Anna
O quarto era grande demais para uma só alma. Cada detalhe daquela mansão parecia feito para humilhar a minha antiga vida: o piso reluzente, o teto ornamentado, as cortinas pesadas e douradas que nunca deixavam o sol entrar por completo. Tudo ali brilhava, menos eu.
Kadu tinha me colocado no topo do morro — não como uma mulher livre, mas como um troféu preso num altar de concreto. A vista era tão bonita quanto c***l: as luzes da favela pareciam estrelas presas à terra, piscando entre tiros e sirenes. Eu as observava todas as noites, imaginando quantas daquelas vidas ainda tinham um pouco de escolha.
Eu não tinha mais nenhuma.
O corpo já começava a mudar, e com ele vinham as lembranças do dia em que tudo virou — o dia em que ele me olhou nos olhos e disse que o filho seria herdeiro
