Khloe Angely
Tic Toc. O barulho dos ponteiros do relógio acima do quadro branco era a única coisa que se escutava na sala de aula mais do que silenciosa. Um dos meus professores do meu curso de fotografia decidiu aplicar uma prova surpresa hoje, fazendo alguns resmungos irritados dos alunos soarem pela sala, inclusive os meus.
Essa prova veio em uma péssima hora para mim, pois eu não conseguia me concentrar em absolutamente nada já há quase dez dias.
O motivo da minha falta de concentração em tudo tem nome e sobrenome.
Katarina Kollia.
Hoje, em uma segunda-feira no final do mês de setembro, completava dez dias desde que ela me ajudou e levou-me para a minha casa. Sim, eu me lembrava exatamente de tudo e estava extremamente curiosa com o fato de como ela sabia onde eu morava, já que em momento algum lhe contei meu endereço, e ainda mais confusa com seu último sussurro antes de se afastar de mim.
"Boa noite, meu amor. Amo você."
Minha mente não se calava desde esse acontecimento, fervilhando de ideias e pensamentos a cada segundo que se passava, dando-me insônia e crises de ansiedade. Eu precisava descobrir o porquê de Camila ter sussurrado isso, antes que eu ficasse louca.
Eu queria tirar essa história a limpo com ela, colocá-la contra a parede e forçá-la a me dizer tudo, mas eu não a via há dez dias.
Minha última visão da grega foi quando ela me lançou um olhar indecifrável e transbordando amor na porta do meu quarto, antes de fechá-la e sumir.
Pisquei algumas vezes, querendo que ela saísse dos meus pensamentos, e tentei focar o máximo possível da minha atenção na folha à minha frente. Eu tinha que tirar uma nota boa nesse semestre, para não ter que me preocupar tanto no final. Respirei fundo, peguei o lápis e comecei responder as questões que achava corretas.
...
Depois de mais alguns torturantes minutos, consegui finalizar a prova e saí da sala, indo para o pátio central. Queria terminar um trabalho sobre História da Fotografia para quarta-feira e no pátio era o melhor lugar para se fazer, pois era calmo e tranquilo em certos lugares. Poderia ir para minha casa, sendo que não teria mais aulas hoje, mas não queria ficar sozinha e sucumbir aos estranhos pensamentos que rondavam minha mente.
Sentei-me na grama fofa embaixo de uma pequena árvore e tirei os materiais necessários para fazer meu trabalho. Tentei me concentrar e obtive um pouco de sucesso, mas parei de escrever no meu caderno quando, sem querer, escutei a conversa de um grupinho bem próximo de onde eu estava sentada.
- Você viu isso?!
Olhei para os alunos, virando sutilmente a cabeça, olhando-os com os cantos de meus olhos, e foquei-me completamente na conversa alheia, tentando parecer discreta. Eu não costumava a fazer isso, porém a curiosidade era maior, o tom horrorizado do grego me deixou alarmada.
- O que?
- Acharam um carro totalmente queimado com duas pessoas dentro.
Virei-me chocada para eles, sentindo uma sensação estranha no meu peito, e rapidamente peguei meu celular, procurando em algum site sobre a notícia. Cliquei no primeiro link que vi.
"Foi encontrado na noite de sábado (22) um carro completamente queimado, sem chances de reconstrução, em uma praia particular nos arredores de Pérama*(GR), alguns quilômetros de uma base militar. Íris Castellanos (27) e Cercion Dimitrakis (30), vítimas e proprietários do veículo, estavam dentro do carro no momento do acidente. Segundo a polícia, foi encontrado no local, uma garrafa de whisky. A polícia grega considerou o crime como homicídio doloso, quando há a intenção de matar.
A causa do incêndio foi, provavelmente, um curto-circuito nos cabos do motor, que foram tirados do lugar para dar início as chamas, junto com o líquido inflamável..."
Não consegui terminar de ler a reportagem, estava extremamente chocada com a brutalidade do acidente proposital. Eu sou muito sensível com esse tipo de coisa, então me assustava facilmente e essa não seria a última vez.
Respirei fundo, encostando a cabeça na árvore e tentei desviar minha mente para outro assunto. Precisava tirar isso da minha cabeça ou não conseguiria dormir. Eu nem deveria ter lido, mas parece que eu sempre era atraída para esse tipo de assunto, o que me deixa apavorada.
Juntei minhas coisas rapidamente e decidi ir embora, iria para minha casa, para provavelmente dormir. Eu já estava cansada do final de semana corrido e desgastante de trabalho, e eu ainda precisa ir para o hotel mais tarde. Precisava de uma folga ou meu corpo desabaria a qualquer momento.
Segui pelo caminho mais do que conhecido por mim, passando pela grande entrada, observando as várias colunas gregas erguendo o teto.
