🟥 Capítulo 7 – Falsas Verdades

1537 Words
A denúncia caiu como uma bomba na manhã de segunda-feira. > “Aluno do curso de Bioquímica é acusado de assédio moral e perseguição por colega de turma.” O comunicado oficial foi enviado por e-mail a todos os departamentos. O nome de Noah não era citado diretamente — mas a descrição, o horário das supostas ocorrências e o bloco de aulas batiam em cheio com sua rotina. Dentro da universidade, o clima mudou. Sussurros, olhares tortos, cochichos nos corredores. Um campo de julgamento silencioso. Noah soube da denúncia antes mesmo de chegar ao campus. Foi avisado por Camila, que estava visivelmente assustada. — Você precisa se proteger — disse ela. — Isso é sério, Noah. Eles vão te investigar. E... já estão te tratando como culpado. Ele ficou parado por alguns segundos, como se o mundo girasse ao redor e ele fosse o único imóvel. > Leonardo não estava apenas tentando vencê-lo. Estava tentando apagar sua existência. --- Do outro lado da cidade, Letícia já tinha recebido a denúncia — e sabia exatamente o que era. — É uma tática clássica de retaliação — disse ela a Matheus, enquanto analisava o texto do documento. — O tipo de manobra suja que confunde a opinião pública antes da verdade sair. — E o que a gente pode fazer? — perguntou ele, inquieto. — A gente antecipa. Publicamos o trecho da gravação de Lorena. Não tudo. Só o suficiente pra virar o vento da opinião pública. Depois disso, Leonardo vai ficar acuado. E quanto mais ele se mexer, mais ele se entrega. Matheus assentiu, mas hesitava. — Eu nunca pensei que ia entrar tão fundo nisso de novo. Achei que tinha me livrado dele. Letícia o olhou de lado. — Ninguém se livra de monstros se não os arrasta pra luz. --- Enquanto isso, Atena observava de longe. Não saiu de casa. Não respondeu às mensagens da imprensa que começavam a circular. Mas ligou para Noah. Ele atendeu com a voz tensa. — Eu tô aqui — disse ela, antes que ele perguntasse qualquer coisa. — Eu sei que isso é mentira. E sei que você não vai cair. — Eu tô com medo por você, Atena. Eles vão acabar te puxando pra isso. — Não hoje. Hoje, eu observo. E deixo que eles avancem. Letícia sabe o que faz. Houve silêncio por alguns segundos. — E se isso for demais pra você? — Então eu levanto amanhã e começo de novo. Igual fiz a vida inteira. Noah sorriu do outro lado, mesmo que ela não visse. --- Às 18h, a matéria de Letícia foi ao ar. 📰 “Áudio inédito revela tentativa de manipulação por empresário acusado de silenciar jovens dançarinas em casas noturnas de elite.” A gravação de Leonardo com Lorena foi publicada com trechos subtitulados. A voz dele clara: ameaçadora, nojenta. A repercussão foi imediata. — “Isso é podre.” — “Ele precisa ser preso.” — “Quem são as vítimas? Onde está a justiça?” — “O silêncio custou caro demais.” Noah olhou os comentários sem conseguir respirar direito. Pela primeira vez, não se sentia sozinho. E do lado de fora da cidade, Leonardo assistia à tela de um computador. Os olhos vazios. A mandíbula contraída. > — “Então vamos ver o quanto essa jornalista aguenta.” Matheus caminhava pelas ruas antigas do bairro onde Leonardo cresceu. Não era nostalgia. Era investigação. O antigo segurança sabia que para desmontar um império, era preciso começar pelas rachaduras da fundação. Ele tinha um nome. Dr. Caio Rezende — ex-advogado da família Calazans, afastado discretamente após um processo abafado por “conduta inapropriada” anos atrás. — “Ele sabia demais e falou de menos.” — dissera um antigo colega da boate. Era o suficiente para Matheus investigar. --- O consultório jurídico onde o advogado trabalhava agora era uma salinha decadente numa galeria comercial esquecida. Sem placas. Sem recepção. Matheus bateu na porta. Uma, duas vezes. — Quem é? — Um velho amigo da família Calazans. Silêncio. Depois, o som do trinco. Caio Rezende apareceu, visivelmente desgastado. Barba m*l feita, olheiras profundas, e mãos trêmulas. — Se veio pedir dinheiro, não tenho. Se veio pedir silêncio, chegou tarde. Matheus mostrou uma foto impressa: Leonardo e Atena na boate, tirada por câmeras de segurança. — Não vim pedir nada. Vim te dar uma chance de fazer a coisa certa. Antes que o inferno estoure de vez. Caio hesitou. Olhou ao redor como se temesse ser seguido. Depois abriu a porta. — Entra. --- A sala era abafada, repleta de pastas