01
Dulce
Ao nascer do sol, levantei de minha cama e já fui direto para a venda antes de minha mãe. Preferi deixá-la dormindo mais um pouco.
Ela era uma mulher cansada, muito atarefada e trabalhava demais. Por mais que ela fosse boa fazendo os tecidos, era também uma mulher de idade.
Depois do falecimento do meu pai, minha mãe precisava trabalhar em dobro, já que a venda dos tecidos agora era a única renda que tínhamos para nos alimentarmos e pagarmos nossos impostos.
Tínhamos sorte de viver em um bom reino, com um rei bondoso e que amava o seu povo. Não havia lugar melhor que Seráfia. Eu era uma garota feliz, sem muitas preocupações, vivendo em um lugar agradável com pessoas simpáticas.
Eu ia cumprimentando todos da aldeia no caminho. Os moradores gostavam muito de mim e sempre eram gentis comigo.
— Bom dia, senhora Anastácia, como vão seus filhos? — perguntei à velha senhora que sempre nos comprava tecidos na venda.
— Estão muito bem, minha querida. E sua mãe, como vai? — perguntou-me com um sorriso no rosto.
— Vai muito bem.
— Estou precisando de alguns tecidos para costurar. Mais tarde irei até sua venda.
— Que ótimo! Estarei à espera.
Me despedi da velha senhora e continuei meu caminho. Eu carregava uma cesta de palha com alguns outros tecidos que eu e minha mãe havíamos finalizado na noite passada.
Todos compravam conosco, até mesmo as pessoas do palácio. Sempre mandavam algum dos serviçais pegar dezenas de tecidos toda semana. E o rei era tão gentil que sempre nos pagava a mais.
— Ei, Dulce! — ouvi uma voz vindo em minha direção.
— Ei, Christian! — sorri e o abracei.
— Que bom que te encontrei. Agora tenho um grande motivo para ir trabalhar. — falou me fazendo rir.
— Quanta preguiça!
— Sorte que a padaria de meu pai é bem em frente à sua venda de tecidos, pelo menos não me chateio tanto.
— Trabalhar não é tão r**m assim. — suspirei. — Eu gosto bastante.
— Você gosta de tudo e de todos, se não te conhecesse, diria que é quase uma princesa.
— Não diga besteiras. — dei risada.
— Mas é sério. Não é verdade que todas as princesas são sempre muito adoráveis? Pra mim você é bastante. — sorriu.
— Só falta o sangue real, que não tenho. — dei de ombros.
— Quem precisa de sangue real pra ser feliz?
— Concordo. Aposto que somos bem mais felizes livres na nossa pequena aldeia, do que se estivéssemos presos atrás dos muros daquele palácio.
— Nem consigo imaginar a vida severa que o príncipe Christopher e a princesa Anahi têm. — fingiu um arrepio ao dizer aquilo.
— Viu só? Melhor trabalhar. — ele riu.
— Nunca vai me fazer dizer isso.
Chegamos até nosso destino e cada um foi para um lado. Christian para a padaria e eu para a venda se tecidos.
Ele era meu melhor amigo, fomos criados praticamente juntos, desde que nos entendemos por gente.
Desde criança, Christian sempre foi muito preguiçoso, desde para ir à escola, ou a igreja, até para ter que trabalhar na padaria com seu pai. No fundo, ele sabe que aquilo é importante e faz tudo com bastante gosto (e alguns sermões, confesso).
Comecei a organizar todos os tecidos que trazia na cesta de palha. Eu fazia aquilo com muito gosto, pois sabia que daria retorno para mim e minha mãe. Um trabalho feito sem vontade, não era um trabalho bem feito.
Alguns minutos se passaram e um cliente ou outro chegaram para comprar. Um pouco depois do horário em que eu cheguei ali, avistei Angelique, trazendo uma cesta de maçãs em seus braços. Ela entrou na venda, vindo para trás do balcão e deixando a cesta sobre o mesmo.
— Desculpe o atraso. Vim pelo bosque e acabei avistando uma macieira muito bonita. Não resisti. — sorriu sem jeito.
— Tudo bem, não tive muitos contratempos ainda. E estas maçãs parecem deliciosas. — peguei uma delas e mordisquei sentindo o doce sabor correr por minha boca.
Angelique era minha melhor amiga, cresceu juntamente a mim e Christian e nós três éramos inseparáveis. Ela trabalhava comigo e minha mãe.
Angelique não tinha pais, já que morreram devido a peste n***a. Apesar de tudo, ela era muito feliz. Um pouco atrapalhada às vezes e também distraia-se com pequenas coisas da vida (como uma macieira bonita), mas era também muito jeitosa e trabalhadora.
Começamos a fazer uma pequena limpeza na venda até que minha mãe chegasse. Mamãe sentou-se em sua mesa de costura a alguns metros atrás do balcão, costurando e criando seus tecidos, enquanto eu e Angelique cuidávamos das demais coisas.
