KEYLA
O sol nem tinha nascido direito e já tava me dando enxaqueca. Tava na cozinha, tentando fazer um café que consertasse a cabeça que parecia um tambor de escola de samba, quando ouvi a batida na porta. Era o Moleque do Correio, um pivete que fazia o serviço que o carteiro oficial não tem coragem de fazer.
Me deu um envelope, todo amassado, com a parte do remetente rasurada, mas eu não precisava ler o nome de quem tinha mandado. Só de ver a letra, aquela caligrafia miúda e certinha, um frio desceu minha espinha e parou direto na barriga. O coração parece que quis sair pela boca.
As minhas mãos ficaram trêmulas na hora. Eu já sabia, né? O Ben, no meio daquele surto de ciúmes do outro dia, já tinha soltado a bomba. Mas ver a confirmação escrita, na minha frente… é outra coisa.
Fiquei paralisada com o envelope na mão até o moleque ir embora. Aí, fechei a porta e sentei na cadeira da cozinha, com o coração batendo tão forte que eu achava que o vizinho ia ouvir. Abri o envelope com cuidado, quase com nojo.
Era a letra do Eduardo, sem erro.
Comecei a ler, e a cada palavra, o pânico foi crescendo dentro de mim, igual um balão cheio de ar sujo.
Querida Keyla,
Sei que falhei como marido. Fui um i****a, um cego, e paguei um preço alto por isso. Esses anos na cadeia me fizeram entender muita coisa. A principal é que eu preciso, mais do que tudo, reconquistar você e o Douglas. Eu sei que terminou comigo, e entendo o porquê. A distância é uma merda, e eu não estava lá pra você e por vezes quando veio aqui as coisas não aconteciam. Mas isso vai mudar. Estou voltando pra você. Em 45 dias, estarei aí. E vou lutar, Keylinha. Vou lutar com unhas e dentes pra ser o homem que você merece. O homem que eu devia ter sido desde sempre.
Com saudades,
Eduardo."
Eu li.
Eu reli.
Umas três, quatro vezes.
A parte dos "45 dias" parecia que tava em negrito, gritando pra mim. Quarenta e cinco dias. Um mês e meio. O Eduardo, o Matemático, meu marido, tava voltando.
Aí, a memória veio, daquelas que a gente tenta trancar a sete chaves.
O meu casamento.
Não foi um conto de fadas, foi uma obrigação. Lembro do vestido branco, simples, que minha mãe tinha comprado às pressas. Tava apertando pra c*****o na minha barriga, que já começava a aparecer com o Douglas crescendo rápido. Lembro dos olhares das pessoas na igreja.
Não eram de alegria, eram de pena.
— Coitada, tão novinha, já vai ser mãe, a vida acabou pra ela.
Eu com 15 anos, assustada, sem entender direito o que tava acontecendo, sendo empurrada pra um futuro que não era o que eu sonhava.
Casei porque me obrigaram.
Fiquei porque tinha meu filho. E agora?
Agora eu tava aqui, lendo a carta do homem que eu prometi amar na saúde e na doença, e a única coisa que eu sentia era um desespero frio. Porque eu não amava mais ele. Talvez nunca tivesse amado daquele jeito que se vê em filme. E pior: eu tava amando outro.
O Ben.
O menino de 18 anos, o rei do morro, o menino que tinha me mostrado um mundo de prazer, carinho e conexão que eu nem sabia que existia. A gente tinha se encontrado no meio do caos, e aquilo era real. Muito mais real do que qualquer coisa que eu tinha tido com o Eduardo.
Mas e a lealdade? E o voto? E o Douglas? Meu filho já tava puto da vida comigo por eu ter "abandonado" o pai. Se ele descobrisse o Ben… meu Deus, seria o fim do mundo.
Eu debati comigo mesma, sentada naquela cadeira, a carta suando na minha mão. De um lado, a obrigação, o passado, o que era "certo". Do outro, o amor, o presente, o que eu queria.
Tava uma confusão na minha cabeça. Levantei e fui pro banheiro. Tomei um banho frio, na esperança de acalmar a ansiedade que tava me consumindo por dentro. A água gelada batendo, mas não adiantou. A culpa era mais quente.
Saí do banheiro e voltei pra cozinha. O Ben tava dormindo no meu quarto, exausto depois de uma noite de sexo selvagem, daquelas que ele marcava o meu corpo como se eu fosse dele. E eu era. Naquele momento, olhando para aquele papel, eu sabia que era dele, não do Eduardo.
Peguei a carta. Minhas mãos ainda tremiam. Peguei um isqueiro que o Douglas tinha deixado em cima da mesa na última vez que veio me ver.
Fui até a pia.
Acendi o isqueiro e aproximei a chama do papel. Ele pegou fogo rápido, as chamas laranjas consumindo as palavras do Eduardo, as promessas vazias, o passado que eu não queria mais.
— Me transformei na mulher que sempre julguei — sussurrei pra mim mesma, vendo o papel virar cinza. — A que abandona o marido preso.
As cinzas pretas caíram no ralo da pia. Eu abri a torneira e vi tudo descer, sumir. Era simbólico demais. Tava lavando as mãos do meu casamento.
Nesse momento, ouvi um grito do quarto. O Ben acordou assustado, suado, o olho arregalado.
— Keyla! — ele gritou, ainda meio fora de si. — Tava sonhando… sonhando que o Matemático tava de volta… e você tava voltando pra ele…
Ele me olhou, a respiração ofegante, o ciúme e o medo estampados na cara. Aí, o olhar dele caiu na mesinha de cabeceira. Onde ainda tinha uma foto minha com o Eduardo, de uns anos atrás, quando ele era só o meu marido caixa de banco.
Ele apontou pra foto, a voz saindo grossa, um misto de ordem e desespero.
— Tira essa foto daí. Agora. E as outras também. Todas as fotos dele dessa casa. Eu não quero ver a cara dele aqui nunca mais.
Ele não tava pedindo.
Tava exigindo.
E eu, no meio daquele caos todo, lembrei das cinzas no ralo e soube que a minha escolha já tinha sido feita. Agora era só lidar com as consequências e claro com esse ciúmes doido do Ben.
ESSE LIVRO É UM SPIN OFF DO MEU LIVRO: FILHA DO MEU PADRASTO
ADICIONE NA BIBLIOTECA
COMENTE
VOTE NO BILHETE LUNAR
INSTA: @crisfer_autora