SOB O DOMÍNIO DELE

Capítulo 3

Capítulo 3

BIANCA NARRANDO

O sol estava mais forte, e a subida já tinha me deixado cansada, mas o pior de tudo não era isso. Era a sensação de estar sendo observada. Mesmo depois de sair da boca principal, onde aquela conversa com o Piloto me deixou à beira de um colapso nervoso, eu ainda sentia os olhos dele cravados em mim. E também da mulher que estava com ele antes que me olhou de cima baixo assim que passei por ela e a vi encostada em um dos barracos do lado de fora. Mas ela não me importava. E sim ele, não gostei desse Piloto nem um pouco.

Sacudi a cabeça, tentando afastar a lembrança daquele olhar penetrante e do tom prepotente que ele usou comigo. “Quem esse cara pensa que é?”, murmurei, já chegando na parte mais baixa do morro.

Foi quando vi a Camila, com aquele sorriso largo e despreocupado que eu tanto admirava. Ela estava encostada num poste, me esperando como tinha prometido.

Camila — E aí, amiga! — Ela veio até mim, me puxando para um abraço caloroso. — Conta tudo, como foi com o gostosão?

Revirei os olhos, tentando disfarçar a irritação.

Bianca — Se por “gostosão” você quer dizer o cara mais arrogante que eu já conheci, então, sim, foi ótimo.

Camila riu alto, ignorando minha cara de poucos amigos.

Camila — Tá, mas falando sério… ele te autorizou?

Bianca — Autorizou. — Soltei o ar com força, como se aquela palavra tirasse um peso dos meus ombros. — Mas deixa eu te falar, eu detestei aquele homem. Sem falar que não vi nada demais nele, de verdade.

Camila colocou as mãos na cintura e me encarou como se eu tivesse falado a maior heresia do mundo.

Camila — Só pode ser cega ou ter problema, Bia. O Piloto é um gostoso! Aquele olhar, aquele jeito… Se eu fosse você, já tava suspirando por ele.

Revirei os olhos de novo.

Bianca — Eu não vim aqui pra isso. E, sinceramente, ele não me impressionou nem um pouco.

Camila — Tá bom, eu que não vou discutir com você. — Camila deu de ombros, mas continuava sorrindo. — O importante é que ele deixou. E agora eu vou te mostrar tudo, porque esse morro mudou muito desde que você foi embora.

Ela me puxou pelo braço e começou a me levar por becos e vielas que eu mäl reconhecia. Mesmo sendo o lugar onde passei boa parte da minha infância, parecia outro mundo. A cada esquina, rostos diferentes e um ritmo acelerado que mostrava que nada ali ficava parado.

Camila — Ah, e tem mais uma coisa… — Camila falou, olhando por cima do ombro. — Final de semana vai ter baile. Você devia vir.

Bianco — Passo. — Minha resposta foi rápida.

Camila fez uma careta, mas não insistiu.

Camila — Você não muda, né?

Bianca — Não. E, sinceramente, só quero vir aqui pra fazer meu estágio e pronto.

Camila — Tá bom, certinha. Bora na quadra tomar açaí. — Ela riu, e eu sabia que ela ia tentar me convencer de novo mais tarde.

Quando chegamos na quadra, o som de risadas e vozes ecoava pelo espaço aberto. Era ali que ficava a barraca de açaí, um dos pontos mais movimentados do morro. Camila insistiu que precisávamos parar ali antes de eu ir embora, e, depois de tanto me puxar, acabei cedendo.

Foi quando encontramos um amigo dela.

Camila — Ei, Rafa! — Camila chamou, acenando para um homem alto, com pele bronzeada e um sorriso amigável. Ele se virou para nós, e eu imediatamente senti uma onda de simpatia.

Rafael — Fala, Camila! Quem é sua amiga? — Ele perguntou, aproximando-se com um jeito descontraído.

Camila — Essa aqui é a Bianca. Ela vai ser a nova estagiária na escolinha do morro.

Ele estendeu a mão, e eu a apertei, surpresa com a firmeza e gentileza no gesto.

Rafael — Präzer, Bianca. Sou Rafael, professor de educação física na escolinha que você vai estagiar. Acho que a gente vai trabalhar bastante juntos.

Bianca — Präzer é meu. — Sorri, sentindo que aquela conversa estava fluindo bem. Rafael parecia o tipo de pessoa fácil de lidar, o que era um alívio depois do estresse com o Piloto.

Enquanto Camila pegava dois copos de açaí, Rafael e eu continuamos conversando sobre o trabalho na escolinha. Ele me contou sobre os projetos que já estavam em andamento, os desafios que enfrentavam e como ele esperava que eu pudesse trazer novas ideias.

Rafael — É incrível o que você quer fazer, sabia? — Ele disse, e havia algo no tom dele que parecia genuíno. — A maioria das pessoas não liga pra esses moleques.

Bianca — Eu ligo. — Respondi, com firmeza. — E quero fazer a diferença.

Estávamos tão envolvidos na conversa que quase não percebi quando o clima na quadra mudou. Foi um sussurro aqui, um olhar ali, e, de repente, era como se todos tivessem ficado tensos.

Foi quando vi o Piloto entrar.

Ele não estava sozinho. Jacaré vinha logo atrás, com aquele sorriso debochado, seguido por dois vapores armados, como se o morro precisasse ser constantemente lembrado de quem mandava ali.

Minha respiração ficou pesada, mas me forcei a manter a postura. Ele estava olhando na minha direção, mas eu me recusei a desviar o olhar. Não ia dar esse gostinho pra ele.

Rafael — Tá tudo bem? — Rafael perguntou, notando meu silêncio repentino.

Bianca — Tá sim. — Respondi, tentando parecer despreocupada.

Camila se virou para ver o que eu estava olhando e soltou um assobio baixo.

Camila — Piloto tá aqui. E ele tá olhando pra cá.

Bianca — E daí? — Respondi, pegando o copo de açaí e fingindo que nada estava acontecendo.

Rafael olhou por cima do ombro e pareceu entender a situação, mas não disse nada. Piloto continuava parado do outro lado da quadra, os olhos fixos em mim. Era como se ele estivesse me estudando, esperando por alguma reação.

Mas eu não ia dar.

Camila — Bianca… — Camila começou, mas eu a cortei, sabia que ia sair uma gracinha que eu ia ficar brava, conheço bem essa maluca.

Bianca — Vamos sentar ali naquela mesa, mais ao fundo? — Apontei para uma mesa vazia, ignorando completamente a presença dele.

Enquanto nos sentávamos, eu sabia que o Piloto ainda estava me observando. Podia sentir o peso do olhar dele, mas não ia ceder. Não agora, nem nunca .

Se ele achava que podia me intimidar, estava muito enganado .