Capítulo 9 - O convite

1611 Words
O crepúsculo tingia o céu de tons quentes, um derrame de rosa suave e laranja desbotado sobre o qual as sombras começavam a se alongar, anunciando a chegada da noite. Bryan olhou para o celular com um misto de hesitação e decisão inquebrável. Com dedos firmes, que não tremiam, digitou uma mensagem curta, porém carregada de um significado que ecoaria por toda a praia: "Me encontre na beira da praia às 18 horas em ponto. Use roupas confortáveis." Ele hesitou por um instante, o polegar pairando sobre o ícone de enviar, sabendo que aquelas palavras simples carregavam o peso de um universo inteiro de intenções não ditas. Então, pressionou. Bryan arremessou o aparelho na cama com força bruta, como se pudesse se livrar do peso colossal daquela mensagem agora fora de seu controle. As roupas que vestia foram tiradas com movimentos bruscos e impacientes, quase rasgando o tecido fino no processo. Ele não queria admitir, mas cada músculo de seu corpo já estava tenso, um fio esticado ao máximo, só de imaginar o desenrolar daquela noite. O banheiro encheu-se de vapor denso assim que ele abriu o chuveiro, a água quase escaldante queimando sua pele como se pudesse lavar não só o suor do dia, mas a hesitação profunda que o consumia por dentro. Ele pegou o celular novamente – porque, claro, não conseguia ficar longe da possibilidade de uma resposta – e colocou Devil Side para tocar no volume máximo. A música ecoou nas paredes de azulejos, os graves vibrantes misturando-se ao som ritmado da água, criando uma sinfonia caótica para seus conflitos. Bryan fechou os olhos, deixando a batida pesada invadir seus pensamentos, tentando afogar a voz da razão. "Um dia comum", repetia para si mesmo, um mantra frágil. Mas suas ações o traíam: já havia escolhido a camisa que fazia os olhos de Mia escurecerem de desejo, preparado o caminho de velas de baunilha – seu cheiro favorito –, arrumado os lençóis do jeito que ela preferia, com um cuidado que denunciava sua obsessão. "Queria mostrar meu lado r**m pra ela... mas não consigo. Não completamente." Seus dentes cerraram até doer. "No fim, sou só o rei do gelo. Nem sequer consigo ser c***l o bastante." Mia não era apenas sua futura Luna — era o eixo invisível, o centro gravitacional que mantinha a alcateia inteira girando em equilíbrio precário. Quando ela se fechava, o clã inteiro cambaleava: e se ele fosse o culpado da dor dela, eles o esfolariam vivos. Até o vento que entrava pela janela carregava o cheiro pesado do desequilíbrio. Bryan cerrou as mãos até as garras semifluidas lhe furaram as palmas, uma dor aguda e familiar. "Ela precisa estar bem", cuspiu as palavras como se fossem veneno na sua boca. "Mesmo que eu tenha que encenar cada sorriso, cada toque, cada—" "Continua nessa mentira", rosnou Bones em sua mente, a voz um som de rasgar carne e triturar ossos. "Mas nós dois sabemos a verdade. Você é meu." "Cala a boca, Bones!", Bryan quase uivou, os músculos de suas costas tensionando como cordas de arco prestes a estourar. "Isso é sobre a alcateia. Só isso." A mentira queimava sua língua, amarga e inútil. Enquanto a água quente escorria pelo corpo delineado de Bryan, seus pensamentos o consumiam como labaredas silenciosas e mais quentes que a água. De repente, a letra da música ecoou em sua mente, cada palavra uma faca perfeita se encaixando na fechadura de sua alma. "Devil Side - Lado Ruim..." O nome da música queimava. Ele desejava acreditar que tinha um lado sombrio capaz de machucar Mia como ele jurava que ela merecia. Queria ser o demônio dos pesadelos dela, o monstro que a faria fugir correndo para nunca mais olhar para trás. Mas era tudo uma farsa patética. "Eu não tenho um lado r**m para ela." A verdade era mais humilhante que qualquer derrota: ele era apenas um covarde. Um lobo que rosnava mas não mordia de verdade. Um líder que não conseguia nem ser suficientemente c***l para afastar a única pessoa que deveria. "Eu queria ser capaz de odiá-la." Queria ser capaz de olhar para aqueles olhos prateados, espelhos de sua própria alma, e sentir apenas raiva pura. De ver seus lábios tremendo e sentir um pico de satisfação doentia. De destruir o que havia entre eles de uma vez por todas, reduzindo tudo a cinzas. Mas quando imaginou Mia chegando à praia, o vestido rosa claro colado ao corpo esguio pelo vento marinho, seus lábios se abrindo em surpresa inocente... Seu estômago embrulhou-se de desejo cru, não de ódio. "Patético." Bryan parou diante do espelho embaçado, encarando seu próprio reflexo distorcido com nojo. Onde estava seu temido Lado r**m? Onde estava o monstro que ele tanto prometera ser? Morto. Assassinado por um simples olhar prateado. E quando a noite