Um ano e meio se passou.
Mas para eles dois… parecia uma vida inteira.
Mia mudara — por fora, quase nada.
Por dentro, tudo.
O sorriso ainda existia, a luz ainda brilhava, mas algo nela tinha ficado… distante. Como se parte da alma tivesse se escondido atrás de uma cortina fina demais para ser vista, mas grossa o bastante para ser sentida.
E Bryan…
Bryan não era mais o mesmo garoto que corria com ela pela floresta.
Ele carregava sombras nos ombros.
Sombras que ninguém via —
mas que o esmagavam todos os dias.
Para Mia, aquela noite tinha sido só isso:
um susto.
Um corte brusco na memória.
Um breu.
E depois… nada.
Ela desmaiou, acordou dias depois, viva.
Mas para Bryan?
Foi um inferno que nunca terminou.
Porque ele se lembrava de tudo.
Do sangue.
Da dor no grito que rasgou o peito dele.
Da sensação sufocante de perdê-la nos braços.
Da visão dela pálida, sem respirar.
Do pulso que não respondeu.
Do momento exato em que sentiu sua alma quebrar.
E desde então…
uma certeza o assombrava mais que qualquer lenda:
Ele, Bryan Blackwolf, o futuro Alfa Supremo,
havia falhado com a única pessoa que jamais poderia falhar.
A culpa virou sombra.
A sombra virou distância.
E a distância… virou hábito.
Ele continuava amando Mia com a força de um lobo enlouquecido.
Mas amar, às vezes, dói mais que morrer.
E para ele, tocar nela era como tocar fogo:
— Se eu me aproximar… posso ferir outra vez.
Então ele se afastou.
Um pouco no começo.
Depois mais.
Depois demais.
Um amor que um dia incendiou o mundo…
agora vivia à beira das cinzas.
E Mia, sem entender a profundidade da culpa que o consumia, perguntava-se todos os dias:
— Onde foi que eu perdi o meu Bryan?
Naquele dia a noite estava fria, cortante, com aquele vento que parecia sussurrar segredos pelas janelas antigas da mansão Blackwolf.
No grande salão de cinema, a luz do projetor dançava nas paredes, e a tela enorme iluminava rostos de amigos e familiares espalhados pelas almofadas e cobertores.
Risos suaves.
Pipoca.
Conversas murmuradas.
Parecia uma noite comum.
Exceto para ele.
Bryan estava rígido — quase imóvel — sentado ao lado de Mia sob um cobertor macio. Casaco grosso, capuz puxado, braços cruzados com força demais. Quem olhava de longe acharia que ele estava só concentrado no filme… mas Mia sabia.
Mia sempre sabia.
Ela se aproximou devagar, como quem pede permissão sem dizer uma palavra, e beijou o pescoço dele com carinho… com aquele toque suave que antes bastava para incendiar o mundo dos dois.
A pele de Bryan arrepiou.
Mas não de desejo.
De medo.
Porque ele sabia o que viria depois.
Ela o puxaria.
Ela o beijaria.
Ela subiria no colo dele, como sempre fazia.
E ele…
ele tentaria.
Ele sempre tentava.
Mas na hora H — sempre — algo nele se quebrava.
Um flash.
O sangue.
O corpo dela inerte.
O pulso que não respondeu.
O vazio no vínculo.
O pânico que destruiu tudo dentro dele.
E então tudo nele fechava.
Travava.
Sumia.
E ele falhava.
De novo.
E de novo.
E de novo.
A dor disso?
A vergonha?
A culpa?
Um tormento que ele escondia no fundo dos olhos, onde ninguém tinha coragem de encarar.
Mia beijou o pescoço dele outra vez, subindo a mão por baixo do moletom dele, sentindo o calor do abdômen—
Ele prendeu a respiração.
Um fio de voz escapou dela, quente, apaixonado, tão dela:
— A noite tá perfeita, né, amor?
Bryan não respondeu.
O maxilar dele apertou.
Os braços cruzados ficaram ainda mais tensos.
A expressão endureceu como pedra — o típico olhar de alfa tentando controlar um furacão interno.
Por dentro:
Controle.
Mantenha o controle.
Não deixa ela perceber.
Não deixa ela sofrer por sua culpa.
Não toca nela.
Não estraga tudo.
Não machuca de novo.
Mia percebeu a rigidez.
Ela sempre percebia.
Seu sorriso vacilou um milímetro.
Só um.
Mas o suficiente para doer em quem estivesse prestando atenção.
Ela apoiou a cabeça no ombro dele, buscando o Bryan que ela conhecia.
O Bryan que ria.
O Bryan que a agarrava no meio do corredor só pra beijá-la.
O Bryan que a devorava com os olhos e com a alma.
Mas este Bryan…
não estava mais ali.
Ele estava preso atrás das sombras que ele mesmo alimentava — sem perceber que, a cada noite, ficava mais distante dela. Mais frio. Mais duro. Mais… quebrado.
E Mia, mesmo sem saber por quê, sentia o vazio crescendo como uma rachadura invisível entre os dois.
— Você tá bem? — ela perguntou baixinho, quase implorando uma brecha.
Bryan respirou fundo.
