O sol da manhã esgueirava-se pelas frestas das cortinas pesadas, pintando o quarto com faixas pálidas de luz, mas para Mia e Bryan, a luz era apenas um lembrete do precipício em que se encontravam.
A névoa densa das memórias, impregnada de dor e da crueza das revelações de Bryan, ainda pairava sobre eles, um sudário invisível que pesava nos pulmões.
A vida inteira, desde o berço onde seus destinos se entrelaçaram com a marca lupina, tinha sido uma batalha. Agora, com a ferida aberta da noite anterior exposta sob a luz fria do dia, e a perspectiva de Bryan desvendada, Mia sentia um nó na garganta, um turbilhão de emoções complexas que ameaçava sufocá-la.
No fundo, apesar de tudo, no final, Mia não sabia se estaria ao lado dele. Ela esperava que eles vencessem as ameaças e as guerras e que a alcateia prosperasse, mas o seu coração e sua alma já haviam partido. Era só questão de tempo, e ela seguiria em frente; essa era uma certeza que ela guardou para si.
Ela se afastou do abraço dele, o calor do corpo de Bryan, antes um refúgio, agora quase um fardo. O cheiro de sua pele, de sexo, dor e desespero, ainda a envolvia. Mia respirou fundo, puxando o ar gélido que arranhava suas vias aéreas, tentando oxigenar a mente turva, organizar a avalanche de pensamentos que se chocavam em seu crânio.
— Eu preciso de tempo pra processar tudo isso, Bryan. Eu perdi um filhote e isso não se esquece facilmente — sua voz emergiu rouca, frágil como vidro, um contraste brutal com a força que ela vinha tentando ostentar. Seus olhos cinzentos, antes cheios de fogo e fúria, agora mareados e pesados, encontraram os dele, que a fitavam com uma intensidade quase dolorosa, uma mistura de apreensão e uma esperança quase infantil.
— E você precisa ter paciência. Temos muita mágoa e ressentimento um pelo outro. Isso não vai se resolver da noite para o dia.
O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado como o ar antes de uma tempestade. Cada segundo parecia uma eternidade, o som do coração de Mia reverberando em seus ouvidos. Os olhos azuis de Bryan não se desviaram. Ele a absorvia, cada linha de seu rosto, cada tremor em seus lábios. Finalmente, a voz dele cortou o ar rarefeito, rouca, mas com uma firmeza que ecoava uma nova resolução.
— Tudo bem. — A palavra era um acóide, uma rendição relutante, mas necessária. — Vamos lá tomar café. Nossos filhos… precisamos passar um tempo com eles.
Mia tentou mover-se, seu corpo rígido, a mente ainda presa na teia de memórias. Mas antes que pudesse sequer pensar em levantar-se, a mão forte de Bryan a segurou. Os dedos dele roçaram seu braço, um toque leve que, no entanto, enviou um arrepio elétrico por sua pele, uma centelha de uma conexão que jamais poderia ser verdadeiramente quebrada.
— Mas, Mia… — a voz dele era um sussurro urgente, uma confissão que escapava de sua alma. Ele a puxou para mais perto, a respiração quente em seu rosto. — Saiba que eu guardei dentro do meu coração uma verdade absoluta: eu pertenço a você. Eu sou seu, Mia. E tudo o que quero é pertencer a você e te amar com todo o meu ser…
Ele se aproximou ternamente, o calor do seu corpo a envolvendo, um calor que ela reconhecia, mas que agora trazia uma promessa velada. Seus lábios se encontraram, o beijo de Bryan era suave, quase reverente, desprovido da urgência possessiva que ela conhecia, mas carregado de uma sinceridade crua que a desarmou. Foi um toque fugaz, mas nele residia o peso de todas as suas promessas esquecidas e as que ainda estavam por nascer.
— Eu espero que você consiga. — A resposta de Mia foi um sopro quase inaudível, mas carregado de uma honestidade brutal. Ela sentia, em cada fibra exausta do seu corpo, na profundidade de sua alma dolorida, que aquele beijo, aquele momento, era o começo de algo. Algo novo, algo frágil, talvez doloroso, mas inegavelmente verdadeiro. A ferida ainda estava aberta, mas uma fina linha de cicatrização, quase imperceptível, começava a se formar.
A descida para o café da manhã foi um mergulho em uma realidade que parecia, de repente, tridimensional demais. Os degraus da grande escadaria de mármore da mansão Blackwolf, antes familiares, agora rangiam sob seus pés como se protestassem contra o peso da verdade recém-revelada. O perfume de café forte e pão fresco assado subia, misturando-se com o cheiro do mar da Costa da Lua, um aroma salgado e selvagem que a fez se sentir um pouco mais aterrada.
Quando entraram no salão de jantar, Mia sentiu o burburinho habitual da casa se dissolver na tensão de uma nova presença. E então ela a viu: Lívia, sentada à mesa, sorrindo como se nada tivesse acontecido. Um sorriso frio, confiante, que fazia todo o ar parecer pesado e eletrificado.
O salão estava repleto: Nathanel, Babi Maya, Alaric e Elizabeth, Chloe e Benjamin, os irmãos de Bruna, Bernardo, Brandon, além dos trigêmeos Axel, Gael e Niel, Rafael e Dr. Alexander. Entre os membros mais próximos da alcateia estavam os Montserrat, os Guerra, os Mykonos, e outros membros importantes, todos reunidos, testemunhando aquele momento carregado de tensão.
O coração de Mia estremeceu, e a loba dentro dela rosnou baixo. Mas ela manteve a postura impecável, o olhar gelado, como quem observa uma tempestade sem se abalar. Este era apenas o início de uma guerra silenciosa, e ela estava pronta.
Lívia deu um sorriso para Mia assim que a avistou, e Mia sentiu o ódio subindo pelas veias. Sem perder a compostura, ela falou:
— Bom dia a todos.
E sentou-se bem de frente para Lívia.
Bryan sentiu raiva imediatamente. “O que essa desgraçada está fazendo aqui?” — pensou, seu lobo contorcendo-se dentro dele. Ele não queria estar na presença dela nunca mais, se pudesse. O impulso de dar meia-volta e sair era forte, mas Mia segurou sua mão, e ele se deixou guiar pela sua companheira, ciente de que aquele era o caminho certo.
O silêncio do salão ficou ainda mais pesado, e todos os olhares se voltaram para a mesa, conscientes de que ali se desenhava o primeiro movimento de uma batalha silenciosa — uma guerra de poder, estratégia e autoridade, e Mia estava mais do que pronta para lutar.