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1110 Words
Búfalo Eu juro por Deus, se alguém me dissesse que meu dia ia terminar com um defunto ruivo fedendo no corredor da boca, eu tinha ficado em casa dormindo. Mas como nada na minha vida é normal desde que o Voraz resolveu virar protagonista de novela mexicana, eu estava ali parado, vendo um policial bater na porta com a maior cara de naturalidade do mundo. Policial: trouxe o que o chefe pediu. Eu franzi a testa na hora. O quê? Um bolo? Uma caixa? Não. O cara abriu o saco preto. Búfalo: p.o.r.r.a, mano, que isso?! Policial: ué, uma ruiva. Não foi isso que ele pediu? A mulher tava tão fedida que parecia que já tinha morrido três vezes, ressuscitado e desistido de viver de novo. Búfalo: da onde tu tirou isso? Policial: IML. A família não apareceu pra buscar. Tava lá dando bobeira. Eu tampei o nariz na hora. Búfalo: dando bobeira? Ela é um defunto, não um celular esquecido no bar, c.a.r.a.l.h.o! Antes que eu pudesse expulsar o policial e mandar ele devolver a morta, o Voraz apareceu atrás de mim igual espírito obsessor. Voraz: chegou? Búfalo: chegou, mas tá estragada, irmão. Se tu queria frescor, tinha que ter pedido direto da fábrica. Policial: fiz o melhor que deu, chefe. O pré-requisito era cabelo vermelho. Tá aí. O Voraz passou a mão no rosto como se estivesse concentrado em trabalho artístico. Voraz: perfeito. Perfeito pra quem? Pra ele, né. Porque se fosse por mim… Búfalo: e aí, o que tu vai fazer com isso? Deixar na porta do Panda com um laço? Voraz: tu e eu vamos botar ela no baú do caminhão de farinha. Eu dei um passo pra trás. Búfalo: eu não vou meter a mão num defunto. Não vou. Não tem oração no mundo que faça eu encostar nisso aí. Voraz: vai sim. Búfalo: NÃO VOU. Voraz: Búfalo, eu tô com zero paciência. Quer que eu te ajude a decidir? Ele ergueu a sobrancelha. Pronto. Era o suficiente pra eu mudar de opinião na hora. Búfalo: tá… mas eu não carrego a cabeça. Meu limite é braço. Policial: cabeça eu tiro. Eu olhei pra ele horrorizado. Búfalo: tu tá muito confortável com isso aí, irmão. Isso não é saudável, não. Pegamos o corpo. Ou melhor: o Voraz pegou. Eu pinçava a pontinha da roupa da mulher com nojo, igual quem segura cocô do cachorro com saco fino. Jogamos ela dentro do caminhão de farinha. Ela caiu com um TUFO que levantou poeira branca pra todo lado, parecia até ritual. Voraz: agora a gente destrói a cara dela. Búfalo: destruir como? Ela já está f.o.d.i.d.a. Voraz: tu tá muito viadinho hoje, né? Ele pegou a 12. A DOZE. Búfalo: irmão, se tu atirar isso dentro do caminhão, eu não limpo nada. NÃO LIMPO NADA. Voraz: não vai precisar limpar, só registrar. Ele apontou a 12 pro rosto da mulher, deu um tiro de trás pra frente, voou farinha, pedaço de defunto, cheiro de carniça, e eu juro que vi minha alma saindo do corpo. Búfalo: p.o.r.r.a, VORAZ! Voraz: relaxa, agora ela tá irreconhecível. Búfalo: ela já tava! Voraz: mas agora tá oficial. Tira a foto. Eu respirei fundo, recolhi minha dignidade caída no chão e peguei o celular. Tirei uma foto tremendo. Ficou até bonita, considerando que era um cadáver moído. Voraz: manda no grupo. O grupo chamava “FAMÍLIA ANTA 157”. Foto enviada. Do nada começou o show: Panda: que isso, chefe?? Eu dei um sorrisinho porque ele foi o primeiro a responder. Voraz: eu vou mandar esse texto aqui sendo bem claro que essa mulher — que eu não sei da onde veio — tentou roubar minha carga. E como vocês sabem, eu não tenho pena de mulher, de homem, de ninguém. Eu tô postando a foto do rosto dela aqui, bem ferrado, porque eu dei um tiro de 12 na cara dela. Dentro do saco ela tinha roubado a primeira carga, quando roubou a segunda eu meti uma bala no meio da cara dela. Uma bala não, um tirinho de 12. É só pra vocês entenderem o que acontece com vacilão, mas todo mundo já tá ligado porque aqui não tem vacilão, né? Juninho da 12: burra, né? Porque se ela já tava acostumada a roubar, ela pisou no lugar errado. Agora virou estatística. Voraz: é isso. E todo vacilão que tentar aqui no meu morro, seja no Antares ou seja lá no Complexo, vai virar filho. Não tem jeito. Todo mundo sabe como eu sou. Essa foi só uma demonstração pra todo mundo continuar ligado. Coloquei o telefone no bolso. Ele não parava de vibrar. Eu sabia que ia ser o comentário, e o Panda com certeza deve tá se cagando de medo dela ter falado alguma coisa antes de morrer. Búfalo: e agora a gente simplesmente vai deixar o corpo aqui? Voraz: pode jogar fogo dentro do caminhão mesmo. Não quero que sobre nada pra ele conseguir imaginar que não é a mãe do filho dele. Voltamos pra boca sem tomar banho, e eu ainda tava nervoso, tá ligado? Porque o fedor parecia ter ficado impregnado em mim. Policial: quando o Búfalo me ligou, ele disse que tinha uma segunda missão pra mim. Qual foi? Voraz: tu vai invadir o morro de um dos meus aliados. Tu vai recuperar metade da minha carga, porque foi ele que me roubou. Mas acima de tudo, tu vai lá pra poder pegar um bebê. Policial: bebê? Voraz: sim. Ele vai estar na casa do Panda. Eu vou te passar as coordenadas. Tu vai invadir durante o pagode. A confusão vai ser tão grande que ele não vai ter uma reação imediata. Essa criança não pode se machucar. Eu quero ela intacta. Policial: e desde quando tu gosta de criança? Voraz: nada contra. Pelo menos criança não vacila. Acho que nós estamos entendidos. Essa invasão vai ser amanhã, então atividade. Prepara os teus homens e eu vou pagar muito bem se vocês conseguirem chegar aqui com o bebê. E ninguém pode saber, então tem que ser homens de confiança. Policial: pagando bem a gente esquece até o nome da nossa mãe. Pode deixar. Ele saiu e o Voraz deu um sorrisinho. O Panda tá f.o.d.i.d.o. Voraz bateu a mão no meu ombro. Voraz: metade da missão concluída. Búfalo: irmão… eu só queria ser gerente de RH numa empresa normal. O policial deu tchau como se tivesse entregue um pacote. Policial: qualquer coisa, é só chamar. Eu tenho mais umas três lá sobrando. Eu quase desmaiei. Búfalo: NÃO CHAMA ESSE MALUCO NUNCA MAIS! Voraz ficou rindo. Voraz: relaxa, Búfalo. Ainda vai ter coisa pior.
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