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Aurora
Minha vida tem sido um caos desde que minha mãe morreu. Meus tios começaram a brigar para ver com quem eu ficaria e não foi no bom sentido, até porque ninguém queria mais responsabilidade.
Aquilo era um peso enorme já que eu ainda era só uma criança, eu sentia culpar por ser insignificante para eles e por ter perdido a única pessoa que me amava.
Meu pai sumiu pelo mundo e eu nunca conheci ele, talvez tenha sido ao contrário e minha mãe que desapareceu, pois sempre vivemos de cidade em cidade.
Bom, a única coisa que eu soube dele pela boca dos meus tios é que minha mãe e ele tiveram um casinho de duas semanas e nisso eu vim ao mundo.
Lembro da minha mãe dizer que ele era uma pessoa boa e que se soubesse que tinha uma filha, com certeza iria me amar. Mesmo achando que ela só dizia isso para me deixar feliz, gostava de ver ela dizendo dele, o olhos dela brilhava de uma maneira incrível. Essa é uma das poucas memórias que eu tenho dela já que quando ela se foi eu tinha onze anos.
Desde que eu me entendo por gente que eu vivo com o circo, agora com os meus tios. No começo eu fiquei com a minha tia que é irmã da minha mãe, ela deixou bem claro que não gostava de mim quando eu ainda estava na barriga. Os anos que eu passei morando com ela foram os mais dolorosos e pesados, ainda mais para uma criança. Ela insistia em dizer que com ela, as coisas era diferente e "o buraco era mais embaixo".
E assim, quando eu completei dezessete anos ocupei o trailer que era da minha mãe, no início foi muito difícil já que tudo ainda estava do jeito que ela deixou, mas com o tempo eu aprendi a lidar com a dor da saudades. Também lidei com muita ingratidão e humilhação, antes eu até tentava entender o porquê de todos me odiarem, agora eu deixo para lá.
Hoje em dia consigo administrar o meu dinheiro, já acostumei com a rotina e sigo de pé. Nunca pensei em uma vida fora do circo, quero seguir com o legado da minha mãe, hoje em dia sou contorcionista igualzinha a ela.
Aprendi muito rápido a não me apegar tanto nas pessoas para não sofrer quando tivesse que ir embora e muito menos fazer ninguém sofrer. Já conheci várias pessoas incríveis e que talvez eu nunca conseguiria vê-las novamente, gosto de pensar que eu fiz o meu melhor e vivemos o momento da maneira certa quando eu pude e viverei o resto dos meus dias assim, sem nenhum peso na consciência.
— Aurora, já prendeu seu trailer garota? Vamos deixar você pra trás em. — ouço gritarem e olho pela pequena janela, vendo uma das minhas tias.
— Já sim tia, mas eu vou conferir agora. — grito de volta e saio dando a volta no meu pequeno trailer. Como eu me lembrava, o engate estava preso na caminhonete e em breve partiríamos para a próxima viagem.
Ouvir minhas primas dizerem que iríamos para um morro aqui no Rio de Janeiro, na hora já fiquei intrigada para conhecer, nunca tinhamos ido em um antes e ia ser uma experiência nova.
O dono de lá tinha contratado para ser liberado para ser um show grátis para todos que quisesse durante quinze dias. E ele deve ter pagado um rins, mas quem sou eu pra reclamar né? Ainda preciso de dinheiro para sobreviver.
Antes de partimos me despedir de alguns amigos que eu tinha feito e como quase sempre eu ganhei algumas lembrancinhas que guardaria pelo resto dos meus dias.
Dentro do meu trailer eu descansava para quando chegassemos no nosso novo lar temporário, já que todos teríamos que descarregar os caminhões e esticar as lonas.
Ouvia algumas músicas no fone e quando menos percebi, o trailer tinha parado e fui espiar pela janela para ver se já tinha chegado no nosso destino. E na verdade, foi dois homens armados que tinha parado os caminhões, eles estavam conversando alguma coisa com o meu tio que daqui não daria para escutar.
Pouco tempo depois paramos em um campo aberto enorme e quando estacionaram todos os caminhões, logo fui para para fora desprender meu trailer e organizar as minhas coisas. Geralmente ficamos em um lugar de vinte a trinta dias, no máximo quarenta, então tínhamos que lavar e cozinha normalmente.
Até mesmo porque não teríamos um lugar fixo para voltar e fazer as coisas, por isso que digo que esse pequeno trailer é a minha casinha.
— Rora, você pode me emprestar aquela sua calça marrom? — Helena diz entrando na cozinha já que a porta estava aberta.
— Ela está suja, pede a Cléo ou então a Jade, elas tem uma igualzinha. — falo sem dar muito atenção, já que estava ocupada lavando minhas vasilhas.
