Saí da casa dos Max Field, assim que a Dona Lorena foi trabalhar. Não me importava se perderia o emprego quando chegasse. Na verdade, no momento eu não me importava com nada. Quando o câncer atinge alguém que você ama, todo o resto perde o sentido, tudo o que antes você dava valor, começa a parecer apenas notas falsas, algo totalmente descartável e sem a menor importância.
Por que tudo comparado com a vida de alguém, principalmente se tratando da vida de alguém que você ama, é irrelevante. Pense na pessoa mais importante da sua vida. Pense na possibilidade de perdê-la. Se você pensar, realmente levando a sério, verá que um mundo colorido, fica sem cor. Que toda a riqueza, perde o valor. Que todo o sentido, vira loucura. Esse é meu mundo sem a Poly, um mundo preto e branco, pobre e louco.
Assim que cheguei no hospital, vi a mãe da Poly sentada em uma das cadeiras de espera. Por todo o lado dava para ver pessoas doentes, deitadas em macas e muitas na espera de um atendimento que só tardava.
— Oi Ciara, tudo bem? — Pergunto me aproximando e já me arrependo da pergunta que fiz. Basta olhar em seu rosto, que parece bem mais velho do que antes de ontem estava, os olhos inchados e sem brilho, é notório o quanto ela já chorou.
Quando ela olha para mim lágrimas brotam em seus olhos e escorrem pelas suas bochechas, meu coração afunda diante de tanto sofrimento.
— Minha menina... — Ela sussurra, mas logo soluços impedem qualquer outra palavra de sair de sua boca. Meus olhos se enchem também, ao me lembrar de como era essa família antes daquele triste diagnóstico.
— Onde está o Pedro? — Eu pergunto em um fiapo de voz. De repente eu me sinto envergonhada de estar saudável enquanto sua filha está desfalecendo em uma cama de hospital.
— Pedro foi para casa. — Sua voz é quase inaudível e eu decido não falar mais nada. É melhor ficar calada para não obrigá-la a me responder.
Espero alguns minutos até que dê o horário de visitas e entro no quarto onde ela está. A situação do hospital é deplorável, a quantidade de pessoas que há aqui, é absurda. Mesmo com o ar condicionado, o ar aqui é quente e abafado, pela quantidade de pessoas, fazendo com que o calor humano sobressaia.
— Oi Poly — Cumprimento assim que a vejo. Ela está ainda mais branca do que estava ontem, e mais abatida também, esse lugar não está fazendo bem a ela. Quando me vê, ela abaixa a cabeça e tenta limpar as lágrimas disfarçadamente, mas é claro que eu noto. — Por que você está chorando?
— Chorando eu? Não seja dramática Lara, você não vê como o ar aqui é quente? Meu olho estava apenas irritado, só isso. — Ela tenta disfarçar, mas até mesmo sua voz, vacila no final da frase. Chego mais perto.
— Mentimos uma para outra agora? — Pergunto e ela abaixa o olhar, negando com a cabeça. — Eu estou aqui Poly, sempre vou estar, agora deixa de má criação e me diz por que está chorando.
Ela funga, e mais algumas lágrimas descem silenciosas pela sua face.
— Eu não quero morrer Lara. — Ela sussurra. — Eu ainda quero pegar o meu médico, casar na Igreja do Elvis, Comemorar o divórcio em Paris, fazer um intercâmbio em Londres, nadar pelada na praia de Copacabana, fazer xixi na casa branca... São tantas coisas que eu quero realizar, eu não posso morrer agora.
Não consegui me conter e sorri. Essa é a minha amiga.
— Você vai realizar todos os seus sonhos amiga, cada um deles.
Mas ela balança a cabeça inconformada.
— Você fala isso por que não viu o que eu vi. A garota que estava no mesmo quarto que eu ontem morreu essa madrugada, e ela tinha câncer no estômago. Câncer. Igual a mim, e ela morreu. Eu não quero morrer também.
