Capítulo 1

1061 Words
Capítulo 1 MILENA NARRANDO Tem gente que olha pra Rocinha e só vê perigo. Mas eu vejo casa. Aqui o corre é pesado, a vida cobra cedo, e a rua não perdoa vacilo. Mas também tem riso alto na laje, criança brincando de pique entre os barracos e cheiro de feijão com alho subindo pela janela às seis da tarde. É bagunçado, é apertado, é barulhento. Mas é meu lar. E se tem uma coisa que eu aprendi desde cedo é que felicidade não tá no que a gente tem, mas com quem a gente vive. E eu vivo com o melhor homem do mundo: meu pai. Minha mãe morreu quando eu nasci. Parto complicado, falta de estrutura, negligência médica… sei lá. Só sei que ela se foi, e eu fiquei. Cresci ouvindo que eu tinha o sorriso dela. Mas nunca vi. A única foto que meu pai guarda é uma meio apagada, dobrada no meio, com ela rindo e ele olhando pra ela como se fosse o amor da vida. E era. Ele nunca mais se casou. Nunca levou mulher pra dentro de casa. Só me criou. Com amor. Com garra. Com tudo que ele tinha. A gente não tem muito. Aliás, a gente nunca teve. Mas ele sempre fez parecer que a vida era linda. — Sabe por que você se chama Milena? — ele sempre perguntava. — Porque é o nome que ela escolheu pra mim — eu respondia. — Isso. E também porque soa forte. Milena parece nome de mulher que não abaixa a cabeça. Que luta. Ele me ensinou a lutar sorrindo. E eu virei mulher do lado dele. Hoje eu trabalho num point na quadra. Barzinho de esquina que vira baile sexta e sábado, mas durante o dia vende de tudo: refrigerante, cerveja, marmita, pastel… Eu faço um pouco de tudo. Atendo, limpo, corro atrás de troco, ajeito freezer. E por incrível que pareça… eu gosto. Gosto do barulho, do movimento, do calor das frituras, dos gritos da galera jogando dominó aqui na calçada. Gosto de observar o morro vivo. Aqui ninguém passa batido. Todo mundo conhece todo mundo. E quando eu sorrio, tem gente que sorri de volta. É pouco? É. Mas é honesto. E é meu. No dia seguinte acordei cedo, como sempre. Lavei o rosto, prendi o cabelo, fiz um café forte e comi o pão amanhecido que a padaria da esquina me deu de graça ontem. Meu pai já tava sentado na cozinha, lendo jornal velho como se fosse atual. Ele é assim. Ama papel, não confia muito em celular. Disse que quem lê notícia impressa presta mais atenção. — Vai chover hoje — ele avisou. — E como você sabe? — perguntei, mordendo o pão. — Porque meu joelho tá doendo — ele riu. — É o meu termômetro. A gente riu junto. Esse tipo de conversa b***a me faz feliz. Antes de sair, deixei um beijo na testa dele e disse: — Te amo, pai. — Também te amo, minha pequena. Vai com Deus. ( ... ) O dia no point foi puxado. Teve baile no fim de semana e a galera tava de ressaca hoje, querendo coca-cola gelada e pastel pra rebater. O bar ficou cheio, calor demais, freezer pifando — mas eu tava aqui, firme. Amo o movimento. Amo quando as meninas do morro param pra me contar da vida, quando os moleques tentam desenrolar em cima de mim e eu solto um deboche pra cortar. Amo me sentir parte daqui. Faz a vida parecer mais leve. Menos sufocada. Quando o sol começou a baixar, a quadra foi esvaziando e o bar ficou mais tranquilo. Lavei os copos, limpei o balcão, fechei o caixa, troquei de roupa e subi o morro no passo leve de quem só quer chegar em casa, tomar um banho e colocar o pé pra cima. Mas foi só abrir a porta que eu soube. Tinha alguma coisa errada. Meu pai tava sentado no sofá, com a TV ligada em volume baixo, e uma cara que eu não via há muito tempo. Não era dor física. Era aquele olhar de quem carrega um peso no peito. — Oi, minha filha — ele falou, tentando sorrir. — Que foi? — perguntei na hora, largando a mochila no chão. — Tá com dor de novo? Ele balançou a cabeça. — Não é isso. — Então o que é? Tá me assustando. Ele respirou fundo. Passou a mão no rosto. E eu já conhecia aquele gesto. Era o “como é que eu vou contar isso?” Sentei ao lado dele. Peguei na mão. — Fala, pai. Pode falar. Ele olhou pra mim. E os olhos dele… estavam molhados. — Eu fui no médico de novo hoje. — Tá… — Peguei os exames. Meu coração congelou. — E? — Eu tô doente, filha. Sério. A frase bateu como tapa. — Doente como? — minha voz saiu trêmula. — O fígado. Já tá comprometido. — Mas isso tem tratamento, né? Tem jeito? — Tem. — Então a gente vai tratar! Eu trabalho, a gente dá um jeito… Ele me cortou com o olhar. — É muito caro, Milena. — E daí? A gente corre atrás. — Eu não quero te ver se sacrificando por minha causa. — Eu vou me sacrificar, pai. Quantas vezes o senhor já fez isso por mim? Ele abaixou a cabeça. E ali… eu vi o medo. Não era medo da morte. Era medo de me deixar sozinha. — Você é tudo que eu tenho — ele sussurrou. — E o senhor é tudo que eu sou. Nessa noite, eu não dormi. Deitei ao lado dele, no sofá pequeno que mäl cabia nós dois, e fiquei olhando o teto da nossa casinha simples. Eu pensei em Deus. Pensei em dinheiro. Pensei em desespero. E no meio do silêncio da Rocinha, só uma frase ficou martelando na minha cabeça: “É muito caro, Milena.” **** RECADINHO IMPORTANTE! **** — Esse livro terá atualização diária a partir do dia 15/08 que será o lançamento oficial dele! O motivo de ser só dia 15/08 é que vou finalizar os livros que estão em andamento, e aí sim vamos embarcar nós surtos desse daqui! Enquanto isso, vão colocando na biblioteca e indicando para as amigas! Beijos! Para mais detalhes entrem em contato comigo no INSTAGRÄM @inefavel.silgom
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