Sete dias.
Sete dias em que eu corri por cada canto da cidade, implorando, vendendo o pouco que tinha, me humilhando por um dinheiro que nunca veio.
Sete noites sem dormir direito, com a imagem do meu irmão Rafael sendo arrastado por aqueles caras, com a arma encostada na nuca dele. O desespero grudado na minha pele como suor depois de uma subida longa na favela.
Hoje o aviso chegou seco. Um moleque, não devia ter nem quinze anos, apareceu na minha porta e disse que o Gabriel queria falar comigo. Hoje. Agora. Sem desculpas.
Senti o estômago revirar, a garganta secar. Eu sabia o que isso significava. Sabia que o tempo tinha acabado.
Me vesti rápido — bermuda jeans, uma regata velha, chinelo no pé —, mas cada passo que eu dava pelas vielas da Rocinha parecia um degrau pro inferno.
Cheguei na laje onde diziam que ele estava. Era uma das construções altas, com vista pra favela inteira. Dois homens armados me revistaram, mesmo sabendo que eu não tinha nada.
— Sobe — um deles murmurou.
As escadas eram escuras, estreitas, e a cada andar meu coração batia mais forte. Eu odiava a sensação de impotência. Odiava ainda mais ter que me colocar diante de um homem como ele.
Quando cheguei ao último andar, a porta estava aberta. Ele me esperava encostado na parede, camisa preta, corrente no pescoço, cigarro na mão. O olhar dele era como tudo naquele morro: perigoso.
— Você tá atrasada. — A voz dele era baixa, grave. Cheia de ironia.
— Eu não consegui o dinheiro. — respondi direto, sustentando o olhar. Se eu fosse cair, não seria de joelhos.
Ele tragou com calma, me observando como quem calcula quanto vale a tua vida.
— Eu imaginei. Ninguém empresta dez mil reais pra irmã de um viciado. — Ele sorriu de canto, e aquilo me deu nojo. — Seu irmão continua devendo. E você sabe o que acontece com quem deve aqui, né?
Engoli em seco.
— Me diz o que você quer. — cuspi. — Ficar enrolando não vai fazer nada mudar.
Ele se afastou da parede, apagou o cigarro no parapeito de concreto e veio até mim.
— Quero você.
Aquelas palavras caíram como uma bomba.
— Como é? — perguntei, franzindo o cenho, com o coração disparado.
— Você ouviu. Esquece o dinheiro. Esquece a dívida. Eu quero você comigo. Casada comigo.
Eu ri. Sério. Ri de nervoso, de raiva, de incredulidade.
— Você tá brincando, né?
— Eu pareço alguém que brinca? — Ele me encarou, olhos fixos nos meus. Havia uma tensão pesada no ar. — É isso, Carol. Eu te dou o que ninguém mais vai te dar. Salvo o teu irmão e você ganha uma vida segura aqui dentro. Desde que me dê o que eu quero.
— Isso é loucura… — murmurei, com as mãos tremendo. — Por que eu?
Ele deu um passo mais perto. Tão perto que eu podia sentir o perfume amadeirado misturado com pólvora e cigarro.
— Porque você é diferente. Porque você tem fogo nos olhos, mas tá cercada de merda até o pescoço. E porque eu posso. — Ele roçou os dedos na minha mandíbula, e eu me afastei, bruscamente. — Casa comigo, Carol. Ou enterra o Rafael.
— Você é um monstro. — sussurrei, sentindo o chão desaparecer.
— Não. Eu sou o que mantém esse lugar em pé. E agora também sou o dono do destino do seu irmão. A escolha é sua.
Virei de costas, respirei fundo, lágrimas ameaçando cair, mas me recusei. Não na frente dele.
Meus dedos cerraram em punho. Meu orgulho gritava pra sair dali e nunca mais olhar na cara dele. Mas o rosto do Rafael, apavorado, implorando por ajuda… me prendeu.
— Eu aceito. — disse, enfim, num fio de voz. — Mas não pense que você venceu.
Ele sorriu. Um sorriso lento, predador.
— Já venci, princesa. Você só ainda não percebeu.
Saí dali com os olhos em brasa, o corpo trêmulo, e a alma em pedaços. Sabia que tinha assinado um contrato com o d***o. Um casamento sem amor, sem desejo. Uma prisão maquiada de aliança.
Mas também sabia que, por Rafael, eu enfrentaria até o inferno.
O problema é que agora o inferno tinha nome. E olhos que me queimavam de dentro pra fora.
Gabriel.