🟥 Capítulo 9 – Quando a Voz se Torna Fogo

1412 Words
A entrevista foi ao ar numa sexta-feira, 21h. O vídeo começava com silêncio. Só a imagem de Atena, sentada, os cabelos soltos, a expressão sóbria. Sem maquiagem, sem roteiro. Apenas verdade. — “Eu dancei durante dois anos sem poder ser tocada. Mas fora do palco, fui tocada por abusos que ninguém via. Fui chamada de oportunista, de mentirosa. Mas nunca me perguntaram o que eu perdi. Só o que eu tinha a ganhar.” O depoimento durava 12 minutos. Cada palavra parecia mais afiada que a anterior. Mais do que um desabafo, era um ato de guerra com voz de calma. Quando terminou, os comentários explodiram. > — “Ela é real. Senti cada palavra.” — “Essa mulher é coragem pura.” — “Agora ele não vai conseguir mais esconder nada.” — “Não importa como ela dançava. Importa como ela sobreviveu.” A entrevista foi assistida por meio milhão de pessoas em 24 horas. E entre essas pessoas... estava Leonardo Calazans. --- Sábado, 3h14 da manhã. Atena acordou com um estalo seco vindo da cozinha. O corpo inteiro congelou. Noah, que dormia no sofá, levantou na mesma hora, ainda sem saber o que estava acontecendo. Os dois se encararam em silêncio. A porta da cozinha estava entreaberta. O trinco forçado. A fechadura quebrada. Eles se aproximaram devagar. E o que encontraram fez o estômago dos dois virar. Um vestido vermelho, dobrado com perfeição, pendurado na porta da geladeira. E um bilhete manuscrito, fixado com um ímã: > "Você quer ser vista? Agora todos vão olhar. Inclusive eu." Atena deixou o papel cair. Noah correu até a porta do prédio — estava trancada por fora. Cadeado novo. Eles estavam presos. Leonardo esteve ali. E os trancou com a própria presença. --- Na manhã seguinte, Letícia e Matheus chegaram juntos. A porta foi arrombada por um chaveiro de emergência. A polícia foi chamada, mas como sempre, agiram com ceticismo. — “Sem câmeras no andar. Sem testemunhas. Sem provas de entrada forçada.” Letícia tirou fotos de tudo. Matheus colocou o vestido em um saco plástico com luvas. Noah ficou ao lado de Atena o tempo todo. Não dizia nada. Mas estava ali — como rocha, não como escudo. — Isso não é mais só ameaça — disse Letícia. — Isso foi uma invasão simbólica. Ele quer fazer ela se calar pela força. — E ele errou — completou Matheus. — Porque agora, não somos mais quatro contra ele. Letícia assentiu, ligando o celular. — Somos quatro, com um país inteiro assistindo. --- Naquela tarde, Letícia publicou uma nova matéria: 📰 “Após entrevista, apartamento de denunciante é invadido com símbolo do agressor: a violência que não aceita ser desmascarada.” > A matéria incluía fotos da porta arrombada, o vestido como objeto de intimidação e o histórico da denúncia. O público respondeu com indignação. A hashtag #JustiçaPorAtena começou a subir. Denúncias antigas contra Leonardo ressurgiram. O silêncio... começava a se quebrar. A sala do apartamento de Noah e Atena virou centro de operações. Na mesa, espalhados: impressões de prints de redes sociais; fotos do bilhete de ameaça; cópias das matérias publicadas por Letícia; uma lista com nomes de figuras ligadas ao império Calazans. Atena observava tudo com um novo olhar. Ela não era mais o ponto final da história. Era parte da engrenagem que a movia. — Precisamos fazer mais que denunciar — disse ela, com firmeza. — Precisamos antecipar o que ele faria se fosse pressionado a depor. Quem ele ameaçaria. Quem ele calaria. Letícia assentiu. — A audiência preliminar será marcada nos próximos dias. Com Verônica como testemunha e o histórico do irmão, temos mais que o suficiente para pressionar a promotoria a agir. — E se ele tentar sumir com ela? — Atena rebateu, referindo-se a Verônica. — A primeira reação dele a qualquer risco é silenciar a fonte. — Por isso ela vai para um hotel seguro. Amanhã mesmo. — disse Matheus. — E a imprensa vai saber que ela está sob p******o. Isso tira a tentação de cima dela. Atena cruzou os braços, pensativa. — E o juiz responsável? Já sabemos quem será? Letícia olhou para o notebook. — Estou