A Universidade de Atenas era linda e clássica, exalando histórias e antiguidade. Eu amava estudar aqui, tanto pelo lugar, o ambiente que exalava nostalgia, quanto pelo curso que sempre fui apaixonada.
Desci a pequena escadaria que ligava a rua na entrada principal, avistando um único carro de luxo parado alguns metros de distância. Dei de ombros e virei-me para direita, indo para o ponto de ônibus que eu costumava a frequentar. Era comum ver esse tipo de carro na porta da universidade.
- Khloe! - Parei subitamente e girei minha cabeça para onde escutei meu nome ser gritado.
Abri levemente a boca quando descobri a dona da voz que havia gritado meu nome. A maldita grega que perturbava meus pensamentos e aparecia em meus sonhos mais íntimos.
Katarina estava ali, parada ao lado do carro de luxo, chamando-me com um sútil movimento com a cabeça. Ela estava incrivelmente linda, usando uma calça jeans escura, uma camisa social de tecido n***o com os três primeiros botões abertos, saltos altos também negros e alguns acessórios. Seus cabelos longos estavam caindo perfeitamente pelo seu rosto e ombros, deixando-a ainda mais bela.
Caminhei lentamente em sua direção, tentando imaginar o que ela queria comigo. A vontade e a coragem que enchia meu peito algumas horas atrás, sumiu como um passe de mágica, fazendo-me ficar envergonhada e receosa.
- Olá. - Cumprimentei-a timidamente, dando um sorriso fraco.
- Olá, senhorita bêbada. - Corei vendo-a soltar um risinho baixo.
- Hm, me perdoe por aquele dia. Não sei o que me deu, exagerei muito na bebida.
- Eu percebi isso, Khloe, fiquei preocupada com você. Se eu não tivesse aparecido, alguém poderia ter se aproveitado do seu estado vulnerável. - Katarina falou olhando em meus olhos. Seu tom não foi de bronca ou repreensão, mas sim de preocupação.
- Não irei fazer aquilo novamente, me arrependi amargamente no dia seguinte. - Murmurei pensativa e envergonhada, lembrando-me do sábado e do domingo em que fiquei de ressaca, m*l conseguindo sair da cama. Eu estava tão r**m que não consegui fazer um trabalho para entregar na segunda-feira, então perdi alguns pontos.
- Sim, evite mesmo.
Paramos de falar por alguns segundos e ficamos nos olhando. A sensação de conhecer aqueles olhos castanhos estava forte, e um aperto estranho no peito fez um arrepio cortar minha espinha. Seus olhos, que brilhavam intensamente, passearam por todo meu corpo, dos pés à cabeça, então me permiti fazer a mesma coisa. Desci meus olhos por todo seu corpo, afirmando mentalmente o quão perfeita ela era, com as curvas que fazia qualquer pessoa morrer para pôr as mãos. Mas, meus olhos pararam em seu decote, não por conseguir ver o sutiã vermelho rendado e nem a parte superior de seus s***s, e sim no objeto brilhante que estava entre eles, preso pela fina corrente de ouro. Uma aliança, muito parecida com a que ela usava em seu anelar esquerdo. Meu estômago embrulhou numa felicidade completamente estranha para mim e meu coração esmurrava meu peito. Franzi as sobrancelhas confusa com a sensação.
- O que veio fazer aqui, Katarina? Como descobriu onde eu estudo? - Perguntei voltando meus olhos para os seus.
- Eu queria te ver... - Meu coração, t**o do jeito que é, deu um solavanco forte. - ... Como te disse antes, fiquei muito preocupada com você.
- Obrigada pela preocupação, realmente aprecio isto, mas, você não me respondeu a minha outra pergunta. Como descobriu onde eu estudo? - Eu estava muito curiosa.
- Perguntei àquele seu amigo que acompanhava você no bar, naquela noite.
- Théos? - Ela concordou com a cabeça. - Uau, você queria mesmo falar comigo.
O assunto morreu de novo e mais uma vez nos perdemos em um olhar intenso e cheio de significados. Eu estava totalmente hipnotizada com os olhos castanhos dela, eles tinham uma beleza incomum e tão familiar que me fazia ficar tonta.
- Khloe... - Seu sussurro chegou aos meus ouvidos, causando um pequeno arrepio em meu corpo que estava tão próximo ao seu. Eu não sabia como tínhamos nos aproximando tanto, mas eu havia gostado disso. Seu corpo exalava um calor e um cheiro gostoso. - Eu não vim aqui somente para isso.
- Então veio aqui para quê? - Murmurei sem quebrar a ligação de nossos olhos, completamente fraca pela nossa aproximação repentina.
- Queria convidá-la para sair comigo neste final de semana. - A firmeza de sua voz em sua pergunta fez-me abrir a boca espantada e dar um passo para trás.