antigas, pilhas de papéis e uma cafeteira quebrada. Caio serviu duas doses de uísque barato, mesmo sendo antes do meio-dia. — Eles vão vir atrás de mim se eu falar. Leonardo não joga limpo. — Já estão vindo atrás de quem não tem nada a ver com isso. Você sabe o que ele fez com aquela dançarina, Lorena? — Sei. E com outras. E com funcionários. E com o próprio irmão. Matheus franziu o cenho. — Irmão? Caio assentiu, bebericando o copo. — Leonardo teve um irmão mais novo. Raul. Mais sensível. Mais inteligente também. Mas não “forte o suficiente” pro pai deles. Leonardo infernizava o garoto. Humilhava. Um dia, Raul tentou denunciar o próprio irmão por agressão doméstica. O caso desapareceu. Depois... Raul desapareceu também. — Você tá dizendo que Leonardo pode ter feito algo com o próprio irmão? — Tô dizendo que a última pessoa que viu Raul foi Leonardo. E que a polícia nunca investigou. Porque o sobrenome Calazans pesa mais que a justiça. Matheus ficou em silêncio. O peso da revelação era real. Não era mais apenas um jogo de poder. Era uma sucessão de crimes enterrados. — Você tem documentos? Provas? Qualquer coisa? Caio hesitou. Depois se levantou e vasculhou uma caixa antiga. Tirou de lá um pendrive preto, sem marca. — Raul me enviou isso um mês antes de sumir. Cópias de mensagens, prints, um diário digital com o histórico de abusos. Eu guardei. Porque sabia que um dia... alguém ia ter coragem de ir até o fim. Matheus pegou o objeto com cuidado, como se fosse explosivo. — Isso vai derrubar ele. De verdade. Caio encarou Matheus com olhos apagados, mas firmes. — Só derrube com precisão. Se errar o golpe... ele volta mais c***l do que antes. --- Horas depois, Matheus ligava para Letícia. — Achei. — O quê? — O que ninguém ousava procurar. E agora... a queda dele não é mais uma possibilidade. — É inevitável? — É só questão de tempo. A tela do notebook piscava em azul. Letícia mantinha os olhos fixos nas pastas recém-extraídas do pendrive entregue por Matheus. Ali estavam as palavras de Raul Calazans. Trechos do diário, arquivos de voz, capturas de tela com mensagens entre ele e o pai, entre ele e Leonardo. Gritos escritos, mágoas documentadas. Relatos de agressão, de humilhações públicas, de controle financeiro e psicológico. Mas o que chamou mais atenção foi um áudio simples, gravado no celular do irmão desaparecido: > 🎧 “Se eu sumir, não foi escolha. E se você ouvir isso, é porque meu irmão venceu mais uma vez. Só me prometa que ele não vença para sempre.” Letícia fechou os olhos por um momento. Respirou fundo. E então ligou para Matheus. — Temos tudo. — Você vai publicar? — Não ainda. Mas vamos preparar o cerco. Porque agora... ele está encurralado de verdade. — E quando o cerco fechar? — Ele não vai ter mais pra onde correr. > Nem pra quem enganar. --- Naquela noite, Matheus foi até o apartamento de Atena. Noah abriu a porta. Os dois se cumprimentaram com um olhar rápido de respeito mútuo. — Eu trouxe algo que pode interessar a ela. Atena apareceu, vestindo moletom e cabelo preso. O rosto cansado, mas alerta. — O que é? Matheus tirou o celular do bolso e deu play em um dos áudios de Raul. Atena ouviu. Cada palavra como uma agulha na pele. Mas ao final, havia algo diferente em seu olhar. — Ele também foi silenciado — disse ela, devagar. — Mas deixou um rastro. — E agora esse rastro vai iluminar o caminho até a queda de Leonardo — completou Matheus. Ela olhou para Noah, depois para Matheus. — Pela primeira vez... eu acredito que isso vai acabar. Não com um acordo, nem com medo. Vai acabar com justiça. — E quando acabar? — perguntou Noah. Atena sorriu. Pequeno. Mas verdadeiro. — Eu quero pintar de novo. Só isso. Um quadro que não seja grito. Um quadro que seja paz. --- Letícia terminou de redigir o esboço final da próxima matéria. Ela sabia que a bomba que estava prestes a lançar não teria volta. Mas, pela primeira vez em anos de jornalismo sujo, político, e censurado... > Ela sentia que estava fazendo algo certo. --- Enquanto isso, Leonardo, sozinho em um escritório escuro, tentava apagar rastros. Mas os dedos tremiam. O nome do irmão ecoava como um espectro. > “Raul... você nunca deveria ter deixado provas.” Mas era tarde demais. O castelo estava trincando. E do lado de fora... os que antes tremiam, agora marchavam.
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