chegasse, e Mia estivesse diante dele, respirando rápido, esperando... Ele sabia, com uma clareza que doía, o que aconteceria. Sua mão se ergueria para tocar seu rosto com uma reverência que não era para machucar. Seus lábios procurariam os dela, não para ferir, mas para se render completamente. "Eu sou pior que um covarde." Era um mentiroso. Porque seu "Lado r**m" - aquele lado sombrio que ele jurou para si mesmo que existia - nunca passara de uma fantasia de menino assustado. Uma máscara pesada que ele usava para esconder a verdade mais vergonhosa e avassaladora: Ele ainda a amava. Loucamente. Porém, ele pensou, os cantos da mente escurecendo com a sombra de um plano, posso não machucá-la de verdade – isso traria consequências irreparáveis – mas posso perturba-la... A mente dele, afiada como uma garrra, planejou algo sombrio que com certeza a faria se arrepender de ser a companheira dele. Uma armadilha psicológica, uma pequena vingança que alimentaria o jogo doente deles. Quando saiu do banheiro, seus passos eram rápidos demais, ansiosos, o plano traçado para fazê-la cair em sua armadilha emocional. Mas seu corpo continuava a traí-lo: quando escolheu as velas de baunilha — o cheiro que fazia Mia suspirar de prazer —, quando riscou "por aqui" na areia fofa com um cuidado excessivo e quase terno, quando ajustou os lençóis do jeito que ela gostava, cada movimento gritava sua devoção. "É só dever", murmurou para o vento, enquanto espalhava pétalas brancas que combinavam perfeitamente com o perfume dela. "Nada além disso. Apenas controle." Então a viu. A lua prateou seus contornos suaves quando Mia surgiu entre as árvores, seu vestido dançando com a brisa noturna como se fosse uma extensão dela mesma. Seu corpo reagiu antes que a razão, antes que o ódio, antes que o plano pudesse intervir: · O coração acelerou como um tambor de guerra anunciando o fim. · As garras que m*l haviam aparecido retraíram-se completamente, sem sua permissão. · O ar faltou em seus pulmões como um soco. O crepúsculo sangrava no horizonte, pintando tudo de um vermelho profundo. Como o sangue que jorraria se os laços entre eles se rompessem. Como o rubor que queimaria sua pele quando — não se, mas quando — ela o tocasse. E nas profundezas de seu ser, onde nem mesmo um futuro Alfa pode mentir, Bryan sabia: Nenhum dever, nenhum cargo, nenhuma mentira ou jogo de poder apagaria a verdade mais simples e devastadora — ele era dela, como a noite pertence à lua. Eternamente. Irrevocavelmente. Mesmo quando lutava contra isso com unhas e dentes. Especialmente quando lutava contra isso. Bryan vivia naquele jogo com Mia – morde e assopra, puxa e empurra, afasta com frieza e depois arrasta de volta com um olhar. Era uma dança cansativa e perigosa, mas, no fundo mais obscuro, ele não só a tolerava, como a necessitava. Porque no meio do caos que ele mesmo criava, havia um equilíbrio perfeito e doentio que só eles entendiam. Quando ele a afastava com gelo na voz, ela respondia com um olhar cortante que o desafiava, mas não fugia. Quando ele a puxava de volta, com um gesto quase imperceptível – um toque rápido que queimava, um olhar mais demorado que prometia tudo –, ela vinha. Sempre vinha. E depois, quando os corpos deles se encontravam naquele espaço privado, quando a respiração ofegante dela ecoava contra sua pele e os dentes dele encontravam o lugar perfeito no pescoço suave dela, era como se todas as peças do universo se encaixassem. Tudo fazia sentido. Era bom. Bom pra c*****o. Nenhuma outra loba o desafiava daquele jeito incendiário. Nenhuma outra o fazia perder o controle completo com um simples arquear de sobrancelha. Nenhuma outra conseguia arrancar dele tanto ódio fervoroso e tanto desejo incontrolável ao mesmo tempo. Era um jogo perigoso, sim. Um precipício. Mas era o jogo dele. Sua queda. E no fundo, no mais profundo e podre fundo de sua alma, Bryan sabia que não queria jogar com mais ninguém. Porque quando Mia estava feliz, ela transava com ele como se fosse a última noite do mundo. E quando ela transava com ele, era a melhor merda que ele já sentiu na vida. Uma conexão brutal e absoluta. E por mais que tentasse se convencer de que tudo isso era só dever, só estratégia, só controle... No fim, ele sempre se rendia. Sempre voltava para o seu abrigo. Sempre queria mais. E ela sabia. Porque Mia sempre soube ler ele melhor do que ele mesmo. Ela via através de todas as suas máscaras. E, mesmo depois de tudo, ainda jogava o jogo com ele. Ainda o procurava com aqueles olhos prateados. Ainda o queria com a mesma intensidade. Era um equilíbrio doentio, um ciclo tóxico. Mas era o equilíbrio deles. A única verdade que restava.
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