Lágrimas escorreram no meu rosto, eu não poderia perdê-la.
— Você não vai morrer está me ouvindo? Eu já menti para você antes? — Ela n**a com a cabeça. — Pois bem, eu também não estou mentindo agora. Você não vai morrer, por que eu não vou permitir.
— E o que você pode fazer? Esse hospital não tem estrutura para minha doença, não tem os remédios necessários, e nem meus pais nem você poderia pagar, então me diz como você vai cumprir essa promessa?
— Eu vou dar um jeito. Eu sempre dei um jeito, não dei? Sempre te mimei, fiz todas as suas vontades, e se o que você quer é viver, eu vou dar um jeito de fazer o que você quer. Eu daria um jeito de fazer você viver mesmo que você não quisesse Poly.
— Amo você amiga. — Ela aperta minha mão, as lágrimas ainda a escorrer por sua pele.
— Também amo você.
O médico gato da Poly entra na sala naquele momento.
— Você aqui de novo? É Lara não é? — O Doutor Carter aparece.
— Enquanto ela estiver aqui, o senhor vai ter que me engolir Doutor. — Brinco.
— É bom saber que a Poly tem uma amiga tão boa. Ela vai precisar nesse momento.
— Bom eu vou deixar o Senhor examiná-la agora. A última coisa que eu quero é atrapalhar. Eu volto amanhã Poly.
— Desse jeito você vai acabar perdendo o emprego, duvido que Dona Lorena esteja te liberando para vir aqui.
— Que a Dona Lorena se dane, eu vou continuar vindo aqui, enquanto você estiver aqui. Doutor eu gostaria de falar com o senhor, quando terminar, pode ser?
— Claro, só vou fazer alguns exames de rotina, não demora quinze minutos.
— Estou na sala de espera. — Dei um beijo na testa da Poly. — Até amanhã amiga, vê se fica bem.
— Não posso prometer nada, agora vai embora e me deixa com o meu médico. — Ela faz uma cara de safada que me faz rir
— Vê se não abusa do coitado.
— Também não posso prometer nada.
Saio da sala com um sorriso no rosto, melhorei o humor da Poly e isso já é alguma coisa, mas isso não impede as lagrimas de escorrer e eu encosto-me à parede e fico ali s*******o de quanto tempo eu passei pedindo a Deus que livrasse a Poly.
— Lara? — A voz do Doutor Carter me desperta.
— Ah, oi Doutor, O senhor está muito ocupado agora? Queria esclarecer algumas dúvidas.
— Um pouco, mas nada que não possa esperar uns dez minutos, fiquei muito sensibilizado com a amizade de vocês duas.
— Ela é meio que uma parte de mim sabe? Não sei explicar, só sei que não posso perdê-la.
— Entendo. — Entramos no escritório do Doutor, e eu me sentei de frente para ele. — Então o que quer saber?
— Eu gostaria muito de entender que raios de doença é Linfoma de Hodgkin e o que a Poly fez para contrair isso.
— O linfoma é um câncer que atinge o sistema linfático, ele surge quando um glóbulo branco, se transforma em uma célula maligna que cresce e se espalha pelo organismo. E ela não fez nada de errado para contrair isso, infelizmente a causa exata ainda é desconhecida pela ciência, bem como o crescimento desordenado dessas células malignas, mas possivelmente a imunidade da Poly ficou muito baixa impossibilitando as células de defesa fazerem seu trabalho direito.
— Ah é muita informação para minha cabeça. Eu quero saber mesmo, é quais as chances de cura da Poly.
— Olha, o Linfoma de Hodgkin é um dos cânceres mais curáveis que existe, mas ela vai precisar, claro, de um tratamento adequado.
— E um tratamento adequado custa caro.
— É possível ela ser curada aqui no hospital, mas as chances diminuem. Até pela demanda que é enorme, bem como a estrutura e os remédios também são bem escassos.
— Tem algum hospital bom que ela possa se tratar?
