Mia já estava em casa, mas o consolo do lar parecia distante, abafado pela dor que a consumia. Cada cômodo que ela atravessava carregava lembranças de momentos que jamais voltariam. A sala, onde tantas vezes rira com Bryan, agora parecia fria, silenciosa, quase hostil. Os dias que se seguiram foram marcados por uma chuva incessante, como se a própria Costa da Lua compartilhasse sua dor. O som das gotas batendo na vidraça era quase hipnótico, um reflexo perfeito das lágrimas silenciosas que ainda escorriam pelo rosto de Mia. Cada respiração era um esforço; cada movimento, um lembrete da ausência do que ela mais amava.
Ela precisava de repouso, tanto físico quanto emocional. Mas a paz parecia impossível. O lar, que antes oferecia segurança e calor, agora estava impregnado da lembrança da traição e do vazio que se instalara em seu ventre. Mia sentia-se presa entre a memória do que tinham construído e a realidade que agora destruíra sua confiança e seu coração.
Bryan havia tirado alguns dias do trabalho, deixando que Ben — seu beta, irmão e confidente — assumisse as demandas da alcateia. Ele tentava cuidar de Mia, aproximar-se, mas cada gesto era repelido por uma barreira invisível, feita de mágoa, dor e nojo. Ele m*l conseguia permanecer no mesmo ambiente que ela sem sentir o peso da culpa esmagá-lo. Tentava encontrar palavras de desculpas, explicações, qualquer coisa que pudesse reduzir o abismo entre eles, mas cada frase parecia insuficiente. Como reparar o que havia sido quebrado? A imagem do que Mia havia presenciado, a lembrança vívida da traição e a perda do bebê eram abismos que nenhuma palavra poderia transpor.
Mia nunca havia sido tão fria com ele. Evitava seus olhos, torcia o corpo para longe de qualquer tentativa de aproximação. Ainda assim, com os filhos, tornava-se um paradoxo de ternura: abraçava-os com força, ria de suas travessuras, entregava-se com dedicação febril. Logan e Luke corriam ao redor dela, cheios de energia, e a pequena Lauren, com apenas oito meses, já tentava acompanhar os irmãos. Mesmo tão jovens, os três percebiam a dor da mãe e permaneciam grudados nela, como se sua mera presença pudesse conter o mundo desmoronando ao redor. A inocência das crianças contrastava brutalmente com o inferno silencioso que consumia Mia por dentro.
Bryan queria estar ali, ser a rocha que ela precisava, mas cada tentativa dele de se aproximar só reforçava a barreira entre eles. A dor de seu ventre vazio, a traição e a quebra irreparável da confiança mantinham-no à distância, mesmo quando ele desejava desesperadamente quebrar qualquer limite para reconquistá-la. Ele via a ferida em cada olhar, sentia a distância entre eles crescer e, a cada fracasso, sua obsessão se intensificava. Ele não podia aceitar perder Mia, mas a dor que havia causado a transformava em uma fortaleza intransponível.
O fim de semana chegou pesado, carregado de uma atmosfera sufocante. Bryan levou as crianças para a reunião de família, deixando Mia sozinha. Ela não queria ir, não queria enfrentar Lívia, Daemon, nem muito menos a presença de Bryan, que agora parecia mais à vontade com sua ex do que com a mulher a quem jurara amor eterno. Cada lembrança da traição latejava como ferro quente em suas veias. O coração de Mia estava em frangalhos, mas havia algo dentro dela que se recusava a se quebrar por completo: uma centelha de força, de indignação e de necessidade de reivindicar sua própria vida.
Ela se acomodou na sala, copo de vinho nas mãos, observando a casa vazia e silenciosa. O som distante da música da reunião na casa de Nathanael Blackwolf chegava como um eco longínquo, irrelevante, quase insultante para sua dor. Tudo parecia ter se transformado em um pesadelo do qual não podia acordar.
— Eu não vou mais tentar — murmurou para si mesma, a voz embargada pela dor. A palavra “divórcio” ainda pairava como uma espada de Dâmocles, distante, mas a decisão de finalmente se libertar começava a se cristalizar. Ela não podia mais permanecer refém de um amor que a machucava tão profundamente.
Horas depois, tomou mais um gole de vinho, pegou o casaco e entrou no carro. A estrada fria e vazia parecia se estender infinitamente, mas Mia sentia uma clareza inédita. Cada quilômetro a aproximava da mansão Blackwolf, cada respiração a fortalecia. Sabia exatamente o que precisava fazer, e não havia volta.
O percurso parecia durar uma eternidade, mas, ao chegar, ignorou o clima acolhedor da festa e foi direto ao centro da sala onde todos estavam reunidos. O silêncio pesado se instalou imediatamente, olhos fixos nela. Mia respirou fundo, sentindo a tensão crescer no ar como um fio de lâmina prestes a cortar.
— Eu só vim para avisar — disse com firmeza, a voz cortante —. Não se preocupem. Apesar de, infelizmente, a Deusa da Lua nos ter dado um Alfa tão fraco, que sempre acaba sendo usado e descartado pela minha irmã Lívia, eu não vou cometer os mesmos erros que ele.
Ela manteve os olhos firmes em Bryan, seu alvo e motivo da tempestade que carregava dentro de si. Cada palavra que saía de sua boca era uma lâmina, e ele merecia ouvir todas elas.
