🟥 Capítulo 8 – Ruínas de um Império

1531 Words
Leonardo Calazans não estava acostumado a sentir medo. Mas naquela manhã, ele o reconheceu pela primeira vez em anos — não como pânico, mas como um incômodo fundo, um pressentimento ácido, como se o chão sob seus sapatos de couro italiano começasse a ceder. O nome de Raul voltara aos sussurros dos corredores corporativos. A matéria de Letícia estava prestes a ser publicada em nível nacional, e sua equipe jurídica já alertava: — “Se o áudio for autenticado, não podemos impedir a publicação. A liberdade de imprensa vai proteger ela.” Leonardo desligou o telefone e passou a mão pelos cabelos com força. > "Eles acham que podem destruir o que eu construí." "Então eu destruo primeiro." Ele pegou o celular e discou um número sigiloso. — Tenho uma lista de jornalistas. Quero dossiês falsos circulando até amanhã. Distorçam. Invertam. Paguem. E inventem algo sobre ela também. A Dama de Vermelho. Mostrem que ela é só mais uma oportunista. — Alguma restrição? — Nenhuma. Quebrem ela na reputação, se não puderem tocar no corpo. --- Enquanto isso, no apartamento simples e silencioso, Atena acordava antes do sol nascer. Fazia dias que o medo era constante. Mas naquela manhã, havia algo diferente em seu peito: Clareza. Ela passou os dedos por uma tela em branco, encaixada no cavalete. Há meses não pintava nada novo. Nada com verdade. Mas agora... havia algo saindo de dentro dela, como lava quente de um vulcão contido há anos. Começou devagar. Tons de azul e branco. Depois traços mais vivos. Vermelhos, mas não violentos. A imagem ainda era abstrata, mas pulsava. Era a imagem de algo novo nascendo. Ela ainda não sabia o que — mas não era dor. --- Noah, ao acordar, a encontrou ali, concentrada, suja de tinta, sorrindo sozinha. — Achei que você nunca mais fosse pintar — disse ele, encostando-se no batente da porta. — Nem eu. Mas... o medo mudou de lugar. — Como assim? Ela virou-se para ele, os olhos mais calmos do que nos últimos meses. — Antes eu morria de medo do que ia acontecer se eu enfrentasse o Leonardo. Agora, tenho medo do que aconteceria se eu não enfrentasse. Se eu deixasse tudo isso me consumir pra sempre. Noah se aproximou. Não a tocou. Só a observou. — Você não vai ser só lembrada como vítima, Atena. — Eu sei. Porque agora, eu mesma tô escrevendo a minha história. --- Do outro lado da cidade, Letícia sentava-se diante de um café velho, o notebook aberto, e o cursor piscando sobre o título do próximo artigo. Ela respirou fundo. Sabia o que aquela matéria significaria. Era a queda de um império. Mas o preço seria alto. E, por isso, enviou a seguinte mensagem a Matheus: 📲 “Está pronto? Porque quando isso sair… não vai ter volta.” Ele respondeu em menos de um minuto. 📲 “Eu esperei minha vida inteira por isso. Vamos até o fim.” Na manhã de quinta-feira, as redes sociais explodiram com uma nova “reportagem exclusiva” publicada em um dos maiores sites de entretenimento do país. Título chamativo: 📰 “A verdade sobre a misteriosa Dama de Vermelho: dançarina, amante e oportunista?” A matéria usava fotos antigas da boate — algumas em trajes provocantes, outras borradas — e sugeria que Atena era uma figura “enigmática” que “poderia estar manipulando um jovem universitário” e “se promovendo em cima de uma acusação frágil”. > “Fontes próximas afirmam que ela já se envolveu em trocas de favores dentro da boate.” “Especialistas questionam o uso político de sua história.” “Coincidência demais que tudo isso surja quando ela se aproxima de um bolsista modelo.” O texto não dizia nada diretamente. Mas dizia tudo. Insinuava. Plantava. Contaminava. Noah leu cada linha com o sangue gelando. Atena também. — Ele tá tentando me apagar publicamente — disse ela, largando o celular sobre a mesa. — Não. Ele tá desesperado. E todo mundo que já foi esmagado por ele vai perceber isso agora — respondeu Noah. Mas ainda assim... doía. Atena se trancou no quarto por horas. Não por vergonha. Mas para não gritar. > Ela havia trabalhado tanto para ser vista como algo além do que vestia. E agora, o mundo voltava a reduzi-la ao que Leonardo queria que ela fosse: um produto quebrado, descartável, fácil de desacreditar. --- Enquanto isso, Letícia e Matheus acompanhavam o impacto do texto. — Ele fez o movimento esperado — disse Letícia. — Agora vem a parte boa: a reação. — Já tem jornalistas de verdade desmentindo a matéria. E... — E? Matheus abriu o celular. Mostrou uma mensagem. Era de um número desconhecido. 