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949 Words
Alexandra Saio da cela P.ut.a sabendo que meu dia vai ser que nem todos os outros. As horas aqui não passam. Olho para o céu e o sol está quadrado aqui dentro, sempre na mesma. Eu não sei quanto tempo eu vou aguentar ficar aqui dentro. Já pensei em acabar com isso várias vezes, mas o que me sustenta é saber que meu filho está lá fora esperando por mim e, mesmo que os meses estejam passando, ou melhor, se arrastando, ele ainda é um bebê que precisa da mãe. Se não fosse por ele, eu já tinha acabado com tudo. Já tinha me enfiado uma faca, já tinha dado um jeito de ter uma overdose aqui dentro porque eu não aguento mais. Às vezes bate uma depressão louca, saudade de casa… se é que eu tenho uma casa, né? Porque depois de tanto tempo aqui dentro, sinto que não tenho pra onde voltar. O ódio que cresce dentro de mim… minha vontade é meter uma bala na cara de várias pessoas, principalmente na do Panda. Eu vim parar aqui por amor, sim, por amar demais um homem que não me merecia. Eu era nova na Vila Kennedy, estava tentando recomeçar minha vida depois que a minha mãe morreu. Só que assim que eu cheguei na comunidade eu conheci o Pedro, mais conhecido como Panda. Eu tinha 18 e ele 23. Ele é dono do morro e começou a dar em cima de mim e eu caí no papinho gostoso dele. Mas eu sempre tive ciente que ele era dono do morro. Ele nunca escondeu nada de mim. Eu só não imaginei que ia sobrar pra mim também. No dia em que eu rodei ele me pediu pra receber uma carga. Eu fui no galpão receber, só que era uma armadilha. A polícia invadiu o galpão vinte minutos depois que eu coloquei os pés lá. Ligaram pra ele e me torturaram porque pensaram que ele ia estar no galpão. Eles queriam a cabeça dele. Eles deram um prazo para ele se entregar e eu fiquei sendo torturada durante esse prazo. Me bateram com madeira, me deram socos e chutes e eu gritava, eu chorava, implorava. Eu gritei o nome dele, mas nada dele. Quando finalmente viram que ele não ia aparecer, já estava de madrugada. Eles me jogaram no hospital penitenciário e foi lá dentro que eu descobri que eu tava esperando um filho do Panda. Eu me lembro daquela manhã como se fosse hoje, da médica falando que meu bebê teve sorte porque do jeito que eu tava machucada não tinha como ele sobreviver. Eu chorei, mas não tinha como nem abraçar minhas pernas porque eu estava toda quebrada. Assim que eu me recuperei e a médica falou que não tinha mais perigo para o bebê, eu fui jogada em Bangu. Depois de alguns dias o carcereiro me entregou o telefone e o Panda me ligou. E sabe qual é o pior de tudo? Ele me ligou pra terminar tudo entre a gente. Eu me senti um saco de lixo, tá ligado? Ele me colocou pra fora quando o lixeiro passou. Eu passei a visão pra ele que eu tava grávida e ele falou que ia me dar toda assistência aqui dentro enquanto o bebê estivesse dentro de mim. E ele deu. Pagou um advogado pra tentar me tirar daqui antes do bebê nascer, mas como eu rodei com uma carga, nenhum juiz me deu a liberdade. Os meses foram passando voando e a mãe dele vinha me visitar, trazendo as coisas. Quando eu vi, a minha barriga já tava gigante. Nos últimos meses da minha gravidez, não sei se por carência ou por medo, mas eu liguei pra ele todos os dias e mandei mensagem. Ele nunca me respondeu. Quando eu cheguei no nono mês eu fui informada que a família do pai ia ficar com meu bebê. Então eu liguei pra ele muito bolada e foi aí que outra mulher me atendeu. Naquele dia eu chorei como eu nunca chorei na minha vida. Parecia que uma parte de mim tinha sido arrancada. No outro dia ele tentou me ligar pra justificar, mas não tinha o que justificar. Ele tinha me substituído. A mãe dele tentou me passar vários recados, mas eu falei que eu não queria saber do filho dela. Falei pra ele seguir a vida dele e que eu só queria o meu filho. Queria que ele fizesse o mínimo: que cuidasse do meu bebê, porque o meu bebê também era filho dele. O dia chegou, a minha bolsa estourou e me levaram pra maternidade. Meu filho nasceu. Seis meses foi o tempo que eu tive com ele antes de tirarem ele de mim. Eu lembro que eu chorei durante horas dentro da cela agarrada aos meus joelhos. Agora meu bebê vai fazer um ano e eu ainda estou aqui dentro, esquecida pelo mundo, pelo homem que eu amo e pelo meu filho que está sendo criado por ele e pela nova mulher. E sabe qual é o pior de tudo? Eu sigo ela no i********:, no fake, e ela vive postando várias fotos com o meu filho dizendo que está vivendo a família que ela merece, a família dos sonhos dela com a minha criança. Essa semana eu viu um vídeo dela ensinando ele a falar mamãe e eu quase tive um troço. Tive uma crise de ansiedade terrível, tive que ser medicada. As minhas companheiras tentaram me acalmar, mas eu já pensei em acabar com tudo porque eu não aguento mais. Essa minha liberdade não chega. A minha morte vai chegar antes dela porque eu acho que eu nunca mais vou ser feliz.
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