— Você sempre inventa uma desculpa né? Bem imprestável mesmo. — ela fechou a cara e eu apenas dei de ombros, pouco me importando, fazendo assim a garota sair pisando fundo.
Sinceramente eu não ligo, se sou uma pessoa que você sabe que não faz algo do seu jeito, simplesmente não me peça para fazer nada, quem está precisando da minha ajuda é você e não eu.
Liguei o meu pequeno som e deixei as músicas da Maria Bethania tocando enquanto acabava de organizar tudo, e só depois fui para a tenda principal ajudar a estender as lonas e organizar as cadeiras.
Meus tios já estava montando o palco todos se movimentando e arrumando as coisas para o show de hoje. Aproveitando que tinha acabado eu fui para trás do meu trailer, me alongar e treinar um pouco o número de hoje.
Amava vestir roupas que apertava meu corpo, me sentia muito segura com elas, e além de ficar muito gostosa, era o tipo de roupa leve e própria para contorcista.
— Ai mané, a mina toda revirada, ala. — escuto alguém dizer e procuro com os olhos até encontrar dois homens me encarando com espanto.
Eu super achando engraçado daquela cena, apenas me sentei ereta e rindo da expressões deles.
— Doí pra fazer isso? Nó, acho que minhas costa até travo aqui. — fala e eu ri mais ainda.
— Não dói nadinha, faço isso desde meus seis anos de idade. — digo bebendo um pouco de água da minha garrafinha.
— Pô, gostei de tu. Já imaginei aqui o tanto que tu não é braba na cama. — o outro homem abriu a boca pela primeira vez e eu encarei ele.
— Ih, sai dessa Mathias, tu tá careta demais em? Liga pra ele não, esse daí vive no cio. Satisfação, chefin mas tu eu deixo chamar de Kauê. — continua e eu me segurando para não rir.
— Meu nome é Aurora, foi muito bom conhecer vocês dois. — sorrio me levantando e logo os dois desceu o olhar para o meu corpo.
— Ô seus p*u no cu, tão marolando é? Botei os dois pra trabalhar e tão aqui atrás de mulher. — um terceiro homem apareceu xingando os meninos e logo seus olhos caiu sobre o meu.
Ele era muito lindo, juro! Sinônimo total da perfeição. Se fosse para descrever sua aparência, diria que era alto com uns 1.85. Seu corpo além de ser completamente tatuado, era esbelto e torneado. Seu rosto parecia ter sido desenhado por deuses, de tão bonito e eu não conseguia desviar o olhar.
Merda, ia ficar com cara de boba!
— Só tu vendo o que a mina faz jacarezinho, nu tô todo dolorido só de ver. — o Kauê se vira, indo até o homem e logo vira novamente para mim. — ai, mas tarde eu vou vim ver tu se apresentando em? Tu representa demais.
— Tudo bem, vou ficar esperando vocês. — encaro o homem ao lado, mas logo recuo vendo meu tio se aproximar.
— Você já está atrapalhando os rapazes Aurora?
— Não tio, eu só estava treinando um pouco. — tento dizer mais alguém me corta.
— Se tem alguém atrapalhando aqui é esses dois panacas. Vai, bora fazer o que mandei. — o tal jacarezinho dá um tapa na cabeça do Kauê que reclama e logo os três sai sem dizer nada.
— Vai ajudar a Cléo com os balões bubbles e você fica esperta viu? Se sair um pouco do que esses bandidos acham certo, eles te matam sem dó, me poupe dinheiro e tempo Aurora. — diz saindo e eu respiro fundo contando até dez.
Guardei as minhas coisas no trailer e fui procurar a Cléo, para ajudá-la. Ela era a minha única prima que eu não odiava totalmente, sei que as vezes ela tentava ser igual a irmã e a Helena, mas o coração dela era enorme.
Além de tudo, fazíamos uma apresentação juntas, então passávamos alguns tempos treinando e aprendemos a gostar das qualidades uma da outra.
— Oi, vim ajudar você encher esses balões. — digo me sentando embaixo da árvore que ela estava. O chão estava forrado com um cobertor e eu me estiquei ali, pegando os balões para encher.
— Você já viu os gatinhos que estão rodando por ai? Que pedacinhos de m*l caminho. — fala toda eufórica e eu gargalhei.
Ela era a mais nova de nós quatros, Jade tem vinte dois, Helena vinte, eu dezenove e Cléo dezoito, acho que as vezes ela tentava ser igual as duas mas velha justamente por ser a mais nova.
— Não só vi como conversei eles, e até que são simpáticos para serem traficantes malvados como dizem.
— Sô se for traficantes de xereca, pois menina, eu chorei e você nem imagina por onde.
