples garoto do morro. — Vai vendo, Elias. O moleque vai tomar meu lugar antes do que eu esperava — Zé Preto dizia, sempre rindo, enquanto Elias apenas forçava um sorriso. Ele não queria admitir, mas as palavras de Zé Preto acendiam algo em seu peito que ele não conseguia controlar: inveja. Uma noite, enquanto Matheus e Elias dividiam a esquina para as entregas, um grupo de clientes apareceu. Eram homens do morro vizinho, famosos por criarem confusão. — E aí, pivetes, cadê o que a gente pediu? — um deles perguntou, encarando Matheus. Matheuzinho, com sua calma usual, estendeu o pacote sem vacilar. — Tá aqui, é o combinado. Agora é com vocês. O homem abriu o pacote, analisou o conteúdo e, com um sorriso debochado, jogou no chão. — Não sei, não. Parece meio leve. Que tal eu ficar com isso e a gente chama de pagamento pela "segurança" de vocês aqui? — disse ele, olhando para os amigos que começaram a rir. Antes que Elias pudesse falar algo, Matheus já havia se adiantado. Ele pegou o pacote do chão com uma mão, enquanto na outra puxou um canivete da cintura. Seus olhos não piscavam. — Escuta aqui, irmão. Eu respeito a minha palavra. O que tá aí é o que foi combinado. Se tu não respeitar, nem a subida desse morro tu vai respeitar mais. O tom de Matheuzinho era sério, e o silêncio na viela ficou pesado. Elias, observando ao lado, sentiu o sangue gelar. O grupo de homens se entreolhou, percebendo que Matheus não estava blefando. — Tá certo, moleque. Gosto de ver coragem. Mas cuidado com a língua, senão ela é a primeira coisa que tu perde. Com isso, os homens deram meia-volta e saíram. Quando eles desapareceram de vista, Elias soltou o ar que nem tinha percebido que estava prendendo. — Tá maluco, Matheus? Se esses caras quisessem, a gente tava morto! — Elias reclamou, ainda assustado. — Mas eles não quiseram. Aqui no morro é assim, Elias. Se tu abaixar a cabeça, nunca mais levanta. E eles precisam saber que o Matheuzinho não é moleque de ninguém. Elias não respondeu. Ele sabia que Matheus estava certo, mas também sabia Com o passar dos meses, o nome de Matheuzinho ganhava peso na comunidade. Não era apenas por sua habilidade no "trabalho", mas também por sua atitude diante dos problemas. Ele resolvia disputas entre vapores, conversava com moradores para acalmar tensões e ainda conseguia escapar das armadilhas que a polícia tentava montar na área. — Moleque tem estrela, não tem jeito — dizia Zé Preto, observando à distância enquanto Matheuzinho coordenava uma entrega que normalmente seria tarefa de alguém mais velho. Elias, sempre ao lado, continuava a cumprir suas obrigações. Mas algo nele havia mudado. A cada elogio que Matheuzinho recebia, a sombra da inveja crescia dentro de Elias. Ele não entendia como, sendo tão próximos, apenas um deles parecia ter o talento para brilhar. Uma noite, os dois subiram até o campinho no alto do morro, um lugar onde costumavam conversar quando eram crianças. Dessa vez, o silêncio era denso. Matheuzinho estava olhando as luzes da cidade lá embaixo, enquanto Elias permanecia sentado na beirada do campo, chutando pedras para longe. — O que foi, Elias? Tu tá diferente comigo — Matheuzinho quebrou o silêncio, sem tirar os olhos do horizonte. — Nada, só tô cansado — Elias respondeu rápido, talvez rápido demais. — É isso ou cê não gosta de ver o meu nome crescer? — Matheuzinho virou-se, encarando o amigo. A pergunta pegou Elias de surpresa. Por mais que ele tentasse esconder, aquele pensamento já havia o perseguido diversas vezes. Ele respirou fundo, buscando palavras que não entregassem o que sentia. — Não é isso, Matheus. É só que... parece que só você tá subindo, tá ligado? Todo mundo vê você como especial, e eu sou só o “parça do Matheuzinho”. Isso não pesa pra você? Matheuzinho suspirou e sorriu, mas seu sorriso era diferente, quase cansado. — Não vou mentir, Elias, eu sempre quis isso. Desde moleque, sabe? Mas tu é meu irmão. Se eu tô subindo, você sobe comigo. Cê só precisa ter paciência, mano. Nosso tempo vai chegar. Elias apenas balançou a cabeça em concordância. Por fora, era um amigo compreensivo; por dentro, sentia que as palavras de Matheuzinho eram promessas vazias. Ele não queria mais esperar por um "tempo" que parecia nunca ser o dele. Poucos dias depois, o destino trouxe um novo elemento para os caminhos dos dois. Enquanto Matheuzinho conversava com outros vapores sobre um turno de entregas, uma voz chamou sua atenção. — Oi, Matheuzinho, tá virando chefe do morro já? Ele se virou e viu Lara, uma moradora do morro conhecida por sua personalidade forte e sorriso fácil. Com 17 anos, era diferente das outras garotas. Ela trabalhava no armazém da esquina e ajudava a cuidar dos irmãos mais novos. Sempre tinha uma resposta na ponta da língua, o que intrigava e irritava em igual medida. — Ainda não, mas pode apostar que não vai demorar muito — Matheuzinho respondeu com um sorriso confiante. Lara riu e deu uma olhada rápida para Elias, que assistia à troca de palavras sem dizer nada. — Quem sabe, né? Só não deixa o poder subir à cabeça, Matheuzinho. Aí não tem graça nenhuma. Ela virou-se e saiu antes que ele pudesse responder, mas o impacto dela já estava feito. Matheus ficou ali, com os olhos seguindo Lara enquanto ela desaparecia pela viela. — Até tu quer dar moral pra ela agora? — Elias comentou, cruzando os braços. — Ela é diferente. Cê sabe disso. — Matheuzinho respondeu, ainda pensativo. — É, diferente demais até pra você, chefe — Elias rebateu, mas havia um tom ácido que ele não conseguiu esconder. Mal sabiam os dois que Lara acabaria sendo o ponto de ruptura, transformando o que restava de sua amizade em uma competição silenciosa, um jogo de poder e desejo que traria consequências devastadoras para todos no morro.
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