em contato com fontes no fórum. A distribuição está em andamento. Mas... se for alguém da antiga rede de Leonardo, pode haver resistência. — Então é isso que vamos atacar primeiro — concluiu Atena. — A rede. Os laços. A podridão que sustenta ele. Noah olhou para ela com admiração discreta. Não disse nada. Mas nos olhos havia algo claro: > Ela estava diferente. Não apenas reagindo — liderando. --- No mesmo dia, a hashtag #JustiçaPorAtena se tornou trending topic. Perfis feministas, jornalistas independentes e até figuras públicas começaram a replicar o vídeo da entrevista. A matéria da invasão também viralizou. Com isso, o nome Leonardo Calazans passou a ser associado a um novo termo: #PredadorSilencioso. E, pela primeira vez, empresas parceiras começaram a se afastar. Uma delas publicou: 📣 “Estamos suspendendo temporariamente contratos com o grupo Calazans, até que as denúncias sejam formalmente esclarecidas.” --- Enquanto isso, Leonardo apertava os nós da gravata com fúria. Atendeu o telefone: — O que me prometeram foi blindagem. Não humilhação pública. A voz do outro lado foi curta: — A blindagem vale quando o soldado sabe se esconder. Você resolveu sair no meio do campo. Leonardo desligou. Olhou para a tela. E pela primeira vez, viu sua imagem se quebrar. --- À noite, no apartamento, Atena olhava pela janela. Noah se aproximou com duas xícaras de chá. — Tá tudo parecendo um jogo gigante agora — ele disse. — E pela primeira vez... eu entendo as regras. — E vai vencer? Ela virou-se para ele. O olhar determinado. — Não sei se vou vencer. Mas ele não vai sair impune. Nunca mais. A solicitação da promotoria foi protocolada às 17h32. > Leonardo Calazans estava oficialmente intimado a prestar depoimento, sob risco de condução coercitiva. A notícia se espalhou como pólvora. Emissoras cobriram em tempo real. Letícia atualizava o grupo a cada novo movimento. — A bomba tá armada — disse ela. — E dessa vez, ele não tem mais como fugir. Só pode correr... ou atacar. E ele escolheu atacar. --- Às 19h15, o celular de Matheus vibrou com uma ligação inesperada. — Clara? A voz da irmã mais nova vinha embargada do outro lado. — Matheus... um homem apareceu aqui. Disse que era um amigo seu... que precisava conversar... ele entrou. — COMO ASSIM ELE ENTROU? — Ele tá aqui, mas... ele me ameaçou, Matheus. Disse que se você não parar com o que está fazendo, vai começar a acontecer com a sua família também. O sangue de Matheus sumiu da cabeça. — Sai daí agora. Tranca a porta do quarto. Eu tô indo. Agora! Ele desligou. Noah se levantou imediatamente. — O que foi? — Ele foi atrás da minha irmã. Atena sentiu o estômago revirar. — Leonardo? — Não diretamente. Mas mandou alguém. Mandou uma mensagem como ele sempre faz. Intimidando sem sujar as mãos. Letícia já ligava para a polícia. — Vocês vão com Matheus. Eu fico e começo a montar um novo plano. Isso muda tudo. Se ele tá disposto a atingir família... ninguém tá seguro. --- Vinte minutos depois, Matheus invadia o prédio da irmã com dois policiais ao lado. O homem já tinha ido embora. Mas o recado estava lá, em cima da mesa da cozinha: > Uma foto de Clara no colégio. Um risco de caneta vermelha atravessando o rosto dela. E uma frase rabiscada: > “Toda luz tem sua sombra. A sua acabou de chegar.” --- Mais tarde, quando Matheus voltou ao apartamento, as mãos ainda tremiam. — Chegou a hora de parar de proteger só a história. A gente precisa proteger as pessoas agora. Atena, de pé ao lado da janela, apertou os braços ao redor do corpo. — Ele não vai parar até quebrar cada um de nós. Letícia assentiu. — Mas agora, temos algo que ele nunca teve: um ao outro. Noah fechou a porta. O apartamento parecia menor, mais escuro. E no celular de Letícia, uma nova notificação apareceu. 📩 Mensagem anônima: > “Quer saber quem pagou o juiz do caso Raul? Chegou a hora de cavar mais fundo.” Ela leu. Olhou para o grupo. E disse: — A próxima jogada não vai ser contra ele. — Vai ser contra o sistema que protege ele.
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