📲 “Não posso aparecer. Mas trabalhei com Leonardo. Tenho documentos. Ele tentou me comprar também. Se me garantirem p******o, eu falo.” Assinava com um nome inesperado: Verônica Camargo. — Quem é ela? — Letícia perguntou. Matheus respondeu lentamente. — Foi assessora de imprensa dele por três anos. A responsável por “limpar” a imagem dele cada vez que algum escândalo surgia. Letícia sorriu, mas sem alegria. — Se ela falar... a imprensa toda vai ter que ouvir. Porque ela conhece a máquina por dentro. — E já começou a desmoronar — disse Matheus, sério. — E quando isso acontecer... a Atena vai deixar de ser manchete. Vai ser referência. --- Naquela noite, Atena olhou para a própria imagem refletida no espelho. Ela usava moletom e tinha o cabelo preso com uma caneta. Nada nela parecia poderoso. Mas pela primeira vez em muito tempo, não se sentia diminuída. — Me reduziram, me dobraram, me chamaram de tudo — murmurou sozinha. — Mas ainda tô aqui. E agora, eu não vou mais sumir. Pegou o celular. Ligou para Letícia. — Você disse que eu podia ficar nos bastidores. Mas acho que tá na hora de eu aparecer também. Letícia sorriu do outro lado da linha. — Bem-vinda à guerra. O encontro aconteceu em uma cafeteria discreta, no subsolo de um prédio comercial. Nenhuma câmera. Nenhuma imprensa. Apenas três pessoas sentadas em volta de uma verdade que, até então, só existia nas sombras. Verônica Camargo não era como Matheus esperava. Jovem, elegante, discreta. Usava óculos escuros mesmo em ambiente fechado e mantinha o casaco fechado até o pescoço, como se estivesse fugindo de um vento que só ela sentia. Letícia colocou o gravador sobre a mesa. — Está pronta? Verônica assentiu, sem hesitação. — Trabalhei com Leonardo Calazans por três anos. Entrei como assistente, saí como cúmplice. Me pagavam para limpar. Apagar rastros. Inventar histórias. Enviar notas à imprensa para desviar a atenção sempre que uma denúncia surgia. Inclusive aquela da dançarina. Lorena. Matheus apertou o maxilar. — O que você sabe? — Que ela foi difamada com base em material que eu mesma editei. Recebi fotos fora de contexto, criei relatos fictícios. Ele me entregava tudo pronto. Eu só “plantava” nos veículos certos. E recebi bônus por cada manchete que saía com a palavra “instável”, “desequilibrada” ou “interesseira”. Letícia não interrompeu. Só gravava. Calmamente. Com a precisão de quem colhia dinamite. — E sobre Raul? — Matheus perguntou. Verônica respirou fundo. — Nunca o conheci pessoalmente. Mas vi a ficha médica dele. Acessos negados. Tratamentos ocultos. O garoto sofria crises de pânico severas e foi registrado em clínicas privadas sob nomes falsos. Tudo monitorado por Leonardo. E... eu vi Leonardo assinar a transferência do irmão para uma unidade psiquiátrica privada dias antes do sumiço. Silêncio. Letícia desligou o gravador. — Isso é o suficiente para uma bomba. Se você topar entrar como fonte oficial. Verônica hesitou. Depois, tirou os óculos. Os olhos estavam marejados. — Cansei de limpar a sujeira dele. Quero ser parte da queda. --- Enquanto isso, Atena se preparava para o impensável. Letícia havia conseguido um espaço exclusivo com uma jornalista respeitada — não uma “fofoqueira” de internet, mas alguém séria, íntegra, que cobria casos de a***o e violência há anos. A entrevista seria gravada no dia seguinte. Seria editada, humanizada, sem espetáculo. Atena não daria respostas. Ela contaria sua história. Pela primeira vez. Em sua voz. Noah estava com ela no estúdio improvisado. A equipe era pequena. Só luzes suaves, uma câmera e um gravador. Ela estava nervosa. Mas não hesitante. — Pronta? — perguntou a repórter, com delicadeza. Atena olhou para a lente. Respirou fundo. E então disse, com voz firme: — Meu nome é Atena Montez. E essa é a última vez que alguém vai contar minha história por mim. --- Do outro lado da cidade, Leonardo observava a tela do computador, onde uma nova manchete já estava sendo redigida. > “Dama de Vermelho quebra o silêncio e expõe bastidores de um sistema podre.” Ele fechou o laptop com força. Cerrou os dentes. Ligou para alguém. — Chegou a hora de atacar fora da mídia. — O que quer que façamos? Leonardo respondeu com frieza: — Quero que ela sinta o medo fora da tela. > Porque o fogo não destrói o que é forte. Mas consome quem não sabe queimar.
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