— Cléo. — repreendo ela com o olhar e ela sorri. — tomar coloca o led nesse balão, que já está ficando é louca com esse calorão.
[…]
Tempo depois me arrumava no meu pequeno camarim improvisado na tenda principal, hoje eu seria a primeira a ser apresentar, sozinha.
Eu amava muito ter que apresentar assim, me sentia segura comigo mesma e no que fazia.
Apressei com a maquiagem porque o cabaretier já estava fazendo o teste dos sons e logo mais teria que subir no palco.
— Aurora, já está na hora. Anda, anda. — minha tia enfiou a cabeça para dentro do cubículo e eu concordei, levantando do jeito que estava e indo para trás das cortinas.
— Respeitável público! Sejam bem vindos ao Cose divertenti, vocês estão preste a entrar em um universo de fantasia fabulosas, imaginação e sonhos. Abram seus corações, desliguem-se do mundo lá fora e aproveitam que o espetáculo de hoje vai começar, é dia de circo!! — ele diz e eu espio para olhar a plateia, todas as cadeiras estavam ocupadas e aquilo me deixou ansiosa para subir ao palco. — preparem-se o coração para muito emoção, inovações e boas risadas.
Naquele momento alguns palhaços entraram no palco cheio de trapalhagem fazendo as crianças e até mesmo os adultos rirem. Logo em seguida eles saem e eu me preparo.
— Com vocês, o nosso espetáculo show de contorçoes. — a cortina abriu e me aproximei da platéia sorrindo, mas por pouco tempo já que quando eu comecei a me apresentar me desliguei do mundo real.
Gosto de imaginar que estou sozinha na tenda e que a minha mãe está na primeira fileira me assistindo, dizendo o quanto eu tinha crescido e estava bonita, que eu tinha conseguido criar coreografias boas e estava mais flexível do que da última vez.
Conseguia sentir a energia dela, dentro do meu coração, vibrando forte junto com a vibração das pessoas, e seria assim, enquanto eu sentisse a magia do circo em minhas veias.
Voltei para realidade quando todos começaram a aplaudir, assobiar e a gritarem felizes e espantados. Sair do palco agradecendo a todos e logo fui juntar as minhas coisas e trocar de roupa para ajudar nas barracas.
Escolhi a de algodão doce e despensei meu primo que tinha que se arrumar para a apresentação dele. No momento estava tranquilo já que todos estavam nas tendas. Atendia algumas pessoas que passava e compravam o algodão e logo um garotinho se aproximou sozinho.
— Ô tia, me dá um algodão doce por favor, eu não tenho dinheiro.
— Oi meu amor, a tia te dá sim, só que tem que ser um segredo nosso, beleza? — pergunto e ele concorda sorrindo, o que me fez sorrir também. — cadê seus pais? — de novo faço uma pergunta e ele n**a ficando triste. Me arrependo rapidamente e troquei de assunto enquanto enrolava o o algodão para ele.
— Pô tia, valeu de verdade. Quando eu tiver muita grana pago a senhora viu? — diz saindo e eu rindo toda boba.
Aproveitei que o movimento tava parado e fui limpar a máquina que estava uma meleca, Liam parece que não sabe fazer nada direito e depois eu que sou imprestável.
— Toma. — alguém falou atrás de mim, olhando no mesmo momento vejo que era o Jacarezinho com uma nota de vinte reais estendida.
— Vai querer quantos? Pode aguardar só um momento até eu limpar a máquina, por favor?
— É pra pagar o do moleque que acabou de sair. — resmunga e eu tiro os olhos do que estava fazendo para encarar-ló.
— Não precisa, aquele de lá eu dei para ele. Não sabia que ele tinha pai, ele não falou nada.
— Sou pai do moleque não. Só estava passando e vi tu ajudando o piá, vim pagar pra ti não ficar no prejuízo só isso.
— Eu já disse que não precisa, de verdade mesmo. — insisto dando de ombro e ele revirou os olhos, antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, uma menina apareceu pulando nele.
— Gui, te procurei por todo lado, até que fim te encontrei. Vem tu tá perdendo todas apresentações.
— Ih Layla, foi m*l tinha até esquecido de tu. — ele passou por mim deixando o dinheiro encima da máquina, sem nem me encarar.
Que homenzinho bipolar viu! E além de lindo é casado ou seja, para o bem do meu lindo cabelinho, vou manter a distância.
— E aí Aurora, tu vai fazer o que depois que acabar aqui? — Kauê apareceu minutos depois, já cheio de i********e e me abraçando.
— Não vou fazer nada por que?
— Porque tu vai pra um rolê comigo pelo morro, depois te busco aqui em. — diz saindo da mesma forma que apareceu, tudo muito rápido.
Pelo menos teria alguma coisa pra fazer depois que fechamos o circo.