Anna A luz do carro cortava em faixas o meu rosto enquanto a chuva lavava o chão do morro. Eu segurava a mochila com as duas mãos como se aquilo me ancorasse ao presente; por dentro, um turbilhão. Ele dirigia com uma mão só, a outra apoiada no volante, o ombro tatuado pela bala ainda ardiam. O silêncio entre nós era uma peça que nenhum dos dois queria desmontar — até que eu decidi que não podia mais sustentar o segredo. Quando ele parou o carro na garagem da mansão, o motor morreu e o mundo externo virou quadro. A casa parecia respirar com o mesmo peso que eu sentia no peito. Kadu desligou a luz do painel; no escuro, os olhos dele brilharam como dois pregos — firmes, implacáveis. Senti meu próprio corpo pequeno de medo e maior de necessidade. — Fica aqui um minuto — ele disse, sem tirar