— Sei como meu poder é importante para a família e para a alcateia, então não vou rejeitá-lo por vocês. Agora, vou continuar enchendo a cara e peço encarecidamente que não me olhem com pena, porque eu não sou digna de pena.
Fez uma pausa, permitindo que o peso das palavras se assentasse no ambiente tenso, e então apontou para Bryan:
— Ele sim é — disse, a voz cortante — um Alfa fraco, que se deixa levar pela paixonite de adolescente, que se aproveita de sua própria fraqueza e depois descarta como se fosse nada. Provavelmente só o usou de novo para fazer ciúmes ao marido dela.
O silêncio da sala era quase sepulcral. Mia sentiu a adrenalina percorrer cada fibra de seu corpo. Cada palavra reverberava, e ela se manteve firme, sem dar a Bryan a chance de interromper.
— E sinceramente, estou louca para ver como nosso Alfa Bryan vai lidar com o Alfa Daemon Hemlock quando ele chegar e quiser a cabeça dele por ter trepado com a mulher dele.
Bryan estava imóvel, olhos fixos nela, expressão entre choque e raiva. Ao redor, todos estavam atônitos com a dureza daquelas palavras.
Ela estava feita. Estava farta.
Bryan finalmente quebrou o silêncio, voz baixa e ameaçadora:
— Mia… você não… já chega, vamos conversar agora! — disse, levantando-se e segurando-a pelo braço.
Mas Mia não cedeu. Estava mais forte do que jamais imaginara, e sabia que aquelas palavras eram finalmente as que precisava dizer:
— Não temos oque conversar — falou com olhar gelado — não sou mais a mulher que você deixou de lado. Não vou continuar lutando sozinha enquanto você se entrega ao que quer e deseja. Não sou mais a mulher submissa. Não vou me calar mais.
Bryan não a soltou. Com olhos azuis fumegantes, tentou arrastá-la, mas Mia, meio bêbada, se libertou e voltou ao centro da sala.
— Miguel, Daniel… preciso que redijam um contrato. — A voz de Mia era firme, inabalável, cada palavra medida. — Quero que declare que sou Luna da alcateia Blackwolf apenas por contrato, mas que Bryan e eu não somos mais marido e mulher.
Miguel e Daniel, gêmeos advogados, trocaram um olhar rápido antes de voltarem-se para Samael Blackwolf, Gama da família e fundador da Blackwolfs Advocacia Corporation, a maior empresa de advocacia do mundo lupino. Trabalhando diretamente para Samael, os gêmeos sabiam que Mia não buscava apenas liberdade emocional, mas legal. A marca da união com Bryan não era mais vínculo de amor, mas de obrigação. Ela precisava disso por si mesma e pelos filhos.
Mia se levantou e foi direto para o bar do outro lado da sala. Bryan a seguiu, mas ninguém se moveu; todos sentiam o peso daquela decisão. Ela pegou um copo, colocou gelo, serviu-se de bebida e respirou fundo.
— Já chega Mia! Isso não vai acontecer. Você é e sempre será minha companheira como a Lua nos destinou. Não há contrato ou papel que mude isso — disse Bryan, cada palavra gelada, cortante, autoritária, a face do velho Alfa ressurgindo em toda sua plenitude.
Ela o encarou, determinada. O que queria agora não era ele. Queria viver, longe do homem que tanto amou em vão.
— Bryan, não precisa mais fingir. Eu estou te dando o que você sempre sonhou. Agora não precisa se conter. Vai viver sua vida com sua sonhada Lívia — disse, tentando soar fria, mas a voz falhou, traindo a dor que ainda queimava.
Ele se aproximou, respiração pesada, tentando manter o controle que já não tinha:
A voz dele saiu como o farfalhar de uma serpente prestes a atacar, um som tão baixo que era quase inaudível, mas que carregava o peso de um trovão.
— Eu não quero nada disso…
As palavras ecoaram no espaço entre eles, carregadas de um perigo súbito. O azul outrora vívido de seus olhos apagou-se, dando lugar a um vazio profundo e gélido que prometia dor. Seu maxilar estava tão tensionado que os músculos saltavam sob a pele, um testemunho silencioso da violência que ele lutava para conter.
Mia tomou um longo gole de bebida, empinou o nariz com desafio.
— Acontece que eu não quero mais você, Bryan. Casamos cedo demais, e eu não quero mais viver com alguém que não me ama. Estou cansada da sua frieza, da sua incerteza, das suas mentiras e traições. Quero viver, como você mesmo está fazendo. Quero estar com outro homem que me ame de verdade. Quero beijar outras bocas, sentir outros corpos…
O ar ao redor rarefeceu. O azul dos olhos de Bryan engoliu-se, dando lugar a um vazio opaco e ameaçador. Aquela não era a raiva controlada de seu marido, mas a face sombria do lobo interior que Mia jamais havia visto. Ele se inclinou, voz um túmulo de gelo e ferro:
— Não. Ouse. Dizer. Essas. Palavras! — cada sílaba carregava uma promessa silenciosa de consequências graves.
O silêncio se alongou, pesado como chumbo, prenunciando a guerra que apenas começava. Mia sabia que, finalmente, estava livre, mas também que nada jamais seria simples entre eles. Cada respiração carregava o peso do passado, cada olhar trocado com Bryan era uma batalha silenciosa de poder, orgulho e obsessão.