Nunca imaginaria que esta mulher me chamaria para sair, ainda mais assim, tão de repente. Desfiz nossos olhares e abaixei a cabeça pensativa. Se eu fosse, poderia perguntá-la sobre como sabia onde eu morava e também sobre a sua frase antes de sair do meu quarto e talvez, se eu tivesse coragem, contá-la sobre meus sonhos. Precisava tirar algumas dúvidas urgentemente, antes que enlouquecesse.
- Hipoteticamente falando, se eu aceitasse, onde iríamos? - Katarina sorriu lindamente e se afastou um pouco. Me perdi momentaneamente em seu sorriso.
- Te busco às 8 p.m. no sábado em sua casa, Srta. Angely, vista-se como achar melhor.
Ela entrou rapidamente em seu carro estupidamente elegante e foi embora, sem me dar chances de respondê-la. Fiquei parada na entrada da universidade, olhando o veículo se afastar gradativamente, até que a minha ficha caiu.
- O Theé mou!* - Sussurrei pra mim mesma ainda incrédula. *Oh meu Deus!*
...
A noite de sábado veio chegando, lentamente e cheia de promessas. Para alguns ela prometeria descanso, para outros divertimentos, para os menos afortunados pesadelos ou insônias. E para mim, promete o inesperado.
Terminei de passar o batom vermelho-sangue em meus lábios e mirei mais uma vez meu reflexo no espelho. Hoje eu optei por usar um vestido azul escuro, quase puxando para o preto, que havia sido esquecido no fundo do meu armário, também usava saltos altos da mesma cor do vestido e uma pequena bolsa de mão, com meu celular, carteira e a chave de casa. Meus cabelos estavam soltos e ondulados naturalmente até o meio das costas.
Eu sempre me orgulhei da minha aparência, amava meu corpo e até os defeitos que sabia tinha, amava meus olhos verdes e meus cabelos negros, e depois de dias confusos e cansativos, eu estava me achando perfeitamente linda e sem exageros.
Uma suave batida na porta principal fez-me apressar para sair do quarto. Desci as escadas, ganhando o hall de entrada e alcancei maçaneta da porta, girando a mesma e a puxando em minha direção, encontrando Katarina. Suspirei pesado, quase ofegando quando meus olhos se encontraram com os dela.
A grega estava linda, com um vestido longo e elegante na cor vermelho escuro, que abraçava suas curvas maravilhosamente, e provavelmente com saltos altos, pois seus pés estavam cobertos pelo tecido caro. Seus cabelos lisos que desciam como cascata por suas costas, modelavam incrivelmente seu rosto jovial. A maquiagem estava forte, mas combinava lindamente com sua pele bronzeada. Observei a corrente presa em seu pescoço e vi a aliança perdida no seu decote. Ela realmente não a tirava por nada.
- Oi, Khloe.
- Oi, Katarina. - Sorrimos e nos cumprimentamos um abraço. Meu rosto foi parar em seu pescoço e inalei seu cheiro sutilmente.
Era doce, porém suave e marcante como ela.
Ela me guiou até seu carro com a mão pousada em minha lombar, sem malicia em seu toque. Seu motorista nos aguardava ao lado de fora, segurando a porta traseira do automóvel. Entramos no carro e o homem fechou a porta.
- Agora você pode me falar onde iremos? - Perguntei enquanto me virava para olhá-la sentindo o carro movimentar-se.
- Vamos ao Aleria Restaurant. - Ela disse simples e meu queixo caiu. - Sei que lá bem refinado, mas antes que a Srta. venha dizer algo, eu irei pagar tudo. Hoje é por minha conta e nada de reclamar. - Eu realmente iria falar alguma coisa, mas ela foi mais rápida e calou-me.
- Hm, okay, não irei te contradizer. - Katarina riu divertida e me olhou intensamente, fazendo-me corar com seu olhar profundo.
O caminho até o restaurante foi rápido, por causa das ruas tranquilas de Atenas, e logo estávamos saindo do carro após chegarmos a porta restaurante.
Depois do maître nos guiar pelo grande salão do restaurante elegante e refinado, com Katarina segurando-me possessivamente pela cintura até mesa reservada para nós, sentamo-nos e aguardamos nossos pedidos, após terem sidos anotados pelo garçom. Eu estava nervosa e ansiosa, sentindo o suor gelado descer pelas minhas costas, enquanto observava a elegância do lugar. Queria despejar minhas dúvidas sobre ela e tirar o peso das minhas costas, mas a coragem me faltava.
- Katarina. - Chamei-a sem conseguir me segurar. Ela olhou para mim e sorriu, colocando sobre seu colo o guardanapo de pano branco que estava em suas mãos. Respirei fundo, tomando a coragem necessária. Meu coração palpitava como louco em meu peito e minhas mãos tremiam descontroladamente. - Eu me lembro daquele dia. Me lembro do seu sussurro contra meus cabelos. - Vi a grega abrir a boca e arfar. Pelo visto ela não estava contando com isso.
- Quem é você, Katarina Kollia?
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