Forçou um sorriso que não alcançou os olhos.
— Tô só cansado — mentiu.
E voltou a cruzar os braços, como se precisar se segurar… ou como se estivesse segurando o próprio coração para não despedaçar ali mesmo.
Enquanto isso, na tela do cinema, uma cena romântica acontecia.
Um casal se beijava.
Amava.
Se entregava um ao outro.
E Bryan desviou o olhar.
Como se aquilo doesse mais do que qualquer ferida física.
Porque para ele…
o amor ainda queimava.
Mas tocá-la?
Beijá-la?
Desejá-la?
Levá-la ao êxtase de novo?
Tudo isso lembrava o momento exato em que tudo desabou.
Mia suspirou baixinho e se encolheu mais perto dele.
E Bryan fechou os olhos por um segundo…
…como quem quebra por dentro e tenta esconder os pedaços.
O filme acabou.
Os sorrisos foram sumindo.
As luzes do salão foram apagadas uma a uma.
Casais e famílias subiram as escadas para seus quartos, ainda rindo, conversando, vivendo suas pequenas felicidades.
Menos eles.
Para Mia e Bryan, cada degrau era um lembrete silencioso de tudo que eles já foram… e de tudo que estavam perdendo.
Quando a porta do quarto se fechou e o silêncio caiu pesado, a tensão ficou quase palpável — um nó apertado entre eles, feito de amor… e medo.
No breu suave, Mia o puxou pela camisa, sem hesitar.
Beijou sua boca com sede, com a urgência de quem queria recuperar tudo que estavam perdendo.
Subiu no colo dele.
Sufocou o pescoço dele de beijos.
E Bryan, por um instante, respondeu.
O cheiro do desejo dela o envolveu.
O calor dos corpos juntos queimava.
Ela se esfregava nele com fome — a fome que sempre foi deles, do vínculo, da lua.
E ele sentiu o corpo reagir.
Milagrosamente.
Por um segundo.
Mia tirou a própria blusa com pressa.
O cabelo prateado caiu pelos ombros, a pele brilhando no breu.
Ela tirou o fôlego dele.
— Bryan… eu quero você — ela sussurrou, a voz rouca de desejo, cheia de amor, cheia de entrega. — Eu te quero…
No fundo, ela sempre acreditava que aquela noite seria diferente.
Ela nunca desistia dele.
Nunca.
Mas então…
veio o gatilho.
Ele viu — como um flash brutal —
o sangue.
o corpo dela inerte.
o olhar apagado.
a vida escorrendo entre seus dedos.
o vazio no vínculo.
a dor que o destruiu para sempre.
A respiração dele travou.
A mente congelou.
O corpo traiu.
E como DAS OUTRAS VEZES…
o medo venceu.
O desejo caiu como pedra em água gelada.
E Bryan ficou imóvel.
Quebrado.
Morto por dentro.
Mia percebeu.
Na mesma hora.
Sempre percebia.
— Bryan…? — ela respirou forte, tentando não demonstrar o baque.
Ele se afastou dela como se tivesse levado um tiro.
Virou as costas de uma vez, sentado à beira da cama, com o peito arfando.
A vergonha queimava mais que o próprio inferno.
A raiva de si mesmo subia como veneno.
— Amor… tá tudo bem… — Mia tentou, suavemente. — Ainda podemos tentar…
Isso bastou para ele quebrar.
De vez.
Ele se levantou com brutalidade, fazendo a cama balançar.
A voz saiu grossa, cortante, cheia de ódio — ódio de si mesmo, mas ela não sabia disso.
— Nem ferrando, Mia! — ele explodiu. — Você não consegue se controlar?! Qual é o SEU problema?!
Mia congelou.
— O… meu…? — a voz saiu pequena, quebrada.
Bryan riu sem humor, amargo, c***l por pura defesa.
— p***a, você parece uma ninfomaníaca! Toda hora querendo isso! Eu tô de SACO CHEIO!
O mundo dela parou.
— Eu só… eu só quero você… — ela tentou, a voz falhando.
— Pois EU não quero isso! — ele cuspiu as palavras, violento. — Não assim! Não desse jeito! Não o tempo todo! Eu não AGUENTO mais!
Ele vestiu a camisa com movimentos rápidos, irritados, como se quisesse arrancar a própria pele.
— Eu não vou dormir com você — disse, frio, duro, c***l. — Já que você não consegue controlar esse fogo aí… fica sozinha.
E saiu.
A porta bateu tão forte que tremeu a moldura.
Mia ficou imóvel por alguns segundos…
até o ar entrar de volta nos pulmões como uma faca.
O quarto estava escuro.
Vazio.
Gelado.
E foi ali, naquele silêncio que doía mais que o grito dele, que as lágrimas finalmente caíram — quentes, abundantes, ardendo como ácido ao descer pelo rosto.
Ela abraçou os próprios joelhos.
O peito doía.
O vínculo ardia.
E ela sussurrou, quase sem voz:
— Bryan… por quê…?
Mas só o eco respondeu.
Naquela noite, o que quebrou não foi o controle.
Foi algo muito maior.
Muito mais profundo.
Foi o amor doce deles…
que começou a desmoronar pela primeira vez.