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626 Words
Cheguei a pensar que começar de novo em outra cidade me traria algum tipo de paz. Uma espécie de reinício, como se eu pudesse apagar tudo o que veio antes. Mas bastou descer do ônibus e sentir o cheiro úmido do asfalto misturado com café barato e gasolina para entender que não é tão simples assim. Seattle não era como eu imaginava. Era maior, mais viva, mais barulhenta. Tudo parecia pulsar — as luzes, os carros, as pessoas apressadas com seus celulares na mão e fones nos ouvidos. Como se ninguém tivesse tempo pra nada. Como se o mundo estivesse sempre a segundos de explodir. A mochila pesava nas minhas costas enquanto eu caminhava até o campus da Rainier University. Era o primeiro dia do semestre. Eu era só mais uma caloura tentando parecer confiante, como se já soubesse onde ficava cada prédio, cada sala, cada vida. Spoiler: eu não sabia. O campus era enorme. Estudantes andavam de um lado para o outro, uns rindo alto, outros de cara fechada, muitos grudados em seus notebooks ou abraçados a copos de café. Eu me sentia invisível. E, de certa forma, era exatamente isso que eu queria. Ou pelo menos achava que queria. Estava distraída olhando o mapa no celular quando ouvi o ronco de um motor. Alto. Intenso. Quase sensual. Levantei os olhos a tempo de ver uma moto preta surgir na curva como se fosse parte de um filme — ou de um problema. Ele freou a poucos metros de onde eu estava. E, por um instante, tudo ao redor pareceu desacelerar. Sem capacete, cabelo castanho escuro bagunçado pelo vento, jaqueta de couro e o tipo de olhar que você sente antes mesmo de perceber que está sendo observada. Ele sorriu — um sorriso torto, como se soubesse de um segredo que o mundo inteiro ainda não descobriu. — Tá perdida? — ele perguntou, com a voz rouca e um sotaque leve que eu não consegui identificar. Talvez californiano. Eu arqueei uma sobrancelha, tentando ignorar o fato de que ele era, de longe, o cara mais bonito (e irritantemente confiante) que eu já tinha visto de perto. — Só tô passando. Mas obrigada pela preocupação. Ele desceu da moto com a calma de quem tem o tempo nas mãos. Como se o mundo girasse no ritmo dele. E talvez girasse mesmo. — Não parece o tipo que só passa. — Ele sorriu de novo, andando até mim como se não houvesse ninguém entre nós. — Tem cara de quem fica. De quem bagunça tudo. Revirei os olhos. Isso não era uma cantada qualquer. Era um jogo. E ele sabia jogar. — E você tem cara de quem só atrasa a vida dos outros. Ele soltou uma risada baixa, quase um desafio. — Talvez. Mas... a maioria não se importa com o atraso quando a viagem vale a pena. — Nossa — murmurei. — Você treina essas frases na frente do espelho? — Só quando sei que vão funcionar. Ele estendeu a mão. Eu hesitei. — Jace. Jace Maddox. — Ellie — respondi, finalmente apertando a mão dele. Quente. Firme. Segura. Tão diferente das mãos que eu estava acostumada a segurar. — Ellie... — Ele repetiu meu nome como se estivesse provando o som. — Bonito. A gente vai se ver de novo. — Confiante, hein? — Realista. A cidade é grande, mas eu sou péssimo em perder coisas interessantes. E com isso, ele voltou pra moto, colocou os óculos escuros e desapareceu como se tivesse vindo só pra bagunçar minha cabeça. Fiquei parada por alguns segundos, ainda com o calor do toque dele nos dedos. Quando finalmente consegui andar de novo, percebi que o mundo à minha volta estava igual. Mas eu, definitivamente, não estava mais.
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