De repente, um alvoroço iniciou-se na rua lá fora. Vi Christian na porta da padaria olhando o final da rua com um brilho nos olhos. Eu e Angelique nos entreolhamos e logo corremos para a parte externa, tomadas pela curiosidade.
Era uma carruagem. A mesma que sempre vinha toda semana e sempre atraía os olhares encantados dos moradores e trabalhadores da aldeia.
— São eles! — cantarolou Angel.
Corremos de volta para dentro da venda e nos mantemos eretas atrás do balcão, tentando manter a calma e a serenidade.
A carruagem parou em frente e logo vimos o conselheiro do rei descer. Com um olhar de superioridade, ele entrou em nosso estabelecimento e estendeu uma enorme lista de diferentes tipos de tecidos sobre o balcão.
— Bom dia. — falou com olhar sério.
— Bom dia! — respondemos eu e Angelique em uníssono.
— Haverá um baile no palácio amanhã à noite. A lista de tecidos está bem mais detalhada e extensa. Vossa alteza, princesa Anahi, deseja estar impecável para quando conhecer seu futuro marido, Duque Alfonso do reino de Monera. — era incrível como todos do palácio se mantinham sérios e impecáveis sempre que discursavam algo.
— Bem... — comecei a analisar a lista. — Alguns cortes anotados na lista parecem masculinos.
— Sim, já ia esquecendo-me. Vossa Alteza, príncipe Christopher, também irá conhecer sua futura esposa, princesa Eliza do reino de Atenas. O rei Vítor fez um excelente pacto econômico com o rei de Atenas. Nosso reino irá crescer muito. — falou com orgulho.
— Temos certeza que sim. — falou Angel. — Se nos der licença, começaremos a separar os tecidos agora. — ele assentiu e eu fui com Angelique até os fundos. — Acredita nesses engomadinhos da corte? — revirou os olhos. — Com certeza só nos deu as informações sobre os noivados do príncipe e da princesa esperando que nós fofoquemos, espalhando a notícia pela aldeia.
— E eu aposto que você vai fazer isso. — cruzei os braços enquanto ria.
— Ele praticamente implorou. — deu de ombros.
Nós trouxemos todos os panos nas medidas pedidas. Eram tantos que eu tinha que me esquivar para o lado, para poder enxergar o conselheiro do outro lado do balcão.
Ele nos entregou dois saquinhos pesados de moedas de ouro e fez sinal para que os guardas colocassem os tecidos na carruagem. Assim que ele foi embora, Christian apareceu.
— Às vezes me pergunto se as pessoas do palácio descartam suas roupas logo depois de usá-las pela primeira vez. — disse com um olhar incrédulo.
— Parece que vai ter uma ocasião muito especial amanhã. A princesa e o príncipe conhecerão seus futuros cônjuges em um baile do palácio. — Angelique realmente não se aguentava.
— Então, deve ter sido por isso que eles encomendaram tanta comida na padaria semana passada. Achei que seria só um baile exagerado. Meu pai ganhou uma fortuna pelo banquete.
— Eu daria tudo pra ir a esse baile. — mordisquei outra maçã.
— Mas por que, Dulce? — Angel franziu a testa.
— Deve ser incrível usar um daqueles vestidos glamurosos feitos por um alfaiate famoso e dançar a noite inteira com... um príncipe... — suspirei sonhadora.
— Com todas aquelas pessoas esnobes julgando você com o olhar? Dê graças a Deus por não ser obrigada a ir em um baile real. — Christian riu.
— Não iria me importar com o julgamento dos outros, aposto que iria me divertir. — dei de ombros.
— Se divertir com o príncipe. — Angel fez uma imitação dramática zombando de mim e arrancando risadas de Christian.
— Como ele deve ser? O príncipe? — perguntei mais para mim mesma do que para eles.
— Não sei, mas parece que iremos descobrir logo. — falou Christian. — Depois que casar-se, se tornará rei e aí vai poder vir até a aldeia, nem que seja uma vez por ano.
— Só espero que ele seja um rei tão bom quanto o rei Vítor. Morro de medo de reis tiranos. — falou Angel. Eu e Christian assentimos.
O dia passou normalmente como todos os outros e no fim de tarde, eu e minha mãe voltamos para nossa casa.
Depois de jantarmos, nos deitamos para dormir. Minha casa era bem simples e eu dividia o único quarto com a minha mãe.
— Aquelas maçãs que a Angelique trouxe estavam magníficas. Será que amanhã à tarde você poderia ir buscar mais no bosque? Eu gostaria de fazer uma torta com elas. — falou minha mãe.
— Mas é claro! — sorri. — Dou uma passadinha lá no fim de tarde, depois que saírmos da venda. — ela assentiu.
Mesmo sobre aquele colchão de palha nada confortável, eu conseguia dormir profundamente e de forma tranquila. Eu era grata por todas as coisas simples que Deus havia me dado. Todas as pessoas, minha mãe e até mesmo o lençol fino que me cobria agora. E principalmente, era grata por ser amada.