— Há vários, mas eles custam caro. Eu trabalho em um ótimo hospital que poderia dar a Polyana um tratamento especializado e individual, o grande problema é apenas o custeio.
— Eu vou dar um jeito.Pode começar a providenciar a transferência, eu não entendo muito bem o que é necessário.
— Tem certeza? Já posso adiantar que lá não é muito barato. Nem de longe.
— Já disse Doutor Carter, vou dar um jeito hoje mesmo de arranjar o dinheiro. Você disse que trabalha lá?
— É, eu faço oito horas de trabalho voluntário nesse hospital por semana. Duas manhãs. O restante do tempo, trabalho no HST, é um dos melhores do país, garanto.
— Obrigada Doutor. Dizer para mim que ela tem chances de se curar é maravilhoso.
— Grandes chances. Só fico imaginando que sacrifício você vai ter que fazer para arrecadar o dinheiro necessário.
— Sacrifícios valem à pena quando são feitos por pessoas que amamos.
— Só não entre em nenhuma encrenca.
— Não posso prometer nada. — Tentei sorri e virei-me para sair, _ Doutor? Já ia me esquecendo, tem um cartão? Algum meio para que eu possa me comunicar com o senhor se for preciso?
— Ah claro. — Ele pega um cartão em sua gaveta e me entrega — Espero vê-la em breve.
— Também espero.
Saí do hospital e fui até um café, próximo a ele. Meu celular tocava estridentemente na minha bolsa, mas eu não dei importância. Não estava afim de falar com ninguém hoje.
Sentei-me em uma mesa um pouco afastada, e pedi um suco de laranja. Tirei o contrato da bolsa e tentei analisar. Era tanta coisa que me deixava tonta.
Eu não poderia falar sobre a homossexualidade de Rafael a ninguém. Ok, isso eu já sabia. Eu não posso trabalhar em qualquer coisa que envergonhe o meu parceiro. Ah, isso aqui já é preconceito, trabalho doméstico não envergonha ninguém! Continuei lendo. Eu não posso, em hipótese alguma, me relacionar com qualquer outra pessoa enquanto estiver com Rafael. Tudo bem, eles me acham uma p**a traidora. Se bem que eu gostaria de saber se Rafael vai manter a fidelidade também. E aqui ainda frisa que a quebra dessa clausula implica na quebra do contrato. E acho que me esqueci de dizer, mas se eu quebrar o contrato eu terei que pagar uma multa de cinco milhões de reais. Ou seja, eu estaria ferrada. Continuando:
Terei que sustentar o namoro durante tempo integral. Ou seja, 24 horas por dia. Terei de agir com amabilidade com as fãs do cantor, com a mídia e com seus familiares. Deverei estar sempre bem vestida... Ah pelo amor de Deus! Primeiro sou a p**a traidora e agora a cafona? Deverei aceitar todos os presentes do meu namorado. Ou seja, mesmo que eu não goste ou me ofenda, tenho que aceitar. Jamais deverei negar contato físico em público. Mas e se o cara quiser sexo em público, inclui aqui também? Ah não, ele é gay, esqueci.
E outras tantas coisas que eu prefiro não citar agora. Ou seja, o contrato é um absurdo, mas a quantia que irei ganhar mensalmente, dá e sobra muito para o tratamento da Poly. Eu não quero aceitar isso. Não quero ter que sorrir para toda câmera que aparecer perto de mim, quero poder ir ao cinema sempre que quiser, ou lanchar em uma padaria. Ir para a faculdade sem necessitar de um segurança perto de mim. Não quero as amizades falsas que vão surgir, nem ter que passar muito tempo na companhia de alguém que eu nem sequer conheço, e sinceramente, já desprezo.
Mas o que posso fazer? Prometi para a Poly que ela viveria e posso cumprir isso. Como disse para o Doutor Carter, sacrifícios valem à pena quando são feitos por pessoas que amamos. Eu amo a Poly, e pior do que viver durante três anos em constante atuação, é viver o resto da vida sem ela.