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Cheguei a pensar que começar de novo em outra cidade me traria algum tipo de paz. Uma espécie de reinício, como se eu pudesse apagar tudo o que veio antes. Mas bastou descer do ônibus e sentir o cheiro úmido do asfalto misturado com café barato e gasolina para entender que não é tão simples assim.
Seattle não era como eu imaginava. Era maior, mais viva, mais barulhenta. Tudo parecia pulsar — as luzes, os carros, as pessoas apressadas com seus celulares na mão e fones nos ouvidos. Como se ninguém tivesse tempo pra nada. Como se o mundo estivesse sempre a segundos de explodir.
A mochila pesava nas minhas costas enquanto eu caminhava até o campus da Rainier University. Era o primeiro dia do semestre. Eu era só mais uma caloura tentando parecer confiante, como se já soubesse onde ficava cada prédio, cada sala, cada vida. Spoiler: eu não sabia.
O campus era enorme. Estudantes andavam de um lado para o outro, uns rindo alto, outros de cara fechada, muitos grudados em seus notebooks ou abraçados a copos de café. Eu me sentia invisível. E, de certa forma, era exatamente isso que eu queria.
Ou pelo menos achava que queria.
Estava distraída olhando o mapa no celular quando ouvi o ronco de um motor. Alto. Intenso. Quase sensual. Levantei os olhos a tempo de ver uma moto preta surgir na curva como se fosse parte de um filme — ou de um problema.
Ele freou a poucos metros de onde eu estava. E, por um instante, tudo ao redor pareceu desacelerar.
Sem capacete, cabelo castanho escuro bagunçado pelo vento, jaqueta de couro e o tipo de olhar que você sente antes mesmo de perceber que está sendo observada. Ele sorriu — um sorriso torto, como se soubesse de um segredo que o mundo inteiro ainda não descobriu.
— Tá perdida? — ele perguntou, com a voz rouca e um sotaque leve que eu não consegui identificar. Talvez californiano.
Eu arqueei uma sobrancelha, tentando ignorar o fato de que ele era, de longe, o cara mais bonito (e irritantemente confiante) que eu já tinha visto de perto.
— Só tô passando. Mas obrigada pela preocupação.
Ele desceu da moto com a calma de quem tem o tempo nas mãos. Como se o mundo girasse no ritmo dele. E talvez girasse mesmo.
— Não parece o tipo que só passa. — Ele sorriu de novo, andando até mim como se não houvesse ninguém entre nós. — Tem cara de quem fica. De quem bagunça tudo.
Revirei os olhos. Isso não era uma cantada qualquer. Era um jogo. E ele sabia jogar.
— E você tem cara de quem só atrasa a vida dos outros.
Ele soltou uma risada baixa, quase um desafio.
— Talvez. Mas... a maioria não se importa com o atraso quando a viagem vale a pena.
— Nossa — murmurei. — Você treina essas frases na frente do espelho?
— Só quando sei que vão funcionar.
Ele estendeu a mão. Eu hesitei.
— Jace. Jace Maddox.
— Ellie — respondi, finalmente apertando a mão dele. Quente. Firme. Segura. Tão diferente das mãos que eu estava acostumada a segurar.
— Ellie... — Ele repetiu meu nome como se estivesse provando o som. — Bonito. A gente vai se ver de novo.
— Confiante, hein?
— Realista. A cidade é grande, mas eu sou péssimo em perder coisas interessantes.
E com isso, ele voltou pra moto, colocou os óculos escuros e desapareceu como se tivesse vindo só pra bagunçar minha cabeça.
Fiquei parada por alguns segundos, ainda com o calor do toque dele nos dedos. Quando finalmente consegui andar de novo, percebi que o mundo à minha volta estava igual.
Mas eu, definitivamente, não estava mais.