Heros Narrando
Fala tu...
Satisfação, meu nome é Hélio Ribeiro, mas ninguém me chama assim. Aqui no complexo, meu nome é Heros, e esse nome pesa. Não é de hoje que eu carrego responsa nas costas. Eu sou o dono do morro, quem comanda o jogo, quem decide quem sobe, quem desce, quem vive, quem dança.
Tenho 32 anos, sou pretão mesmo, daquele que brilha no sol. Tenho 1,92 de altura, corpo cheio de tatuagem, trincado na malhação, barba sempre na régua. Já chego chamando atenção, já vi mina se tremer só de eu parar na frente.
Assumi essa pörra toda depois que mataram meu pai numa invasão covarde. Vagabündo achou que ia enfraquecer a gente, que ia deixar o morro sem cabeça, se füderam. Eu me levantei no mesmo dia. Engoli o choro, sequei a lágrima no berço da minha filha e meti marcha. Hoje sou eu que comando essa pörra aqui.
Meu irmão, o Fabiano, o famoso Fumaça é meu braço direito. Moleque bom, sangue bom, guerreiro de verdade. A gente cresceu junto aprendendo com o velho, e agora tamo junto nesse corre. Ele é meu sub, mas antes disso, é meu melhor amigo. O único que eu confio de olho fechado. Se eu tombar, é ele que vai segurar o trono. Isso é fato.
Minha mãe, depois da morte do nosso pai, deu uma desandada. A mente dela não segurou o tranco, tá ligado? Hoje tá numa clínica boa, com SPA, massagem, psicólogo, tudo que ela precisa. Eu faço questão. Porque por mais que a vida tenha me endurecido, família pra mim é sagrada. Pode me chamar de bandïdo, de margïnal, do que for mas minha família eu protejo com a vida.
E a minha filha, mano, minha Cecília.
Tem 5 aninhos, mas é o meu mundo inteiro. Minha princesa, minha força. Quando o bagulho ficou feio, quando eu tava na mërda mesmo, ela foi a luz. Eu segurei ela no colo e nunca mais larguei. A vadïa da mãe dela me largou, fugiu com um tira, meteu o pé na madrugada sem olhar pra trás. Me deixou na bad, na mërda, me sentindo um lixo. Mas eu não fiquei me lamentando, não. Não sou desses que se afoga em tristeza.
Eu meti o pé na porta da vida e gritei:
"Föda-se o amor, bora pra putäria."
E foi isso que eu fiz.
Hoje em dia é büceta todo dia, parceiro. Não tenho paciência pra sentimento, pra drama, pra carência. Quer dar? Abre as pernas que eu meto. Mas já falo logo: é na borracha, sem carinho, sem beijo, sem amorzinho no ouvido. Elas mamam, eu meto, gozö e mando vazar.
Aqui é assim que funciona.
Tem mina que tenta romantizar. Fica com aquela carinha de “ah, ele é só machucado”. Vai nessa. Vai achando que vai mudar o Heros. Vai achando que eu vou olhar no fundo do olho e dizer “eu te amo”.
Coração blindado, bebê. Aqui não entra mais ninguém.
Mas não me confunde com otárïo, não. Eu sou extrovertido, faço piada, dou risada, brinco com os cria, agito o baile, danço, faço passinho, boto a quebrada pra sorrir. Porque se a vida já bate, a gente revida com alegria. Mas não se engana:
por trás do sorriso, tem um homem perigoso.
Fiz meu nome na rua, ganhei respeito no grito, no sangue, na estratégia. Quem mexe comigo, dança. Quem trai, cai.
Eu não dou segunda chance.
Lealdade é linha de vida aqui. Vacilou, morreu.
Tem gente que acha que sou frio, calculista, que não tenho alma. Mas eu tenho. Só que ela tá escondida debaixo de camadas de bala, de luto, de raiva. Já me födi confiando nos outros. Não erro duas vezes.
E mesmo com toda essa casca grossa, com toda essa postura de bandïdo, meu mundo gira em torno de uma única pessoa: minha filha.
Ela é o único amor que eu conheço. O único que não vacila, que não trai, que me olha como se eu fosse herói e por ela, eu sou. Por ela, eu viro bicho. Por ela, eu sou pai, mãe, escudo, lar.
Fora isso? É só jogo.
Eu vivo, mas vivo do meu jeito.
Tô solteiro, mas nunca sozinho.
Na cama? Tem fila.
Na mente? Só estratégia.
No coração? Ninguém.
E se você acha que vai ler essa história aqui achando que eu vou me apaixonar parceiro, melhor nem continuar. A não ser que você acredite em milagre. Porque eu não acredito mais.
Tá chegando o baile de aniversário do meu irmão, o Fumaça.
O brabo vai fazer 30 anos, parceiro, e se tem uma coisa que a gente sabe fazer é comemorar em alto nível.
Vai ser baile daqueles que para o complexo, que a mulherada já se arruma uma semana antes, que os cria compra outfit novo, que os inimigo esconde a cara porque sabe que não aguenta o brilho.
Vai ter MC renomado no palco, os cria tudo de cordão grosso, bebida liberada, balão passando na bandeja, e só as cocota selecionada no camarote.
Esse tipo de evento que a favela nunca esquece.
Meu irmão é fiel, tu tá ligado. Tem mulher, respeita, vai dançar com ela, curtir a dele, dar risada, beber suave.
Agora eu, parceiro?
Eu sou o terror da quebrada.
Enquanto ele tá lá no love, eu tô botando as bandïda pra mamar no cantinho do camarim, sem carinho, sem massagem, daquele jeito que elas gostam. Elas sabem como funciona comigo. Eu não prometo nada, só faço a festa.
O baile é meu parque de diversão. Tô ali de copo na mão, camisa aberta, dente brilhando, cheiroso, sorriso sacana no rosto.
Se piscou, perdeu.
As novinha vem no embalo da música, rebolando devagar, jogando charme.
Eu só escolho a dedo, puxo no canto e faço acontecer.
Mas também não se engana, não.
No dia seguinte?
É mais um dia.
Eu levanto, tomo meu café com a Cecília, organizo os corres, passo na boca, resolvo pendência, boto o morro em ordem.
Vida que segue, sem apego, sem saudade. Baile é só mais um capítulo nessa série de loucura que é minha vida. Eu me divirto, mas meu foco nunca desvia.
Porque aqui é assim:
Festa hoje, guerra amanhã.
E eu tô sempre pronto pros dois.