📖 Capítulo 2 – Entre Paredes Frias

785 Words
O clima na casa da família Jung era diferente de tudo que Cassie já havia experimentado. Luxuoso, impecável, silencioso — quase como se ninguém vivesse ali de verdade. Os móveis reluziam de tão bem cuidados, as janelas eram tão grandes que deixavam a luz do amanhecer pintar as paredes de tons dourados. Mas mesmo com tanta beleza, Cassie se sentia... pequena. Ela havia ganhado um quarto nos fundos da casa, com cama, armário, uma escrivaninha e um banheiro só dela. Aquilo, para alguém que cresceu dividindo um colchão manchado em um canto da sala, já era um milagre. Mas a sensação de não pertencer ainda a acompanhava. Hannah era gentil, mas distante. E Hoseok... Ele era como uma sombra fria que atravessava os corredores. Desde que voltou da universidade, Hoseok sequer olhou nos olhos dela. Quando falava, era sempre com arrogância: — Você limpou meu quarto ou só fingiu? Porque ainda tem ** na janela. — Não coloque suas coisas no armário de baixo. É onde guardo minhas coisas. — Evita falar inglês perto da minha mãe. Ela acha que você tá zombando dela. Cassie tentava ignorar. Sabia que Hoseok era apenas um reflexo do mundo em que crescera: mimado, acostumado com controle e atenção. Mas, ainda assim, cada palavra atravessava sua calma como uma agulha. Naquela manhã de segunda-feira, Cassie acordou cedo. Vestiu sua roupa de trabalho e foi ajudar na organização do café da manhã. Preparou a mesa, cortou frutas, arrumou a louça com cuidado. Sabia que Hoseok só acordava depois das dez, então aproveitou o silêncio para respirar fundo. Mas ele apareceu antes do esperado. — Você sempre levanta tão cedo? — ele perguntou, a voz rouca de sono. Cassie se virou, surpresa por ele estar na cozinha. Estava com os cabelos bagunçados, moletom preto e olhos semicerrados. Por um segundo, ele não parecia um garoto rico e arrogante. Parecia... humano. — Eu gosto de acordar cedo. Aproveito o tempo para estudar antes da aula — ela respondeu, mantendo o tom neutro. Hoseok abriu a geladeira, pegou um suco e bebeu direto da garrafa. — Tem copos limpos, sabia? — ela não conseguiu evitar comentar. Ele se virou devagar, encarando-a. — Você tá me dando ordens agora? Cassie engoliu em seco. Por dentro, ela queria explodir. Queria dizer que não era criada dele, que não tinha obrigação de aguentar seus modos rudes. Mas ao invés disso, respirou fundo e respondeu: — Não. Só achei que você preferisse usar um copo ao invés de... saliva compartilhada. Hoseok riu, pela primeira vez. Um riso curto, surpreso. — Você tem coragem. Isso é novo. Ela não respondeu. Apenas pegou o pano de prato e voltou a limpar a mesa, fingindo que ele não estava ali. Quando Cassie chegou à universidade naquele dia, encontrou Hoseok no saguão principal. Ele estava com um grupo de amigos — todos artistas, dançarinos ou músicos — e parecia no centro da atenção. Assim que a viu, fez questão de comentar alto: — Olha, nossa estrela da limpeza chegou. Veio ver se consegue um papel na peça de teatro da faxineira? As risadas ecoaram pelo corredor. Cassie parou, sentiu o rosto queimar. Mas não respondeu. Em vez disso, caminhou direto até a sala de aula, mantendo o que restava da dignidade que ele tentava arrancar dela. Mas naquela noite, algo aconteceu. Cassie estava no pequeno estúdio da mansão, um espaço usado por Hannah para reuniões artísticas. Quando tinha certeza de que todos estavam dormindo, Cassie ia até lá dançar. Era sua única forma de liberar o peso que ainda carregava no peito. Ela colocou os fones de ouvido, ligou a música, fechou os olhos... e começou. Movimentos suaves, dolorosos. Cada passo parecia contar uma história. Cada giro, uma cicatriz. Ela dançava como se sua alma gritasse em silêncio. Não percebeu que Hoseok estava parado na porta, observando. Ele estava ali há alguns minutos, silencioso, assistindo algo que jamais esperava: vulnerabilidade pura. Pela primeira vez, Cassie não parecia orgulhosa, nem forte. Parecia quebrada. Mas linda. Quando ela parou, ofegante, percebeu a presença dele. — O que você está fazendo aqui?! — ela perguntou, assustada, com as mãos no peito. Hoseok demorou alguns segundos para responder. — Você dança... como se estivesse fugindo de alguma coisa. Cassie sentiu um nó na garganta. Não queria que ele a visse assim. Vulnerável. Frágil. — Eu não tô fugindo. Só tô tentando sobreviver. Ele deu um passo à frente, mas parou. — Você é diferente do que eu pensei. — Que bom. Porque você também é. Um pouco pior, na verdade — ela rebateu, com um sorriso irônico. Hoseok sorriu de canto. — Boa noite, Cassie. E saiu, deixando para trás um silêncio cheio de perguntas.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD