Acordamos por volta das três da tarde. Foi diferente acordar com alguém do lado, nunca havia feito isso. Principalmente com alguém abraçado a mim. Não pense que acordamos por conta própria, porque eu acho que se deixassem, eu acordaria apenas no dia seguinte. Estava aconchegante demais naquela cama.
Mas Raissa veio nos chamar, dizendo que o dia estava lindo demais para ficar dormindo. Coloquei novamente a roupa que havia vindo pra fazenda, menos o casaco, pois tempo estava deliciosamente quente. Juntei os cabelos no alto da cabeça e desci as escadas rumo ao lado externo da fazenda.
- O que a gente vai fazer agora? - Perguntei, seguindo-o para seja lá onde ele estava indo.
- Vou te mostrar uma das minhas paixões. - Ele exibe para mim aqueles dentes perfeitamente alinhados e brancos como a neve, formando o sorriso perfeito que ele orgulha-se de ostentar.
Paro imediatamente quando percebo onde ele está indo. Um estábulo. O que estamos fazendo em um estábulo? Olho abruptamente para ele.
- Você não está levando para onde estão aqueles bichos selvagens, está?
- Você nunca andou em cavalos?
- Não é muito do costume paulistano andar de cavalo. Preferimos um meio bem mais eficaz e menos perigoso. Carros. Já ouviu falar?
Ele ri, daquele jeito que me deixa desconcertada.
- Você jura que é menos perigoso? Preciso realmente ressaltar a taxa de mortalidade de acidentes de carro e de cavalos?
- Isso porque poucas pessoas andam de cavalos. E a culpa dessa taxa de mortalidade é dos homens idiotas que acham vantagem em misturar álcool e direção.
- Homens? - Ele gargalha - Olha só, temos uma feminista aqui.
Um rapaz aparentando ter uns trinta e tantos anos, estava selando dois cavalos para nós. Só esse fato foi suficiente para esquecer a resposta afiada que espreitava na ponta da minha língua.
- Você acha que eu vou andar nesse negocio sozinha?
- Ah você vai sim. Eu vou te ensinar, Lara, fica tranqüila. Confia em mim?
Quando ele me faz essa pergunta, olhando-me daquele jeito profundo e extremamente confiável, fica impossível não de dizer sim. E é exatamente o que eu faço. O que é enfrentar um cavalo quanto se tornou praticamente um gado, não é mesmo?
- Eu vou te matar sabia? Primeiro o Helicóptero, agora andar de cavalos, daqui a pouco você vai me fazer entrar em uma cachoeira gelada.
Quando volto meu olhar a ele, sua cara lisa sorri conspiratoriamente, laço-lhe um olhar de aviso e espero que ele tenha entendido.
Ele me ajuda montar, e me explica como fazer o cavalo andar e parar sem deixá-lo enfurecido. Tenta me tranquilizar avisando que o cavalo é manso e que tanto ele quanto a Raissa aprendeu a andar nele, chama-se chocolate. Fala sério, ri na hora que ouvi, mas foi muito bem explicado quanto ao fato de ter sido a Raissa a dar esse nome quando tinha oito anos. Segui suas instruções morrendo de medo, segurando as rédeas como se fosse minha teia de salvação. Rafael ia ao meu lado, me instruindo, me aconselhando e rindo da minha cara hora ou outra. Não posso culpá-lo, o desespero devia estar estampado em meu corpo e rosto tenso. Mas, aos poucos, eu fui gostando daquilo. Do barulho do trotes, do cheiro de mato, do vento soprando em meu rosto, da sintonia que eu e o cavalo parecíamos ter, como se ele lesse meus pensamentos e se movimentasse conforme eu queria. Mas, acima de tudo, eu gostei da lembrança que estava sendo construída, um momento novo e gostoso ao lado de alguém especial. Um daqueles instantes em que você olha em volta e sua mente parece gravar o momento para se lembrar depois, guardando cada sensação e sentimento.
- Olha para ela, parece que nasceu cavalgando.
- É mais fácil e mais prazeroso do que eu pensei que seria.
Tão logo as palavras saem da minha boca, meu momento de paz se estilhaça. De repente ouço um som estranho, e automaticamente meu cenho é franzido de curiosidade. Quando eu me dou conta do que é, meu olhar o fuzila, irritada.
- Me diz que não estamos indo para uma cachoeira!
O desgraçado ri! Ri!
- Você precisa aprender a confiar em mim Larinha. Vai por mim, você vai adorar a cachoeira.
- Eu não vou entrar, já vou logo te avisando, nem adianta fazer olhar de cachorrinho, Rafael Nero!
Ele segue por um caminho mais fechado e eu fico com medo de entrar por ali, é minha primeira vez andando de cavalo, e não é segredo pra ninguém que eu não sou uma expert no assunto. Mas ele não anda mais de cem metros e para, descendo do cavalo e amarrando-o no tronco de uma arvore. Paro ao seu lado e olho para o chão, alto demais. Contudo, eu nem preciso pedir ajuda, por que ele vem até mim e me auxilia com todo cuidado. Após fincar meus pés no chão eu volto a me sentir segura, apesar de ter adorado andar de cavalo, não tinha como não ficar com aquele medinho de cair. Mas então outro medo me atinge. Parece que com o Rafael é sempre assim, sempre vivendo com medo de alguma coisa.
- Porque você tem tanto medo de cachoeira? - Ele pergunta enquanto caminhamos pela mata fechada.
Mas meu medo já começava ali. Olhava para o mato o tempo inteiro, minhas mãos começando a suar. Qualquer mexidinha de vento nas folhas e meu coração já dava um salto.
- Não é medo da cachoeira.
- Então é de quê?
Vejo um lagarto em uma arvore e dou um pulo. Quase tendo um ataque cardíaco. É só um lagarto Lara, apenas um lagarto.
- Cobra. E não é bem medo, é tipo pavor mesmo.
Ao contrário das pessoas que falo, ele não ri, e não faz nenhuma piadinha sem graça que eu tanto cansei de ouvir. Ele me olha preocupado.
- Já pensou em tratar?
- Já. Mas ainda não tive coragem.
Então eu paro quando vejo a aquela miragem. Qualquer medo ou pensamento negativo rondando minha mente desaparece. Uma cachoeira linda, alta e majestosa. Com a água não tão escura, uma leve coloração de marrom. Consigo ver claramente tudo que tem em baixo da água, e pelo menos no momento não vejo nenhuma cobra. Apenas pedrinhas de tamanhos variados que deixa o lugar ainda mais bonito, se é que é possível.
- É lindo não é? E não se preocupe Larinha, não tem cobra, tomo banho aqui desde que nasci e nunca vi nenhuma. Acho que elas não ficam em águas correntes. Não sei, não entendo muito de cobras, só sei que não gosto muito delas também.
Ele anda até a cachoeira e põe a mão na água fechando os olhos assim que faz o contato.
- Ah Larinha você tem que sentir isso, a água está deliciosa.
Vou até lá e coloco a mão na água também. E ele tem razão, está deliciosa.
- Vem, vamos entrar um pouquinho.
- Não mesmo. Nem roupa de banho a gente trouxe.
- Ué, nunca precisei de roupa de banho para me banhar aqui.
Ele começa a tirar a camisa e desabotoar a calça e eu me assusto. Tudo bem, não dá para ficar tão assustada olhando para ele ali apenas de cueca boxe na minha frente. Não sei se é muito seguro para minha sanidade ficar olhando, mas meus olhos se recusam a desviar a atenção.
- Você só pode estar louco.
Ele vem até mim e segura a minha mão.O contato com sua mão molhada envia ondas elétricas para o meu corpo, como se acendesse um pavio e incinerasse o meu sangue.
- Você escolhe: ou tira a roupa e a gente entra ou eu te jogo lá dentro assim mesmo. - O sorriso de moleque em seu rosto o faz parecer um adolescente, o que é até bom, pois o ritmo que meu coração está batendo faz-me sentir feito uma também.
- Você não é louco de fazer isso.
- Que eu me lembre você acabou de me chamar de louco, e em momento nenhum eu discordei. Quer apostar?
Ele sorri maliciosamente e começa a me puxar.
Droga, lá vou eu ceder a ele de novo, desse jeito que ele vai acabar mimado.